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Tecnologia refina planejamento de cirurgia na face

Estudo aperfeiçoa técnica que usa a representação virtual em 3D para diagnóstico e tratamento das deformidades dentofaciais

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Tese de doutorado desenvolvida pelo pesquisador Rodrigo Mologni Gonçalves dos Santos, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, oferece quatro contribuições ao aperfeiçoamento da técnica que faz uso da representação virtual em 3D para diagnóstico e planejamento do tratamento das deformidades dentofaciais. O trabalho, que foi orientado pelo professor José Mario De Martino e contou com a coorientação do professor Luis Augusto Passeri, do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), rendeu diversos artigos publicados em períodos científicos internacionais, além de um pedido de registro de patente.

De acordo com Rodrigo Santos, o método convencional de preparação da cirurgia ortognática, intervenção estético-funcional que objetiva corrigir deformidades dos ossos da face e dentes, é realizado de forma artesanal, o que toma muito tempo do cirurgião e encarece o procedimento. O planejamento virtual em 3D surgiu para superar estas dificuldades. “Nosso propósito foi contribuir para o aperfeiçoamento e difusão desta tecnologia, cujas perspectivas são de que ela substituirá o método convencional em um futuro breve”, explica o autor da tese.

Foto: Perri
O pesquisador Rodrigo dos Santos, autor da tese de doutorado: contribuição mais importante foi a automatização da principal etapa do planejamento cirúrgico virtual em 3D, na qual é feito o reposicionamento dos segmentos ósseos maxilares no crânio

O professor Passeri observa que embora tenha que trabalhar com a tridimensionalidade do crânio e da face, durante muito tempo o cirurgião fazia (e ainda faz) o planejamento da cirurgia de maneira bidimensional. “Nós usávamos como base a radiografia, que é uma estrutura plana. Até tentávamos obter informações tridimensionais, fazendo uma radiografia frontal e outra lateral, mas obviamente não conseguíamos gerar valores verdadeiramente tridimensionais. Com o modelo em 3D do crânio, nós passamos a contar com dados mais precisos, o que nos permite planejar com maior nível de detalhamento a cirurgia”, considera.

Das quatro contribuições oferecidas pelo estudo, segundo o professor De Martino, a mais importante foi a que automatizou a principal etapa do planejamento cirúrgico virtual em 3D, na qual é feito o reposicionamento dos segmentos ósseos maxilares no crânio. “O método criado é capaz de corrigir automaticamente os problemas dentofaciais mais comuns tratados pela cirurgia ortognática, que envolvem a maloclusão esquelética [problema de encaixe dos dentes inferiores e superiores], assimetria facial e discrepância dos maxilares”, relaciona Rodrigo Santos.

No método virtual em 3D, o cirurgião conta com o apoio do computador, mas o planejamento ainda não se dá de forma automática. A partir da representação em 3D do crânio, o profissional vai clicando, arrastando e posicionando manualmente as partes ósseas, como se estivesse remodelando o crânio. O objetivo é fazer com que o conjunto fique o mais próximo possível de um padrão pré-estabelecido, tendo por base estudos das características craniofaciais de homens e mulheres e de diferentes grupos étnicos. Ocorre que esse procedimento pode gerar alguma distorção, visto que os valores das medidas ósseas vão se alterando conforme as partes ósseas são movimentadas.

Foto: Perri
O professor José Mario De Martino, orientador do trabalho: Expectativa de que a ferramenta possa ser licenciada no futuro, o que traria benefícios principalmente aos pacientes

Dito de maneira simplificada, o que Rodrigo Santos fez para superar essa dificuldade foi desenvolver um método computacional que identifica as posições mais adequadas para a maxila, o corpo da mandíbula e o mento [queixo] no crânio, minimizando a diferença entre as medidas do paciente e as medidas padrão. “O algoritmo faz as movimentações automaticamente, de forma interativa, até encontrar a melhor solução. Nos testes que realizamos, essa diferença chegou a ser inferior a um milímetro, o que é perfeito clinicamente”, relata o autor da tese.

Segundo o professor De Martino, a prova de conceito foi muito bem-sucedida, demonstrando que o método é capaz de contribuir para o planejamento das cirurgias que visam a correção dos problemas dentofaciais. A tecnologia foi objeto de um pedido de registro de patente no Brasil. “É uma iniciativa importante, mas penso que também seja necessário buscarmos a proteção intelectual fora do país”, observa o docente, que tem expectativa de que a ferramenta possa ser licenciada no futuro, o que traria benefícios principalmente aos pacientes.


Outras contribuições

Além dessa importante contribuição ao planejamento da cirurgia ortognática, a pesquisa chegou a outros três resultados relevantes, que também oferecem recursos mais refinados à preparação da intervenção. O primeiro deles refere-se ao posicionamento da cabeça. No método convencional, uma vez gerada a imagem, não é possível mexer nessa posição. No ambiente virtual em 3D não existe essa limitação. “Além disso, a cabeça pode ser disposta em uma determinada posição com maior precisão, já que o cirurgião pode visualizar o crânio do paciente”, observa Rodrigo Santos.

