Ataques à Ciência

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JU - As Universidades e a Ciência têm sido duramente atacadas por setores da sociedade alinhados a posturas negacionistas de viés ideológico. Em sua opinião, como a Unicamp deve se posicionar diante desses ataques e que papel deve desempenhar na defesa de seus propósitos?

Tom Zé - Como importante ponto de partida, é necessário reconhecer que não apenas a Universidade, mas também todas as instituições ligadas à ciência, à informação e ao conhecimento vem sofrendo ataques negacionistas de viés ideológico, com efeitos deletérios para o país, no que diz respeito à sua vida cultural, à formação da juventude e, em consequência ao desenvolvimento nacional em suas diversas vertentes. Posto isso, é importante que a Universidade se posicione ativamente na defesa de seus propósitos, a qual, assim entendemos, passa por uma atuação conjunta em duas frentes principais, ambas pautadas com por uma defesa incondicional da autonomia e do caráter público da Universidade.

Um primeiro aspecto a ser considerado é a comunicação com a sociedade. Embora muito importante, é preciso ir além de uma comunicação em via de mão única na qual basicamente se relata à sociedade os importantes resultados científicos obtidos na Universidade. Evidentemente, temos que estar presentes na mídia e nas esferas políticas, mostrando a importância da Unicamp, mas também é preciso uma atuação mais localizada, com um envolvimento maior da Universidade em ações locais e capilarizadas, como, por exemplo, nas escolas públicas das cidades que recebem nossos campi. É de um contato mais estreito que se constrói e se consolida uma visão mais precisa do papel da Universidade. Nossa estratégia de se dar a conhecer deve ser capaz de atingir a sociedade em seus diversos segmentos. Além dos importantes meios de comunicação que já estão estabelecidos na Universidade, é preciso implantar mecanismos mais dinâmicos, capazes de dialogar com pessoas que desconhecem completamente a nossa atuação. A melhor maneira de combater a desinformação é se valer de uma estratégia de comunicação eficiente, ampla e capilarizada, e não devemos medir esforços nesse sentido.

Uma segunda frente diz respeito a trazer para a Universidade públicos que não alcançamos em nossos cursos de graduação e de pós-graduação. Por exemplo, agora que temos a modalidade lato sensu regulamentada, temos condições de estabelecer cursos gratuitos voltados para populações menos favorecidas e para segmentos profissionais tais como pequenos e microempreendedores. A presença de um público que historicamente não é diretamente impactado por nossas ações pode ser um importante multiplicador na divulgação de nossa atuação e de nossa contribuição para a sociedade. Ações dessa sorte podem ser feitas por meio de parcerias entre unidades interessadas, sem nenhum prejuízo para a manutenção de nossa excelência acadêmica. Ao contrário, a Unicamp continuará sendo uma "Universidade de pesquisa", em que se fará tanto ou mais investigação científica convencional e, ao mesmo tempo, onde se iniciarão, em maior medida do que atualmente, novas linhas de pesquisa em áreas motivadas pelas demandas sociais, sanitárias e industriais, como acontece nas economias mais avançadas.

No que diz respeito à comunicação com a sociedade, cabe ressaltar que um dos princípios norteadores do programa de gestão “Unicamp: construindo o amanhã” aponta para "Uma universidade que abraça e se deixa abraçar pela sociedade". Este princípio fundamenta uma série de ações e propostas concretas que visam destacar a institucionalidade da Universidade como bem público e compartilhar o impacto de suas ações no âmbito do ensino, da pesquisa, da extensão, da cultura, da arte, da inovação e da inclusão. Para que de fato a sociedade nos acolha, é necessário que saiba reconhecer nosso papel insubstituível de formação de pessoas e de geração de conhecimento, do qual essa mesma sociedade é legatária.

Também cabe destacar que, concomitantemente aos esforços de comunicação e integração com a sociedade, não podemos deixar de atuar fortemente junto aos tomadores de decisão das esferas pública e privada. Um aspecto que se sobressaiu na pandemia é que, diante da ameaça concreta, mesmo em meio a polêmicas, boa parte da população pressiona os agentes políticos por uma solução pautada pela ciência, como por exemplo as vacinas. Abre-se assim uma oportunidade interessante para que a Universidade se comunique com os diferentes atores sociais envolvidos, difundindo seus valores, assumindo posições de mediação e destacando a razão de ser da ciência, em todas as suas áreas de conhecimento, como "amiga da verdade".

