Ações afirmativas e Inclusão social

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JU - Como avalia a importância das políticas de ações afirmativas e de inclusão social na Unicamp e como lidar com o desafio das políticas de permanência e de apoio ao estudante, levando em consideração o crescimento de discentes com menor renda?

Tom Zé A vocação primeira da Universidade é formar a pessoa humana e gerar conhecimentos em consonância com uma política de direitos humanos. Isso leva a instituição a reconfigurar os seus valores para acolher uma maior pluralidade de culturas, saberes e expressões individuais. Por um lado, a comunidade interna precisa reconhecer a riqueza dessa ideia de diversidade; por outro, os acontecimentos externos suscitam uma reflexão profunda sobre o papel da universidade na sociedade. Face ao exposto, esse é o momento de criar estrutura e investir sem receio, e com clareza, no que se compreende por uma universidade cidadã, que reconhece e deseja que os direitos das pessoas estejam presentes e ativos dentro e fora de seus limites. Entendemos as políticas de ações afirmativas nesse contexto e com um papel importante de garantir o princípio constitucional da igualdade.

Historicamente, a Unicamp sempre esteve atenta às lutas democráticas pela igualdade de direitos e oportunidades. O vestibular, desde que se tornou uma responsabilidade da instituição, sempre teve uma orientação clara: permitir o acesso a candidatos com um perfil acadêmico aberto aos principais desafios da sociedade. A prova de redação notabilizou-se pelo conjunto variado de temas e habilidades, sintonizado com os dilemas da sociedade. Isso rendeu à Unicamp um capital simbólico inestimável e a projetou como uma das instituições mais sensíveis ao espírito do tempo. Os programas de bonificação no vestibular, a implantação das cotas étnicos-raciais e do vestibular indígena são uma sinalização contundente da universidade que queremos e da diversidade que esperamos ver na nossa comunidade. Estamos em um momento importante de consolidação e ampliação dessas políticas, que precisam ser pensadas no âmbito dos estudantes, funcionários e docentes. Para isso, precisamos da participação da nossa comunidade e de toda a sociedade. Dessa interação, com o apoio da nossa administração, levaremos a Unicamp a um novo patamar. Em parceria com a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH), podemos ampliar e apoiar a comunidade de negros e indígenas, bem como melhorar as condições de acessibilidade e permanência. Para isso, é premente investir em estrutura, com pessoal e orçamento específico, que viabilize a atuação da DEDH.

O artigo 206 da Constituição Federal de 1988 assegura igualdade de condições para o acesso e permanência dos estudantes. Cabe, então, à universidade pública desenvolver mecanismos e projetos de acesso e permanência, inquirindo-se sobre como realizar no espírito aquilo que está na letra da lei.

Os desafios para um aluno de baixa renda permanecer na Unicamp são enormes e, muitas vezes, invisíveis para a comunidade. Muitos estudantes deixam suas famílias e amigos na sua cidade de origem e carregam consigo seus sonhos, suas histórias de vida pessoal e suas expectativas em relação ao ensino superior. Todo esse universo simbólico pode rapidamente entrar em crise se não houver, concretamente em nossa instituição, a capacidade de escuta, acolhimento e encaminhamento das demandas trazidas por esses jovens.

O primeiro sinal de acolhimento é garantir a cada um deles um espaço de convívio saudável, tranquilo e respeitoso para com as diferenças pessoais e culturais. A Moradia Estudantil tem cumprido esse papel ao longo de décadas. Ter um espaço assegurado para morar e saber que, após um dia exaustivo, posso gozar da minha privacidade em companhia de meus amigos é um direito inalienável. Garantir acesso às refeições, ao transporte e a outros auxílios que contribuam para a manutenção econômica de cada estudante em condições de vulnerabilidade é realizar a exigência do artigo 206 da Constituição. Contudo, o aumento expressivo de alunos em situação de vulnerabilidade social, e devemos incluir aí não apenas os alunos de baixa renda, mas os indígenas, lgbtq+ e negros, impõe novos desafios e exige respostas concretas a perguntas como:

1. Devemos retomar o projeto de construção da nova moradia? O benefício para a instituição como um todo não é maior do que o seu custo?

