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Desenhos de Iberê Camargo transitam por diferentes formas

Livro apresenta estudos iniciais e esboços de séries celebradas

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Numa tarde muito quente, a pequena Alice estava extremamente entediada. Sentindo-se sonolenta e preguiçosa, nada mais restava a fazer a não ser espiar de vez em quando o livro que sua irmã mais velha lia, sentada a seu lado. Nem isso adiantou para matar o tédio. O livro não tinha ilustrações nem diálogos. “Pra que serve um livro”, pensou Alice, “se não tiver figuras ou diálogos?”. A decepção com a leitura foi a gota d’água para a personagem de Lewis Carroll, que não demora a embarcar em uma viagem onírica para o País das Maravilhas.

Com frequência, o leitor de livros de arte também se decepciona com a ausência ou precariedade das reproduções de suas obras favoritas. Não é o que vemos na Coleção Cadernos de Desenho, uma parceria da Editora da Unicamp com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. A coleção – que contempla também Anita Malfatti, Flávio de Carvalho, Marcelo Grassmann, Tarsila do Amaral e outros – traz uma extensa e acurada amostra dos desenhos do artista gaúcho Iberê Camargo, que faria aniversário amanhã (18/11). Acompanhados por uma refinada introdução de Eduardo Kickhofel, os desenhos – didaticamente agrupados – ocupam quase a totalidade do livro, são os protagonistas e, de algum modo, falam por si sós.

Não que Iberê seja pouco ou mal editado. Muitos são os estudos dedicados a ele, tanto de críticos renomados como Paulo Venancio Filho, Ronaldo Brito, Sonia Salzstein e Vera Beatriz Siqueira, quanto de jovens pesquisadores interessados em seu legado. Favorece também para a divulgação da obra de Iberê Camargo a existência de uma importante fundação em seu nome, radicada em Porto Alegre, que possui boa parte do acervo do artista e que colabora fortemente com sua difusão (um privilégio raro entre os artistas brasileiros). Como a própria fundação declarou certa vez, seu objetivo não é apenas o de guardar um arquivo ou uma biblioteca, mas o de criar “um centro de investigações” e colaborar ativamente com iniciativas alheias. A seleção dos desenhos de Iberê para a coleção Cadernos foi feita, também, com o apoio da Fundação Iberê Camargo.

Foto: Reprodução
Obras de Iberê Camargo presentes no livro

Nesse sentido, os cadernos de desenhos de Iberê integram o seu amplo e justificado reconhecimento. Como afirma a organizadora da coleção, Lygia Eluf, por meio do desenho é possível conhecer uma dimensão mais intimista do artista, dimensão essa mais próxima do ateliê do que da galeria, pois com frequência o desenho não se realiza diretamente enquanto representação em tela, mas revela uma organização peculiar do pensamento de quem o assina. No caso de Iberê Camargo, celebrado pintor, nos deparamos com um tratamento extraordinário do desenho, que revela muito de seu talento e de suas ambições. Primeiramente, testemunhamos as cópias iniciais de grandes artistas renascentistas. Mais do que mero exercício, como Eduardo Kickhofel percebe, Iberê busca compreender e explorar soluções para representar forma e volume no desenho, sobretudo de figura humana, a partir das construções de grandes mestres. Antes mesmo de ir à Europa, Iberê estudou reproduções em gesso de estátuas antigas disponíveis no Instituto de Artes de Porto Alegre.

Esse aprendizado, aponta Daniela Vicentini, não se perderia até mesmo em suas pinturas mais tardias, que simplificaram as formas e seu volume. Aliás, é interessante que Iberê tenha transitado por tantas tradições: estuda o Renascimento em Porto Alegre; refina a percepção dos mestres italianos em Roma, sob supervisão de ninguém menos que Giorgio de Chirico; explora soluções mais geométricas, sobretudo a partir da experiência em Paris e do contato com o Cubismo; volta à figura humana no início dos anos 1980, já em tom muito diverso do inicial. Todos esses desenvolvimentos, dos estudos iniciais até os esboços das celebradas séries Ciclistas e Idiotas, são incluídos no caderno Iberê Camargo.

Nesse sentido, os desenhos reunidos pela Coleção Cadernos interessam não apenas ao especialista, mas a qualquer interessado em arte: são, em seu conjunto, uma aula de arte, pois permitem o trânsito por diversas formas de representação. Por meio do refinado traço de Iberê, pode-se acompanhar seu desenvolvimento pessoal e, também, testemunhar uma pequena cronologia da arte do século XX. Como Alice gostaria, esse é um livro com figuras e diálogos.


Foto: Reprodução
SERVIÇO

Título: Iberê Camargo

Autor: Iberê Camargo

Organizador: Lygia Eluf

Editora da Unicamp e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Páginas: 262

Preço: R$ 35,00

 

 

 

Mais sobre a coleção Cadernos ou sobre autores nela retratados

www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2009/ju427_pag12.php

www.unicamp.br/unicamp/ju/532/marcello-grassmann-arte-do-arrependimento

www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/abril2008/ju393pag6-7.html

http://www.unicamp.br/unicamp/ju/532/lygia-eluf-da-arte-a-teoria-e-vice-versa

 

 

 

Imagem de capa JU-online
Desenho de Iberê Camargo | Reprodução

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