Crise

JU - Como preservar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados pela Unicamp à comunidade, principalmente no setor de saúde, num cenário de recessão econômica e restrição orçamentária?

Foto: Antonio Scarpinetti

Marcelo Knobel – Nosso programa visa melhorar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados, especialmente na saúde. Ou seja, devemos ir muito além de preservação da qualidade. A proposta completa detalha um conjunto de ações para qualificar o ensino, a pesquisa e a extensão na Universidade. Entre ações e princípios para a realização do nosso programa estão: transparência; rápido diagnóstico para reequacionar a questão orçamentária; parâmetros técnicos, não políticos; redução de despesas com ações estruturantes; busca de mais receitas; reforma curricular; e apoio à pesquisa multi-, inter- e transdisciplinar, por meio de editais específicos e programas voltados às grandes questões da atualidade.

Tornar a Unicamp uma universidade forte é a melhor resposta que podemos dar para que a sociedade nos veja como um órgão público de extrema relevância social. Considerando que o cenário econômico nacional deverá apresentar melhoras paulatinas no médio prazo, a administração da Universidade deve liderar um amplo movimento de discussão sobre a execução orçamentária, diagnosticando detalhadamente os problemas, construindo diversos cenários, e explicitando claramente as dificuldades para a comunidade interna, com absoluta transparência. Vamos organizar rapidamente uma pauta de discussões para responder, de forma efetiva, com medidas concretas, como vamos reequacionar a questão orçamentária para reduzir gradativamente o déficit, preparando as bases para voltar a crescer. Isto será feito divulgando todos os números do orçamento e da Reserva Estratégica, dando visibilidade e explicações detalhadas. Implantaremos o Portal da Transparência, disponibilizando todos os dados financeiros e orçamentários da Unicamp. Buscaremos equacionar a situação orçamentária com parâmetros técnicos, não políticos. Realizaremos um conjunto de ações estruturantes na gestão para reduzir despesas e estabelecer as bases do crescimento futuro. Buscaremos mais receitas, principalmente para o financiamento necessário da área de saúde pelos governos federal e estadual.

Há muitas ações que demandam relativamente poucos recursos, e podem ser implantadas de imediato. Entre elas, sugerimos uma ampla discussão na Universidade sobre os currículos de nossos cursos, que possa levar a uma formação mais abrangente e contemporânea, contribuindo para formar cidadãos em condições de participar, como protagonistas, nos destinos de nosso país. A Reitoria será incentivadora deste processo, que deverá favorecer práticas interdisciplinares que integrem o ensino à pesquisa e à extensão, pautando o enfrentamento de problemas reais apresentados pela sociedade, a exemplo do que é feito em algumas das melhores universidades do mundo. Também podemos citar o apoio à pesquisa multi-, inter- e transdisciplinar, através de programas voltados às grandes questões da atualidade, que pela sua inerente complexidade devem ser tratadas por diferentes olhares.

Acreditamos que assim a Unicamp poderá dar um verdadeiro salto de qualidade na pesquisa. Estes grandes projetos deverão abordar os desafios do mundo contemporâneo com um poder mobilizador e agregador e que nos permitirá focar em projetos de grande alcance social, com estratégias de formação geral e profissional academicamente pertinentes e socialmente inclusivas.

FOTO: ANTONINHO PERRI

Luís Alberto Magna – Trata-se da capacidade de manter as atividades da Universidade, o que requer múltiplas ações, de curto e médio prazos; e, em ambos os casos, ações nos planos interno e externo. A redução do “custo Unicamp” pela eficiência no custeio e investimento, pela atuação nos processos e redução de seus prazos; para isso, estabelecimento claro de prioridades e planejamento nas execuções são medidas essenciais.