2. Se defendemos o respeito às diferenças e às escolhas individuais, não poderíamos ter mais de um modelo de programa de moradia? Por exemplo, não valeria a pena aumentar o valor do auxílio moradia com o intuito de acolher as decisões pessoais?

3. Conservar e reformar a infraestrutura da moradia deveria ser prioridade para os principais órgãos que respondem por tais serviços em nossa instituição?

4. Um modelo comunitário de segurança, com base em regras consentidas pelo conjunto de moradores, poderia ser implementado em uma gestão efetivamente democrática?

Um dos espaços institucionais mais importantes da história da Unicamp é o SAE. Na figura de suas assistentes sociais, o SAE evidencia que a defesa de uma política que reduza as desigualdades sociais e econômicas entre nossos estudantes precisa de mediadores confiáveis e com expertise comprovada. A gestão “Unicamp: construindo o amanhãentende que assegurar condições e recursos para a atuação do SAE é uma medida efetiva de contribuição para o sucesso das políticas de ações afirmativas. Ademais, no que se refere à política de avaliação e concessão de bolsas, a inclusão de representantes dos estudantes no colegiado do SAE é uma demanda discente que precisa ser avaliada. O SAPPE, outro espaço institucional importante para a permanência estudantil, desenvolve um trabalho exemplar de atenção e cuidado à saúde mental dos estudantes, mas tem estado sobrecarregado. Por isso, entendemos como crucial promover a ampliação das suas ações. Reforça-se aqui a importância da atuação parceira e integrada entre a administração central, o SAPPE, o SAE e as unidades.

Outro aspecto essencial para a permanência é o acadêmico. As dificuldades que estudantes enfrentam para acompanhar disciplinas podem levar à desistência do curso ou a uma formação insatisfatória, ambos críticos para as políticas de inclusão: um insucesso desses graduandos pode corroborar preconceitos e ampliar ansiedades, levando a um consequente enfraquecimento dessas políticas. Um olhar singularizado que contemple a diversidade de perfis e níveis de conhecimento dos ingressantes é uma forma efetiva de apoio à permanência. Repensar o Programa de Apoio Acadêmico, burocrático em sua forma atual, alinhando-o com outras ações, como o oferecimento de trajetórias alternativas no início dos cursos, também contribui para a permanência estudantil. Uma atenção particular deve ser dada ao ingressante indígena. A discussão e construção de caminhos de inserção desses estudantes no ritmo de vida do campus e em seu entorno social, distintos dos que trazem, é importante para o controle da evasão. A discussão de um percurso formativo diferenciado, composto de um programa de formação inicial que produza momentos de interação entre eles, bem como a sua interação com estudantes de outros cursos, pode contribuir para a inclusão e permanência desses estudantes.

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Mario SaadAs políticas de ações afirmativas e inclusão social são uma realidade na Unicamp, que já há alguns anos vem implementando uma série de iniciativas através de seus órgãos colegiados visando ampliar o acesso de estudantes de maior vulnerabilidade social. Valorizamos essas iniciativas e iremos reforçá-las, sempre com o cuidado de prover condições adequadas visando à permanência estudantil. Muitas iniciativas que já existem hoje precisam de mais respaldo institucional. A título de exemplo, a Moradia Estudantil está no foco das nossas atenções, pois entendemos que o espaço é uma extensão dos nossos campi que deve receber maior atenção da administração central. Como em outros segmentos da nossa universidade, também para as políticas de permanência serão buscadas outras fontes de financiamento, que permitam melhores condições aos nossos estudantes de prosseguirem com os estudos. São propostas da nossa gestão, nesse sentido:

No que se refere às políticas afirmativas

  • Estimular as ações da Comissão de Diversidade Étnico-Racial (CADER) e discutir a viabilidade da mesma se transformar em um órgão com mais autonomia e inserção institucional;

  • Aumentar, de maneira robusta, o número de bolsas SAE e criar novas fontes de financiamento, facilitando o acesso e utilização dessas bolsas;

