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O julgamento de Lula, na opinião de Reginaldo Moraes e Roberto Romano

Na sessão que começa às 8h30 desta quarta-feira no TRF4, três desembargadores decidem o destino do ex-presidente

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Julgamento Lula
Lula é fotografado entre Dias Toffoli e Gilmar Mendes na cerimônia de posse da presidente do STF Cármen Lúcia (Wilson Dias/Agência Brasil)

O julgamento considerado crucial para os rumos da política brasileira começa às 8h30 desta quarta-feira, em Porto Alegre. Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo juiz Sergio Moro, em primeira instância, a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, apelou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) para reverter a sentença e assegurar a sua elegibilidade para a corrida presidencial de 2018. No TRF4, segunda instância das ações da Operação Lava Jato, três desembargadores decidirão o destino do ex-presidente, que é acusado por Moro de receber um tríplex no Guarujá como propina da empreiteira OAS em troca de favores na Petrobras.

Dois articulistas do Jornal da Unicamp, Reginaldo Corrêa de Moraes e Roberto Romano, analisam as circunstâncias do julgamento e procuram antever os cenários políticos com e sem Lula. Moraes afirma que “estamos diante de qualquer coisa menos um ato de direito” e que o que está em curso é um julgamento estritamente político. Romano, por sua vez, recorre à Enciclopedia organizada por Denis Diderot: “Juízes se transformam em árbitros, a lei é subestimada, a defesa se torna impotente”.

 

Reginaldo CorreaParece louco, mas é tão
lúcido como Hiroshima

REGINALDO CORRÊA DE MORAES

Não tenho muito espaço, serei breve. Para interessados, remeto a outro comentário.

O que observo, antes de mais nada, é que estamos diante de qualquer coisa menos um ato de direito. O que está em curso é um julgamento estritamente político. Trata-se de produzir uma condenação a la carte. Conforme a vontade do freguês que a encomendou.

A expressão pode parecer dura, mas sua pertinência é evidenciada até mesmo pela impossibilidade de prever o resultado desse jogo. É tão incerto que mesmo os donos da bola sentem a necessidade de multiplicar pressões e manifestações extrajudiciais, midiáticas, para entusiasmar os jogadores, os três desembargadores votantes. Parece que se vê com temor qualquer resultado menor do que um puro e duro 3 x 0.

No mérito da questão – que abordo em mais detalhe no texto já indicado – o que mais me chama atenção é esta inacreditável declaração do juiz: “o réu é culpado porque não há outra narração possível para explicar os fatos”.

Inacreditável porque, sob essa tosca lógica da desrazão, estamos diante de uma simples chave torta: o problema está nos “fatos” para os quais se exige explicação. Sequer a existência dos fatos foi comprovada: a propriedade ou, pelo menos, a posse e uso do imóvel por parte do “criminoso imputado”. E mais: se esta posse fosse comprovada, restava demonstrar que era resultante de outro ato, ilegal e ilegítimo, do “proprietário alegado”. Assim, procura-se a “narração plausível” para um fato fantasma. O apartamento é do réu. Não está comprovado como fato, mas é preciso arrumar uma “narração” para explicar o não-fato. E a narração é esta: “ele trocou por favores”. Os favores não foram comprovados: mas é a “única narração plausível” para os “fatos”, logo, devem ter ocorrido. Quem diz isso diz qualquer coisa.

O resultado do julgamento é incerto. O desdobramento, mais ainda. O certo, porém, é que o cenário político continuará sob ameaças de tormentas ainda maiores. Seguirá sem freios o turbilhão de desmanches da nação e de seus patrimônios, para satisfazer interesses internacionais visíveis e interesses locais mesquinhos? Até quando? E o que resultará no famoso dia seguinte? Depois que fizerem o serviço e entregarem o cemitério, o que farão os coveiros? Mudarão para Miami? E os novos proprietários? Desembarcarão no país e tomarão posse oficial? Keynes dizia que era preciso salvar o capitalismo de si mesmo. Aqui, nem se sabe o que salvar de quem, dado o curto-prazismo dos “responsáveis” pelo desmonte.

 

Roberto Romano‘Eles [os juízes] devem dizer
o direito, não fazer o direito’

ROBERTO ROMANO

Uma fonte moderna dos costumes civilizados encontra-se na Enciclopédia organizada por Denis Diderot. Ela ajudou a edificar sistemas de justiça em Estados que hoje exercem papel hegemônico. Sem ela, a Constituição norte-americana teria vazios insanáveis. No Brasil os seus volumes eram compulsados pelos que sonhavam com a liberdade. Em Ouro Preto o dicionário ajudou a definir a possível república. Nela, o primeiro ato seria instalar fábricas e universidades. O grande dicionário ajuda a entender o pensamento da burguesia e as Revoluções do século 18. Mas ele antecipa visões que ajudaram as lutas socialistas dos séculos 19 e 20.

O Brasil nunca chegou a ser uma república federativa e democrática. Aqui, os poderes dependem do Executivo o qual, por sua vez, compra votos no Congresso e cede privilégios ao Judiciário. A corrupção alimenta os três corpos da vida pública. No dia 19/01/2018 soubemos que a Presidência destina 30 bilhões de reais para captar votos de parlamentares. O alvo da compra é subtração de direitos dos trabalhadores, a “reforma” da previdência, em benefício do capital financeiro com sua previdência privada e outras façanhas e rapinas.

Volto à Enciclopédia: “os juízes foram submetidos às leis. Suas mãos foram atadas, após terem suas vistas cobertas, para os impedir de favorecer alguém. Por tal motivo, seguindo o estilo da jurisprudência, eles devem dizer o direito, não fazer o direito. Eles não são árbitros, mas intérpretes e defensores das leis. Que eles tomem cuidado para não suplantar a lei, sob pretexto de a suplementar. Julgamentos arbitrários cortam os nervos das leis e só lhes deixam a palavra, para nos exprimir com o Chanceler Bacon”.

Em todo o processo no qual se acusa Luiz Inácio da Silva, assistimos a mudança fatal indicada por Bacon e Diderot. Juízes se transformam em árbitros, a lei é subestimada, a defesa se torna impotente. As bases da acusação residem quase que exclusivamente em testemunhos de presos, cujas famílias são ameaçadas. Foi invertido o rumo da norma: não é o Estado a provar a culpa do réu. Cabe ao último evidenciar sua inocência. Semelhante forma de julgamento hostiliza o poder democrático, serve à exceção.

Para desnorteio dos cidadãos, uma dura magistratura superior, no dia 24/01/2018, exercerá o papel lamentável de corte especial de justiça, como em Vichy. Mesmo que, hipótese improvável, o réu seja absolvido, após o espetáculo dos procuradores com seu power point, ficou claro: todo o processo foi contaminado pela ideologia que, desde o “mar de lama” ao putsch de 1964, usa a desculpa da corrupção para retirar direitos da cidadania. No banco dos acusados, temos alguém que hoje reúne as esperanças dos esquecidos pelo judiciário. Na tribuna, tutores da ordem estabelecida. Ainda segundo o Chanceler Bacon, eles são “os leões sob o trono”. E diria Gabriel Naudé: em Porto Alegre “a sentença precede o julgamento”. Algo próprio dos golpes de Estado.

Imagem de capa JU-online
Lula é fotografado entre Dias Toffoli e Gilmar Mendes na cerimônia de posse da presidente do STF Cármen Lúcia (Wilson Dias/Agência Brasil)

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