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Mário Saad - Devemos começar a nos perguntar: “por que chegamos até aqui?”, “por que precisamos, agora, provar o real valor da Universidade e da própria Ciência?” Como Universidade, precisamos começar por aquilo que nos cabe enquanto instituição geradora de conhecimento, ou seja, refletir, inclusive, sobre a nossa própria responsabilidade enquanto Academia. Não podemos deixar de ocupar nosso lugar de fala e abrir caminho livre para que o negacionismo científico se instale no seio da sociedade. Já bem o sabemos, em locais em que o Estado não está presente, outros poderes são instituídos. Trata-se de uma autocrítica, ou seja, de saber em que momento a Universidade perde, cotidianamente, o contato com a população ao redor. No que se refere ao posicionamento da nossa gestão em relação aos ataques contra a ciência, somos irredutíveis na defesa da universidade e do conhecimento científico, e moveremos os mecanismos institucionais adequados para ampliar a voz da nossa comunidade científica nos diversos segmentos da sociedade. Nesse sentido, dentro do atual cenário tecnológico e comunicacional, em que a cada dia mudam as ferramentas, e a metodologias de comunicação, compreendemos ser necessário fortalecer os campos de Tecnologia da Informação e Comunicação na nossa universidade. Nesse sentido, temos como propostas:

No que ser refere ao fortalecimento do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC)

  • Regulamentar e expandir a participação de empresas de tecnologia nos projetos inovadores de interesse da Unicamp;

  • Aproveitar a força de trabalho de docentes, funcionários e alunos da universidade nos projetos das cidades, indústrias e comércio para alavancar a inovação tecnológica e científica;

  • Implantar uma interface dotada de inteligência artificial para interação com as principais áreas de interesse da sociedade e também nos processos internos

  • Realizar a governança de TIC com a definição das políticas e atribuições dos órgãos e Conselhos de TIC da Unicamp;

  • Tornar uma gestão efetiva dos recursos com atualização tecnológica para todos os campi;

  • Realizar gestão dos processos de TIC;

  • Ampliar os serviços oferecidos pelos órgãos centrais de TIC, de forma que possam atender com mais eficácia as demandas que surgem a todo o momento, decorrentes do próprio avanço tecnológico;

  • Integrar os sistemas informatizados, administrativos e acadêmicos, de modo a: (1) Simplificar o acesso de docentes, alunos e funcionários aos sistemas da Diretoria Acadêmica (DAC), em pleno funcionamento; (2) Simplificar o acesso das informações aos sistemas administrativos;

  • Garantir acesso à rede mundial de computadores por meio de links escaláveis de alta velocidade e estabilidade de transmissão de dados, entre todos os campi da Universidade;

  • Garantir a tramitação, totalmente digital, dos documentos da universidade, conforme prevista em lei Atuar em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD);

  • Investir, consolidar e estabilizar a “Nuvem Unicamp” e tratar os efeitos ocorridos na migração dos clientes para a nuvem;

  • Estudo da viabilidade tecnológica para o tele trabalho de forma definitiva.

No que diz respeito às atividades de comunicação realizadas na universidade

  • Mapear as atividades de comunicação realizadas em diversos setores e unidades de ensino e pesquisa da universidade, tais quais de jornalismo, publicidade e propaganda, de relações públicas, web design, de rádio e TV, dentre outras;

  • Fomentar a gestão articulada das ações de assessoria de imprensa, comunicação jornalística e relações públicas, entre a administração central e demais setores da universidade, favorecendo a otimização de recursos humanos;

  • Estimular o aprimoramento contínuo dos profissionais de comunicação a partir de cursos de atualização profissional específicos, dado o avanço e aprimoramento ininterrupto de ferramentas e metodologias de comunicação;

  • Prover infraestrutura física e de equipamentos de última geração que confira qualidade aos produtos de comunicação produzidos no âmbito da universidade, nesse sentido, buscar mecanismos de financiamento extraorçamentários para aquisição desses materiais;

  • Prover a atualização da Unicamp na realização de assinaturas e/ou de aquisição de licenças de softwares e aplicativos de edição de imagens, editoração eletrônica, dentre outros, em constante atualização mercadológica;

  • Fomentar a realização de parcerias com unidades e veículos de comunicação de instituições públicas de modo a aumentar o alcance da universidade para outros segmentos de público

  • Prestar assessoria consultiva e jurídica para viabilizar a implantação de uma Rádio Comunitária na Unicamp;

  • Incentivar a criação de linhas de fomento específicas voltadas à produção de conteúdo de divulgação científica, em diferentes meios e plataformas;

  • Fomentar o treinamento contínuo da comunidade acadêmica para as atividades de comunicação e divulgação científica, tais quais, gestão de redes sociais, media training, gestão da comunicação, gestão de crise, editoração eletrônica, dentre outros;

  • Fortalecer o relacionamento da universidade com setores de comunicação externos, bem como veículos de imprensa e órgãos institucionais;

  • Fortalecer as atividades de Relações Públicas, visando o suporte protocolar adequado na realização dos eventos realizados pela universidade e também na preservação da imagem institucional;

  • Incentivar a criação de gabinetes de crise permanentes com a participação de gestores e profissionais de comunicação, visando à articulação conjunta da administração central com suas respectivas unidades subordinadas;

  • Incentivar a estruturação de serviços de produção de sites, revistas, aplicativos e outras peças de comunicação demandadas pela comunidade universitária;