Foto: Perri
O professor Luis Augusto Passeri, coorientador da pesquisa: “À medida em que simplificamos o procedimento, ampliamos o acesso a esse tipo de tratamento”

Outro avanço tem relação com a análise cefalométrica [estudo das dimensões do crânio e da face], que deixa o plano bidimensional e migra para o tridimensional. Com isso, são gerados valores verdadeiramente em três dimensões, o que evita a perda de informações decorrentes da bidimensionalidade da radiografia, usada no método convencional. “Sem dúvida, isso aumenta a acurácia do planejamento cirúrgico, inclusive porque preserva a geometria tridimensional das estruturas ósseas”, avalia o professor Passeri.

A última contribuição do trabalho foi a proposição de novas normas cefalométricas para brasileiros adultos de ascendência europeia, a partir de imagens de tomografia computadorizada, técnica que produz uma imagem craniofacial mais precisa e confiável que a radiografia. Esta última gera distorções na forma e tamanho do crânio, além de não distinguir a sobreposição e o consequente ocultamento de ossos. “Nós criamos essas normas a partir da base de imagens da Área de Radiologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), cujo acesso só foi possível graças à colaboração do professor Francisco Haiter Neto”, esclarece Rodrigo Santos.

Nas análises que fez, o pesquisador constatou que existem diferenças significativas entre homens e mulheres. De acordo com ele, os crânios masculinos e femininos são proporcionais, mas os maxilares dos homens são maiores. “Definimos as medidas levando em consideração a diferença de densidade entre ossos e dentes, o que permite uma identificação mais precisa desses elementos”, afirma Rodrigo Santos, que contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento do Ministério da Educação.

Foto: Divulgação
Modelos em 3D do crânio de um mesmo paciente antes (à esquerda) e depois (à direita) do reposicionamento automático dos segmentos ósseos maxilares

Segundo o professor Passeri, cerca de 5% dos brasileiros têm indicação para se submeter à cirurgia ortognática, o que representa 10 milhões de pessoas, contingente semelhante à população de Portugal. “À medida em que simplificamos o procedimento, ampliamos o acesso a esse tipo de tratamento”, entende. A intervenção, acrescenta o especialista, é indicada para pessoas com deformidades nos ossos da face e dentes que ocasionam problemas de ordem fonatória, respiratória, de mastigação e de deglutição, entre outros. Tanto o professor Passeri quanto o professor De Martino destacam a importância de o trabalho ter sido conduzido de forma multidisciplinar. “Este é o tipo de estudo que exige o uso de conhecimentos gerados por mais de uma área. Tivemos que aprender uns com os outros para chegar às soluções que procurávamos, o que foi muito enriquecedor para todos”, pontua De Martino.

 

Publicações

  1. SANTOS, R. M. G.; DE MARTINO, J. M.; HAITER NETO, F.; PASSERI, L. A. Influence of different setups of the Frankfort horizontal plane on 3-dimensional cephalometric measurements. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, v. 152, n. 2, p. 242–249, ago. 2017. DOI: 10.1016/j.ajodo.2009.08.026.
     
  2. UNICAMP. J. M. De Martino; R. M. G. Santos; L. A. Passeri. Método para reposicionamento automático de segmentos ósseos maxilares em planejamento virtual tridimensional. BR n. 10.2017.004146-8, 2 mar. 2017.
     
  3. SANTOS, R. M. G.; DE MARTINO, J. M.; PASSERI, L. A.; ATTUX, R. R. F.; HAITER NETO, F. Automatic repositioning of jaw segments for three-dimensional virtual treatment planning of orthognathic surgery. Journal of Cranio-Maxillo-Facial Surgery, v. 45, n. 9, p. 1399–1407, set. 2017. DOI: 10.1016/j.jcms.2017.06.017.
     
  4. SANTOS, R. M. G.; DE MARTINO, J. M.; HAITER NETO, F.; PASSERI, L. A. Cone beam computed tomography-based cephalometric norms for Brazilian adults. International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, v. 47, n. 1, p. 64–71, jan. 2018. DOI: 10.1016/j.ijom.2017.06.030.

 

  1. SANTOS, R. M. G.; DE MARTINO, J. M.; HAITER NETO, F.; PASSERI, L. A. Cone-beam computed tomography-based three-dimensional McNamara cephalometric analysis. Journal of Craniofacial Surgery, 2018. DOI: 10.1097/SCS.0000000000004248. Pré-publicado.

 

 

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: Em sala, imagem frontal e de busto, homem sentado, à esquerda na imagem, aponta com o indicador da mão direita para três foto de crânios, dispostas uma ao lado da outra, que são exibidas na tela de um notebook que se encontra à direita na imagem sobre suposta mesa. Ele usa óculos e veste camisa de mangas curtas, com listra horizontais nas cores vermelho, cinza e branco. Imagem 1 de 1.

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