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Recompensar para preservar

Pesquisadora avalia o potencial do pagamento por serviços ambientais para a proteção de recursos hídricos

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Foto: Reprodução Talvez você nunca tenha ouvido falar em serviços ecossistêmicos, também conhecidos como serviços ambientais, mas a vida humana seria impossível sem eles. A purificação do ar que respiramos, a fertilidade dos solos que sustentam a agricultura e o abastecimento da água que consumimos, entre outros, são alguns dos serviços ambientais que a natureza nos proporciona e sem os quais não poderíamos sobreviver.

Embora a natureza nos dê essas coisas de graça, os serviços ecossistêmicos estão continuamente ameaçados pela atividade humana. Para um fazendeiro, por exemplo, pode ser mais lucrativo desmatar a sua propriedade e vender a madeira, do que deixar as árvores no lugar e permitir que purifiquem o ar, protejam os solos e contribuam para a retenção de água.

Um dos mecanismos surgidos recentemente para tentar conciliar os interesses dos proprietários rurais com os da população e do meio ambiente é o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Trata-se de um subsídio ofertado aos proprietários em troca da manutenção das condições nas suas fazendas que permitam à natureza seguir prestando serviços ambientais. Por sua vez, o poder público pode arrecadar o dinheiro para o PSA através de acordos com empresas que usufruam desses serviços ambientais ou por meio de impostos.

Foto: Scarpa
Vista da cidade mineira de Extrema, onde foi implantado com sucesso o Programa Conservador de Águas

A pesquisadora Claudete Bezerra explorou em sua tese de doutorado o potencial do PSA no Brasil como ferramenta para proteger recursos hídricos. Nesse sentido, o uso do PSA já se tem mostrado útil para preservar mananciais e bacias hidrográficas em outros lugares do mundo, entre os quais México, Costa Rica e em algumas cidades dos Estados Unidos.

“Em Nova Iorque, por exemplo, a empresa de saneamento viu que o custo do tratamento da água era mais caro do que pagar aos produtores rurais para fazer os serviços ambientais”, explica.


Recursos hídricos

Atualmente já existem no Brasil vários programas de PSA para a proteção de recursos hídricos. Um caso paradigmático é o Programa Conservador de Águas, no município mineiro de Extrema, que tem recebido dezenas de prêmios nos últimos anos. Em São Paulo, o Governo do Estado lançou em 2011 o Projeto Mina d’Água, voltado para a proteção de nascentes em mananciais de abastecimento público. Em troca do PSA, os proprietários são orientados a realizar certas atividades, como reflorestar áreas importantes para os recursos hídricos ou criar bacias de infiltração que promovam a recarga de água subterrânea. Porém, um problema dos programas é a falta de indicadores que permitam avaliar o seu impacto.

“Nos programas de PSA, tanto no Brasil como no mundo, você sabe quanto planta de árvore e quanto foi investido. Mas se mão temos monitoramento dos projetos, como é que podemos realmente avaliá-los?”, indaga a pesquisadora. 

A busca de indicadores para programas de PSA foi um dos aspetos tratados na tese de Claudete. Em particular ela olhou para o caso de Piracaia, um dos 21 municípios do Estado de São Paulo envolvidos no Projeto Mina d’Água. Em uma oficina com técnicos de várias instituições públicas e um encontro posterior com pesquisadores da área de PSA, Claudete e os seus colaboradores avaliaram e ranquearam diferentes indicadores. Depois, alguns deles foram aplicados no contexto do município de Piracaia.

“Eu coloquei em prática o indicador % de reflorestamento de uma propriedade rural. O estágio vegetacional ainda é pequeno [o projeto começou em 2014], mas você já consegue vislumbrar pela imagem um crescimento da vegetação. Outro indicador é o saneamento rural, que avalia as instalações sanitárias, se tem banheiro na propriedade, se tem fosso, se é fossa séptica etc”.

Embora considere que o PSA tem muitos aspectos positivos e um grande potencial, ela identifica alguns obstáculos para que exista uma maior e melhor implementação do PSA no Brasil.

Outro ponto fundamental para Claudete é a falta de comunicação dos atores, sobretudo entre o Estado, prefeitura e produtor rural. “É preciso fazer com que todos se assimilem ao projeto, entendam a dinâmica do projeto”.

Segundo a pesquisadora, um dos gargalos do o PSA é a ausência de um marco legislativo apropriado. “No Brasil o que nos falta muito é legislação federal. Por exemplo, México e Costa Rica têm lei federal e fundo federal. No Brasil a gente tem três projetos de lei que tramitam, mas ainda não temos nem lei federal nem fundo. Não tem nada que universalize na prática esses serviços.”

A tese lança também uma proposta para a criação da Rede Brasileira de PSA, cuja finalidade seria incentivar, entre outras coisas, o intercâmbio de experiências em diferentes lugares do país, a colaboração entre pesquisadores e a criação de ferramentas de monitoramento.

O doutorado de Claudete foi realizado sob a orientação do professor Carlos Alberto Mariottoni e defendido junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.


Mais sobre

http://www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/jornal/paginas/ju_657_paginacor_03_web_0.pdf

 

 

Imagem de capa JU-online
Vista parcial da cidade paulista de Piracaia, um dos municípios no âmbito do Projeto Mina d’Água | Foto: Álvaro Kassab

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