Uma instância executiva, aqui chamada Diretoria Executiva, composta por todos os diretores das unidades, presidida pelo reitor e com a participação efetiva de todos os órgãos da hoje chamada “administração central” – pró-reitorias, DGA, DGRH, entre outros – permitirá estabelecer os caminhos para dotar a Unicamp de maior eficiência na execução orçamentária. A consequência dessa estrutura executiva é a autonomia plena de gestão orçamentária das Unidades, o que é essencial, já que cada uma delas tem particularidades e especificidades nas suas prioridades.

Mas, no plano externo, a força da marca Unicamp tem que estar presente, o que somente será conseguido com o envolvimento direto e pessoal do reitor, já que ajustamentos têm que ser acertados diretamente com a Presidência do TCE, assim como com o Ministério Público, o que tem que ser conduzido diretamente com o Procurador Geral de Justiça.

A área da saúde da Unicamp é um exemplo claro da necessidade da presença da Universidade, por seu reitor, tanto no gabinete do governador quanto por despachos rotineiros com os secretários de Estado, hoje inexistente. Fortalecer a marca Unicamp é tratar diretamente com as instâncias decisórias e, no caso da saúde, o secretário de Estado da Saúde, readequando os parâmetros do Convênio SUS, tanto em relação ao tipo, número e valor de cada procedimento, hoje remunerados inadequadamente se compararmos aos mesmos procedimentos realizados nas outras universidades estaduais paulistas. E, ainda, a busca de parcerias com empresas, o que já existe na Unicamp mas de forma dispersa.

Tais parcerias têm-se mostrado efetivas na qualificação profissional e acadêmica e, como consequência, no aporte de recursos para manutenção e atualização do parque laboratorial de que dispõe a Unicamp. Em suma: renovação da gestão administrativa – Diretoria Executiva – reestruturação da gestão financeira – autonomia plena de execução orçamentária às Unidades – fortalecimento da marca Unicamp – presença da Unicamp, por seu reitor, nas esferas de decisão do governo do Estado e Federal e nos órgãos de fiscalização e controle – além de implementação das parcerias com empresas. Isso, no seu conjunto, garantirá estabilidade financeira, nos momentos de crise, e grande aumento da capacidade de investimento, incluindo o dimensionamento do quadro de pessoal, nos momentos de maior atividade econômica.

FOTO: ANTONINHO PERRI

Leo Pini – Inicialmente, é preciso que seja dito que, no curto prazo, vamos continuar a ter plenas condições para exercer com plenitude nossas atividades, desde que os corpos dos servidores docentes, não docentes e discentes ajam com a seriedade e o comprometimento sempre existentes, e a administração central ofereça, adequadamente e com transparência, as opções existentes para a tomada de decisão pelo Consu e suas Câmaras. O que nos preocupa e motiva nossas propostas de radical alteração da gestão da Unicamp são o médio e o longo prazos. Nosso Programa de Gestão credita à absoluta centralização orçamentária e, por conseguinte, de poder, ou seja, à forma de gestão, a fonte de nossos problemas, secundariamente à recessão. Dificuldades na leitura dos acontecimentos e tomada de decisão tardia no órgão central causaram problemas em todo o sistema Unicamp. Distribuir orçamento e poder parece-nos um caminho para minorar drasticamente, sob a ótica da gestão, os riscos em todas as situações e permitir focar em soluções usando expertise de gestores locais para tratar questões locais, com foco na qualidade de ensino, de pesquisa e de ações de extensão junto à sociedade.

Com relação ao setor de saúde deveremos buscar uma solução com a participação de outros atores – municipais, estaduais e federal – de forma a reduzir a fatia, hoje da ordem de 20%, do orçamento comprometido com a área da saúde, e isto independentemente da situação atual. Também deve-se pautar a assistência em saúde baseada em evidências científicas, pois isso pode reduzir ações desnecessárias que muitas vezes consideram apenas o hábito instalado há décadas, mas não os avanços que foram conquistados pela ciência. Isto inclui uma capacitação ampla do setor de saúde, tendo a Universidade como agente propulsor.

