Universidades paulistas e Governo Estadual

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JU - A relação recente do governo do Estado com a comunidade acadêmica tem sido tumultuada, com ameaças de corte no orçamento das instituições, o que exigiu grande mobilização para evitar medidas que, caso aprovadas, colocariam em risco as atividades de ensino e pesquisa. Em sua opinião, como a reitoria deve se portar diante dessas ameaças e qual a sua política de interação com o governo estadual?

Tom Zé - A solução para esse complexo problema está em uma posição política externa à Unicamp mais assertiva e em uma melhora nos fluxos de comunicação da Universidade com a sociedade. É indiscutível que exista hoje por parte de algumas autoridades políticas no âmbito do executivo, mas também do legislativo, judiciário e dos órgãos de controle, uma posição contrária, e até mesmo hostil em alguns casos, às universidades públicas paulistas. Essa posição tem sido construída em parte por desconhecimento da diversidade e importância das atividades realizadas pelas Universidades públicas.

Há também na posição contrária e hostil motivações ideológicas e interesses privados que gostariam que o Estado minimizasse sua atuação na área da educação, da saúde e da pesquisa científica. Esse foi o caso da instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) para apurar as suspeitas de irregularidades na gestão das universidades públicas paulistas, que terminou com a elaboração de um relatório frágil e inconsistente, que mostra ainda um elevado desconhecimento por parte dos deputados estaduais sobre o papel, relevância e desafios da universidade pública, gratuita e de qualidade.

Um dos maiores danos das informações distorcidas ou limitadas é que contribuem para que uma parcela da mídia e da sociedade em geral formem uma opinião distorcida ou equivocada sobre a universidade pública. É preciso ampliar a compreensão dos cidadãos, que financiam a universidade, acerca da importância que a universidade pública e os institutos de pesquisa têm concretamente em suas vidas. Assim, como propõe nosso programa de gestão “Unicamp: construindo o amanhã” é fundamental construir pontes com a sociedade e melhorar o fluxo de comunicação externa.

Algumas das propostas que constam do nosso programa são: a) levar a rádio e TV Unicamp a um novo patamar de protagonismo, como parceiras institucionais de relevância para a divulgação de conteúdo; b) aprimorar a difusão e a divulgação científica de pesquisas em andamento na Unicamp, em todas as áreas do conhecimento; c) oferecer conteúdo de caráter cultural, socioeconômico e político mais densos, com participação de membros da Universidade e de agentes sociais (órgãos decisórios, movimentos sociais, entidades científicas, artistas, etc.); d) criar o programa “Conheça a Unicamp” para divulgar informações sobre a atuação da Universidade, com breves entrevistas com docentes da Unicamp sobre pesquisas acadêmicas e seu interesse para a sociedade; e) tornar as mídias institucionais acessíveis a deficientes visuais e auditivos.

Na mesma linha de argumentação, a Unicamp deverá ampliar a comunicação nas redes sociais, incluindo o Portal da Unicamp e ferramentas como Facebook, Instagram, Twitter e Youtube, para: a) divulgar clippings periódicos sobre eventos culturais e acadêmicos, bem como pesquisas da Universidade para diferentes públicos; b) facilitar o acesso a todos os acervos online da Unicamp; c) aperfeiçoar a divulgação dos cursos, serviços e ações conjuntas de extensão universitária, por meio de vídeos curtos de divulgação e de outros recursos; d) criar o podcast “Unicamp explica”, abordando assuntos de interesse geral como saúde, clima, alimentação, cultura, direitos humanos, etc.; e) realizar pesquisas a respeito da percepção social sobre a Unicamp, como base para aprimoramento de nossa política de comunicação.

Além disso, será necessário promover a comunicação por meio de ações em espaços físicos, tais como a) estimular a inserção dos assuntos da Universidade nos veículos de imprensa local e regional, a partir de ações integradas com a sociedade; b) realizar periodicamente nos campi da Unicamp, a partir da parceria com as Prefeituras da região, ou com outros órgãos públicos e privados, eventos artísticos para o grande público: teatro, concertos e exposições, aproveitando eventualmente os espaços públicos da Universidade; c) criar o programa “Ciência pelo mundo afora” para desenvolver métodos de difusão científica integrados, com foco nas parcerias interinstitucionais da Unicamp; d) criar, em parceria com a Comvest, o programa “Unicamp nas escolas públicas”, visando levar estudantes da Unicamp egressos do ensino público para conversas em escolas da região de Campinas; e) desenvolver o projeto “Unicamp na Rua”, que buscará levar docentes e estudantes para pontos estratégicos da região de Campinas, para divulgar à sociedade conhecimentos produzidos na Unicamp, bem como escutar as pessoas sobre suas demandas e sobre como a Universidade pode contribuir para atendê-las; f) fortalecer as parcerias e a comunicação com os diversos segmentos da sociedade: poder público, mídia, empresariado, sociedades científicas, movimentos sociais, setor educacional, órgãos de saúde e organismos internacionais.

Em um período de prolongada crise econômica no país com impactos negativos sobre as contas públicas, que se refletem nas dificuldades tributárias e fiscais, é natural que se acirre a disputa dos recursos públicos pelos diferentes segmentos da sociedade. É dentro desse contexto que deve ser entendida as ameaças de perda da autonomia universitária e/ou de corte no já apertado orçamento das universidades públicas, que envolvem o significativo montante de recursos de 9,57% da cota-parte do Estado paulista do ICMS. E há outros riscos e ameaças tão importantes quanto, como uma iminente reforma tributária, que deverá fundir o ICMS com outros impostos indiretos, o que trará para a universidade a necessidade de assegurar mecanismos de transição para o seu financiamento, sem a perda de autonomia universitária. São desafios políticos que demandarão uma posição muito mais assertiva da universidade pública.