  • Nuclear discussão em fóruns para desenvolvimento de política de comunicação para a universidade, com delineamento de normas e procedimentos padrões, incluindo as transformações de cenário decorrentes do aumento expressivo de eventos realizados em plataforma virtual;

  • Fortalecer ações e iniciativas de comunicação existentes na universidade, lideradas por unidades como RTV, Labjor, Labeurb, Proec, Secretária Executiva de Comunicação, dentre outras; bem como por assessorias locais, tais quais, HC, FCM, FCA, FOP, DGRH, Caism, Hemocentro e etc.;

  • Respaldar e oferecer suporte às unidades e institutos que não contem com equipes ou profissionais de comunicação;

  • Fomentar as atividades de gestão e monitoramento de redes sociais;

  • Fomentar a produção de indicadores de comunicação, bem como a realização de análises periódicas de métricas;

  • Incentivar ações de comunicação de agenda positiva e de mitigação de riscos.

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Sergio Salles-Filho - Essa é uma questão de enorme importância. Esses ataques têm sido muito fortes e visam valores dos quais a legitimidade da universidade e da ciência dependem. Nós, o sistema universitário e a comunidade científica do País, não podemos perder a legitimidade que possuímos na sociedade e que foi duramente conquistada. Então, se existe uma disputa que nos ameaça, mais do que nunca é preciso enfrentar esse debate público e defender a importância do que fazemos para o desenvolvimento social, econômico, político e ambiental do Brasil e do mundo. A Unicamp, por sua história e sua relevância, deve ser uma das protagonistas dessa disputa.

Quando decidimos nos apresentar à comunidade como candidatos à reitoria, tínhamos consciência de que os próximos anos apresentarão à universidade e à ciência desafios grandes e com contornos inéditos na história do País. Nós estamos convencidos de que as nossas trajetórias profissionais, que sempre estiveram baseadas na importância da ciência e de seus inúmeros desdobramentos sociais, e o nosso compromisso com a democracia como valor político maior nos dão a base de que precisamos para enfrentarmos esses desafios.

Um dos fundamentos do nosso Programa de Gestão da Universidade é a defesa de seu caráter público, gratuito e plural, com autonomia acadêmica e administrativa. Entendemos que são condições para que a universidade possa evoluir e cumprir suas missões de ensino, pesquisa e extensão, com engajamento com diversos segmentos da sociedade. Então, estamos convencidos de que o desenvolvimento da universidade está intrinsecamente ligado à busca de valores democráticos e de liberdade de pensamento. Dessa maneira, a Unicamp deve fortalecê-los internamente e deve se posicionar publicamente em defesa desses valores.

Dito isso, como enfrentar o negacionismo, o ataque à ciência, o desprezo às evidências científicas, a prática da desinformação e a contestação do papel da universidade? Por um lado, com mais informação, com mais evidências e com o fortalecimento na sociedade de fundamentos da argumentação acadêmica, que se sustenta em teorias e está apoiada em evidências empíricas. Precisamos demonstrar à sociedade que todos se beneficiam desses valores e que todos podemos ser entregues a sérios riscos quando eles se perdem. Por outro lado, com atuação política estrategicamente pensada, articulando-se com outras universidades e instituições científicas atuar junto a agentes da sociedade e a atores políticos que têm papel chave nas disputas que nos afetam.

Muitas ações podem ser realizadas para a promoção, de forma ampliada e sistemática, da comunicação com os diversos segmentos da sociedade e do espaço político. Nós devemos interagir mais com diferentes agentes, devemos nos comunicar mais e melhor. Essa é uma via de mão dupla, pois é preciso não apenas transferir o que fazemos para fora, mas também abrir a universidade para que o olhar e as demandas externas, de diferentes agentes, possam entrar e alimentar o que fazemos.

Nesse sentido, vamos promover:

  • A defesa incondicional dos valores acadêmicos e do respeito às práticas e instâncias democráticas, liderando pelo exemplo, e buscando promover movimentos alinhados com as demais universidades públicas estaduais.

  • O engajamento de mão dupla da Universidade com diversos segmentos da sociedade.

  • O exercício da autonomia acadêmica e administrativa com responsabilidade e comunicação sistemática de seus benefícios à sociedade.

  • A implantação de uma política permanente de defesa da autonomia junto a segmentos-chave da sociedade.

  • A valorização da comunicação interna da instituição e externa, com diferentes comunidades e com formatos variados.

É preciso um esforço permanente para garantir que a Unicamp participe dos debates relevantes e para identificar oportunidades de construir intersecções entre os interesses estratégicos da Unicamp e as pautas que são objeto da atenção de membros do legislativo e executivo estadual, municipal e federal, assim como de diferentes segmentos da sociedade.

Ampliar o engajamento com a sociedade é uma das exigências do mundo contemporâneo e uma condição para alcançar a qualidade que almeja no desenvolvimento de suas missões. É um dos fatores de sucesso que precisam ser planejados e implementados e que podem contribuir sobremaneira com a sustentabilidade da universidade.

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