  • Expandir as iniciativas destinadas aos estudantes de escolas públicas, ainda restritas ao município de Campinas, para cidades da Região Metropolitana;

  • Refinar os mecanismos de suporte socioeconômico e de avaliação periódica, visando à permanência dos estudantes na universidade e excelência de rendimento;

  • Fortalecer e ampliar os dispositivos atuais referentes à concessão de benefícios sociais;

  • Fortalecer e ampliar o acesso dos estudantes aos serviços de saúde oferecidos à comunidade, em todos os campi da Unicamp;

  • Incentivar a participação dos estudantes em atividades artísticas, culturais, desportivas e de lazer que deve ser oferecida pela Unicamp, em todos os campi

  • Propor a criação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro;

  • Estabelecer parcerias com empresas-filhas da Unicamp para oferecer estágio para alunos de graduação;

  • Havendo segurança jurídica, estabelecer parcerias com empresas privadas para atuarem como tutores financeiros de cotistas, como opção para garantir a permanência na universidade;

  • Investir em estratégias para difundir a importância das ações afirmativas, no âmbito da Unicamp, para os três públicos principais que compõem a comunidade acadêmica: alunos, docentes e funcionários.

No que se diz respeito ao Programa de Moradia Estudantil

  • A revitalização dos espaços da Moradia, com melhorias estruturais e aprimoramento estético das áreas comuns, com o objetivo de proporcionar melhor qualidade de vida;

  • Instalar cabeamento estruturado (internet via cabo da Unicamp) nas moradias dos estudantes, permitindo o acesso ao ambiente virtual, com o objetivo de melhorar a qualidade de conexão, estabilidade da internet e acesso aos sistemas de informação da universidade;

  • Estimular em conjunto com os estudantes residentes da ME, projetos de gestão coletiva dos espaços e de melhorias a serem implantadas;

  • Incentivar no âmbito da ME, a realização de projetos de extensão universitária e solidariedade, em colaboração com associações e ONGs, de modo a aproximar a Moradia Estudantil da Unicamp dos bairros em seu entorno;

  • Destacar os serviços básicos que podem ser prestados aos residentes da Moradia Estudantil, com o apoio do comércio local na oferta de condições mais acessíveis aos estudantes;

  • Criar mecanismos que proporcionem maior integração da ME com a Unicamp, com melhoramento da gestão (mais inteligente e participativa) e oferta de serviços gerais;

  • Incentivar a participação dos estudantes residentes da ME às práticas culturais e desportivas oferecidas no campus da Unicamp, em Campinas, sobretudo aos finais de semana;

  • Propor estudo para implantação de sistema de rastreamento para controle das vagas (com atribuição das vagas e controle de vigência).

No que se refere ao Serviço de Apoio ao Estudante (SAE)

  • Rever a vinculação do SAE, hoje na PRG, cuja atuação é mais ampla e hoje permeia inúmeras áreas da Universidade;

  • Aperfeiçoar e atualizar o sistema de TIC do SAE;

  • Repor, com responsabilidade financeira, a perda de funcionários dos últimos anos, reduzindo a sobrecarga de trabalho dos funcionários do SAE.

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Sergio Salles-FilhoO nosso Programa de Gestão tem por base dez fundamentos que norteiam todas as nossas propostas, entre eles está a busca ativa pela diversidade étnico-racial, de gênero, cultural e social como elemento de promoção da qualidade e da inclusão.

As políticas de ações afirmativas e inclusão são fundamentais para que a Unicamp cumpra a sua missão. A Universidade e toda a sociedade só têm a ganhar com essas políticas. Todos os segmentos da comunidade Unicamp - estudantes, docentes, pesquisadores e funcionários - devem ter uma composição que seja representativa da diversidade existente na sociedade brasileira. Dessa forma, a Unicamp poderá contar, em todas as suas atividades, com um espectro amplo de talentos, com grande variedade de experiências, saberes, inquietações e interesses.