Sendo assim, é fundamental uma maior interlocução com os atores políticos e a sociedade como um todo. Como analisado em nosso programa, a Unicamp possui, em seu organograma, o Escritório de São Paulo, subordinado ao Gabinete do Reitor. Nos tempos em que vivemos, em que as universidades públicas - nelas incluídas as estaduais paulistas - sofrem ataques muitas vezes baseados na desinformação e no mal entendimento de nossas atividades, é fundamental fazermos usos de canais institucionais para aprimorar a comunicação com os representantes públicos. Devemos valorizar o papel do Escritório de São Paulo, criando condições mais efetivas de contato, discussão e disseminação das atividades da universidade, com foco no setor público e empresarial de mais alto nível. Também estudaremos a possibilidade da criação de um escritório similar em Brasília, com vistas às mesmas ideias de valorização da Unicamp, porém junto à comunidade política e ao setor público federal.

Em síntese, é fundamental transmitir para a sociedade que a Universidade pública paulista é parte da solução, não do problema, para o desenvolvimento social, econômico e científico do Estado e do Brasil.

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Mario SaadNossa política diante das ameaças e também de interação com o governo estadual será a mesma para com a nossa comunidade interna e todos os demais segmentos da sociedade, ou seja, de diálogo. Não podemos, enquanto ocupamos a posição de representantes de uma instituição pública do porte da Unicamp, nos fechar ao diálogo com quem quer que seja, por mais difícil que esse diálogo possa transparecer. Infelizmente, a Unicamp tem colhido frutos amargos decorrentes da sua falta de interação com setores aos quais muitos consideram intratáveis ou incomunicáveis. Como dissemos anteriormente: quando deixamos de ocupar certos espaços, outros ocupam o nosso lugar e o nosso direito de se posicionar. A atuação política de um reitor (entenda-se o termo derivado do grego politiké) jamais deve ser confundida com a atuação político-partidária ou ideológica.

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Sergio Salles-FilhoÉ importante antecipar potenciais crises e ataques por parte dos diversos órgãos de governo (e de fora do governo). E isto deve ser feito de maneira institucional, com pessoal capacitado em treinamentos e de forma sistemática, não esporádica ou apenas em atitude de defesa.

Em nosso Programa de Gestão, um dos 13 temas é exatamente a articulação com os níveis de governo e órgãos de controle com o objetivo de contar com canais institucionais de comunicação e interação.

A Unicamp tem e já teve várias iniciativas isoladas, algumas bem-sucedidas, outras nem tanto. É fundamental contar com canais de interlocução, que nos permitam acompanhar ações, prevenir ataques, reduzir ameaças e ampliar a presença da Unicamp na formulação e implementação de políticas públicas. Temos muito o que pautar e isso depende de ações proativas de nossa parte.

É necessário um investimento e atenção permanentes para que a Unicamp faça parte de debates relevantes e assim identificar riscos e desafios, bem como oportunidades de construir intersecções entre os interesses estratégicos da Unicamp e as pautas que são objeto da atenção de membros do legislativo e executivo estadual, municipal e federal.

Ao observar atentamente as recentes relações tumultuadas e seus desdobramentos, depoimentos nas CPIs e visitas de parlamentares, percebemos que as atividades da Unicamp são bastante desconhecidas por vários representantes políticos do estado, da região metropolitana de Campinas e mesmo das cidades nas quais a Unicamp tem campi. Precisamos abrir mais as portas da Unicamp para diferentes segmentos da sociedade, inclusive parlamentares e agentes de governo.

Investiremos na criação e consolidação de um Escritório de Relações Institucionais que terá como função criar, manter e desenvolver canais de comunicação e interação com os diferentes níveis de governo.

Podemos dar exemplos concretos de ações preventivas de curto e médio prazos. A pandemia da Covid-19 vai deixar muita gente com dependências de tratamentos terapêuticos e com dificuldades financeiras, com possível agravamento de crises. Devemos antecipar prováveis ataques ao funcionalismo público que ficou blindado de muitas destas consequências, quer seja por ter possibilidade de trabalho remoto, quer seja por manutenção de seus salários.

Temos que planejar abordagens construtivas para evitar animosidades de parlamentares e governantes populistas, descrevendo e apresentando sistematicamente todas as atividades mantidas durante a pandemia. Para isso é preciso ter um planejamento de comunicação e marketing direcionado, que passe pelo fortalecimento do nome Unicamp, incremento no uso de redes sociais e divulgação de indicadores e dados que revelem as diferentes contribuições que fazemos para a sociedade.

Outro exemplo claro da necessidade de termos interlocução institucional consistente com o poder público está relacionado às reformas tributária e administrativa atualmente em discussão e que terão impacto importante sobre as pessoas e sobre toda a Universidade. A Unicamp precisa estar nas discussões, participar dos debates, das formulações, fazer cenários e desenhar soluções para uma situação que desconhecemos mas que sabemos será impactante.

Em resumo, a nossa gestão vai implementar, com os recursos humanos que dispomos, com capacitação apropriada, mobilização constante para evitar medidas que coloquem em risco a instituição Unicamp.

 

 

 

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