Outra frente importante para a economia de recursos no campo da saúde é a informatização dos seus sistemas de informação, para que não haja o retrabalho e a duplicação de exames e procedimentos por perda, omissão ou extravio de informações e também uma melhor gestão de estoques de medicamentos e materiais. Assim, o estabelecimento de redes informacionais informatizadas pode ser um grande aliado para a economia de recursos e melhoria da assistência prestada, tanto pela própria Unicamp como pelas unidades de saúde parceiras, sejam elas municipais, estaduais ou federais.

Aqui, neste âmbito tecnológico, as unidades acadêmicas que atuam no campo das Tecnologias da Informação e Comunicação podem ser convidadas e incentivadas a desenvolver soluções de interesse da Unicamp e da sociedade, no espírito da Pesquisa e Inovação Responsável. Pelo exposto, entendemos que serviços como a assistência em saúde devem ser vistos não apenas na sua dimensão econômica, mas também na dimensão de inteligência e gestão.

Foto: Antoninho Perri

Antonio Fonseca O setor de saúde é o que presta serviços mais relevantes, no olhar e nas necessidades da nossa sociedade, atendendo tanto os pacientes vindos da população mais pobre, quanto aqueles que querem assistência médica melhor qualificada, tanto os que vivem nas proximidades como até mesmo muito longe da Unicamp. Os serviços na área de saúde devem ser ampliados, distinguindo os recursos que virão para a academia, via orçamento da Unicamp, para formar bons médicos e bons pesquisadores, daqueles que deverão aportar via Secretaria da Saúde, para atender a grande lacuna existente devido à falta de investimentos do governo. O Hospital de Sumaré, aparentemente, é um bom exemplo do caminho a ser seguido para, no futuro, chegarmos ao anteriormente exposto.

Foto: Antoninho Perri

Rachel Meneguello – Esse será um dos principais desafios da próxima Reitoria, e dependerá de uma gestão responsável, mas determinada na preservação da qualidade de nossas atividades. Embora difícil, a situação financeira da Unicamp conta com o fundo financeiro de aproximadamente R$ 780 milhões, resultante das reservas realizadas ao longo do tempo e devidamente administradas pelas várias gestões, um montante suficiente para financiar dois déficits como o ocorrido em 2016.  A Universidade consegue fazer frente a seus compromissos até o final de 2018, mantendo o pagamento dos salários de seus quadros, e suas atividades de ensino, pesquisa e assistência.

Em grande parte, as possibilidades de preservação da qualidade das atividades será possível em função da reposição do quadro de professores, levada a cabo nos últimos quatro anos. Nesse período, o número de docentes cresceu 6,3%, levando nosso quadro a atingir um total de 2.180 professores. A reposição docente, no entanto, foi maior (cerca de 450 professores), em função do número elevado de aposentadorias no período. Esta reposição representa uma importante reserva estratégica para mantermos a qualidade de nossas atividades de ensino e pesquisa durante o período de contenção de gastos em que estamos.

No caso do setor de saúde, é previsível um crescimento da demanda como resultado da crise que afeta a população. As atividades de assistência realizadas pela Universidade são apenas parcialmente financiadas pelos recursos do Sistema Único de Saúde, os quais, além de não sofrerem correção há mais de três anos, serão diretamente impactados pelas limitações da PEC 55 aprovada pelo Congresso Nacional. A busca pela ampliação de recursos para essa área será uma das principais tarefas da gestão. Assim como será a busca de recursos junto às empresas públicas e privadas, bem como parcerias internacionais, para o financiamento de pesquisas acadêmicas, que também serão potencialmente afetadas pelos cortes sofridos pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNPq) e o Ministério da Educação (Capes).

Mas, insistimos, esse cenário de recessão e restrição orçamentária impõe ampla e intensa comunicação entre a Reitoria e a comunidade universitária, de maneira a informar devidamente as condições financeiras da instituição, as possibilidades de trabalho da gestão, e as condições de funcionamento das várias unidades, órgãos e setores. Essa dinâmica visará não apenas prestar contas, mas dar transparência ampla e acolher sugestões e compartilhar decisões.

 

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