Ao mesmo tempo em que é fator de inclusão, as ações afirmativas, ao trazerem diversidade, contribuem para a qualidade das atividades acadêmicas. Há estudos que oferecem evidências concretas sobre o impacto dessa diversidade na qualidade das atividades da universidade. A diversidade é um caminho para a criatividade, a inventividade e a abertura cultural. Em primeiro lugar, porque amplia as possibilidades de contar com profissionais talentosos; em segundo lugar, porque permite a expressão e a integração de pontos de vista diversos, originais, pouco explorados nos processos de pesquisa, ensino e extensão. A diversidade do corpo estudantil, docente, de pesquisadores e funcionários é uma condição, também, para a formação de alto nível para o mercado de trabalho contemporâneo.

Postos de trabalho no mundo corporativo, no serviço público e no terceiro setor exigem cada vez mais preparo para atender adequadamente às necessidades e demandas de uma população diversa e que é sujeito de direitos. Ao mesmo tempo, uma universidade do porte da Unicamp tem a responsabilidade de contribuir para o avanço da democracia no nosso País, o que pressupõe a formação para o exercício da cidadania em uma sociedade plural, a formação de pessoas preparadas para lidar com os desafios da superação das desigualdades e da reparação de injustiças históricas de promoção da justiça social.

Como se vê, então, a realização da missão da Universidade depende do compromisso com a inclusão e diversidade. Em outras palavras, exige sucesso das políticas de inclusão, de permanência de estudantes e do desenvolvimento das carreiras acadêmicas e profissionais de grupos hoje menos representados na Universidade.

Sabemos que há muitos desafios e que eles são diferentes quando se pensa em estudantes nos vários níveis de ensino (da educação infantil à pós-graduação), em docentes, pesquisadores e funcionários. Também são distintos quando se pensa em ensino, pesquisa e extensão. Existem, na Universidade, muitas iniciativas nessa direção, algumas já antigas, existentes há décadas, e outras de implementação mais recente.

Todas elas precisam se tornar visíveis, fortalecidas e assumidas como valor por toda a comunidade acadêmica. No conjunto, essas políticas precisam, também, contar com instâncias de articulação para que seus efeitos sejam eficazes e duradouros. Essas instâncias poderão, ainda, identificar lacunas e desenhar respostas institucionais adequadas. Em suma, precisamos avançar na institucionalização dessas políticas para que elas sejam estruturais, para que deixem suas marcas positivas em todas as atividades da Unicamp e nas pessoas que nela atuam, em todos os segmentos.

Há um aspecto muito importante que gostaríamos de salientar: para que sejam efetivas e produzam efeitos duradouros, as políticas de inclusão devem contar com o protagonismo dos diferentes grupos em sua formulação e implementação.

Em nosso programa, detalhamos uma série de propostas, tais como: o fortalecimento dos programas de saúde psicoemocional e das políticas de permanência, como as bolsas e auxílios, a moradia e outras; medidas para assegurar a plena inclusão dos estudantes indígenas; a consolidação da Diretoria Executiva de Direitos Humanos; a promoção da luta antirracista por meio de medidas concretas de combate ao racismo estrutural e de políticas para a promoção da igualdade de gênero; políticas de combate às formas de assédio e violência; políticas de acolhimento de estudantes e profissionais em situação de refúgio; ações afirmativas para ampliar a representatividade de grupos sub-representados nos diversos segmentos; promoção da reflexão continuada os nossos currículos e práticas pedagógicas inclusivas e sobre regras, normas e procedimentos acadêmicos que necessitem adequação por prejudicarem a inclusão; fortalecer as políticas de acessibilidade, para garantir a participação plena das pessoas com deficiências em todas as instâncias da Unicamp, incluindo os aspectos culturais, curriculares, pedagógicos, arquitetônicos e de comunicação.

Essa é a visão que temos para a nossa Universidade. Uma Universidade diversa, inclusiva que produz uma pesquisa de excelência, oferece uma formação de altíssimo nível em todas as áreas e está engajada com a sociedade. Portanto, qualquer que seja o cenário financeiro, essas políticas devem estar presentes de modo satisfatório no orçamento da Universidade.

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