Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Pavimentando o caminho da internacionalização

Diário de Vancouver | Germana BarataInternacionalização é uma daquelas palavras estratégicas do momento. Na universidade, na produção científica, na política científica. Publicar papers em revistas internacionais, receber professor visitantes para dar cursos em inglês, promover o intercâmbio de estudantes, docentes, pesquisadores e funcionários, investir em editais que promovam a colaboração internacional. É cada vez mais improvável construir uma carreira acadêmica sem a experiência no exterior.

Como pesquisadora da Unicamp desde 2003, doutora há seis anos, decidi em julho de 2016 experimentar o ambiente acadêmico no exterior. Mais do que apenas uma oportunidade de colaboração e aprendizado, no meu caso era preciso existir uma congruência de fatores que me permitissem seguir adiante com a família, sem a qual uma experiência de longo prazo seria inviável. Outro fator chave era a perspectiva de participar de um grupo de pesquisa o qual permitisse uma colaboração em via de mão-dupla.

Dar o passo para concretizar um projeto de pesquisa no exterior, porém, nos coloca em contato com um universo burocrático, difícil e, por vezes, invisível à charmosa perspectiva de ir para o exterior. Encontrar o timing certo, reunir a documentação para o afastamento de atividades institucionais, submeter o projeto para as agências de fomento, preparar a interminável papelada para tirar os vistos e a fase de desapego. Preparar a saída e o aluguel da casa própria, a venda do carro, doação do cachorro, mudança de escola dos filhos e as despedidas. No processo você convence a família (e a si próprio) que há um rol de possibilidades à frente, antes de comprar as passagens, o seguro saúde e definir o que é prioritário para fazer a travessia. Paralelamente, é preciso planejar a vida no lado de lá: residência, escola, transporte, conta bancária, telefone, para citar apenas os mais urgentes.

Neste processo, as instituições precisam de profissionais aptos a apoiar o intercâmbio de modo a minimizar as turbulências da trajetória. Parte dessa tarefa é realizada pela VRERI (Vice-Reitoria de Relações Exteriores) da Unicamp. Idealmente os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, junto ao Ministério de Relações Exteriores, deveriam simplificar e agilizar o processo de visto para acadêmicos e acompanhantes. Há vários relatos de atrasos e mudanças no tipo de visto por colegas acadêmicos, incluindo o meu. Outro ponto é estabelecer um diálogo entre as instituições de intercâmbio de modo que o pesquisador seja amparado em todas as questões. Neste sentido, espero que esta coluna incentive aqueles que estejam planejando seguir para o exterior em missão acadêmica.
 

Novas fronteiras

Há cerca de dois meses troquei Campinas por uma cidade que pouco conhecia: Vancouver, no Canadá. O que me trouxe aqui foi o grupo do professor Juan Pablo Alperin, doutor pela Stanford University e professor assistente da Simon Fraser University, que coordena pesquisa com indicadores alternativos de produção científica, com enfoque em revistas de acesso aberto da América Latina. Alperin atua no Public Knowledge Project (PKP) que desenvolveu o Open Journal System (OJS), sistema operacional para digitalização de revistas científicas e outras publicações e que é larga e estrategicamente usado pelos periódicos brasileiro para melhorar e expandir o acesso à informação científica. Alperin conhece bem o SciELO e as revistas científicas de acesso aberto, uma vez que foi seu objeto de estudo no doutorado. Passou um período de 5 meses no Brasil e tem participado de eventos sobre cientometria (simplificadamente a área que estuda, mede e quantifica a produção científica), editoração científica e acesso aberto em nosso país. Estes fatores certamente o sensibilizaram para a relevância de meu projeto de pesquisa (financiado pela Fapesp), que objetiva investir em indicadores de impacto social da ciência brasileira por meio da divulgação científica, sobre o qual tratarei em outra postagem.

Esta não é a primeira vez que moro no exterior, mas estou inaugurando a experiência acadêmica. Me considero fluente no inglês, mas a vida acadêmica nos desafia diariamente de modo a expor algumas fragilidades transponíveis da internacionalização. Defender as ideias científicas, sobretudo em outra área do conhecimento, com a agilidade e complexidade que às vezes nos é exigido é elevar a palavra “fluente” para um próximo degrau. Mais do que priorizar e pressionar por mais participação e colaborações internacionais, é preciso haver forte investimento para uma sólida formação em idiomas dentro da universidade. Esta foi uma das fragilidades expostas pelo programa federal Ciência Sem Fronteiras em que estudantes, mesmo depois de submetidos a cursos de idiomas no país de sua escolha, tiveram que retornar por incapacidade de se comunicar com fluência. Essa constatação levou o governo a lançar o Idiomas Sem Fronteira, como uma forma de reforçar algo que a educação básica e superior não deram conta.

A pressão por publicações em inglês e o alvo na competitividade internacional só farão sentido se nos for ofertado também a capacitação necessária. Não apenas de como escrever um bom artigo - como tem sido oferecido na universidade - mas também com uma sólida formação nos idiomas – se não desde o ensino básico, ao menos no ensino superior. A maior convivência com professores estrangeiros nos campi, e mais disciplinas em uma segunda língua (que poderia ser também o espanhol) – como tem investido a Unicamp, é também fundamental ao longo do caminho para essa capacitação.

Vancouver | Foto: Germana Barata  Divulgação
Edifício Harbour Centre (ao fundo), onde funciona o campus central da Simon Fraser University


Modos e missões distintas

Há quase três meses no meu estágio de pesquisa na Simon Fraser University (SFU), a adaptação foi simples, bem recepcionada e alocada. Trabalho no campus central, dentro do icônico edifício Harbour Centre, mas há ainda outros dois campi, em municípios próximos (Burnaby e Surrey). A SFU tem similaridades a nossa Unicamp, como o fato de ter sido criada em 1965, ser considerada pública, com crescente projeção internacional e possuir cerca de 27 mil estudantes, dos quais a maioria é de graduação.

Dentre os alunos de graduação, no entanto, 56% vieram da China. O Brasil tem aumentado sua participação entre os alunos de pós-graduação, com um salto de 84,6% em relação a 2015, totalizando 24 estudantes. Há também grandes diferenças, como o fato do ensino ser pago e ter 18,5% de alunos estrangeiros, enquanto na Unicamp esse percentual é de apenas 3%. A SFU conta com 964 docentes, dos quais 140 apenas atuam no ensino (e não na pesquisa), e ainda 465 funcionários. O número médio de alunos por sala é de 59 na graduação e 17 na pós-graduação.

Neste meu Diário de Vancouver pretendo contribuir para compartilhar minha experiência no exterior de modo a subsidiar a reflexão e compartilhar essa rica experiência com a comunidade. Não de forma a simplesmente comparar as instituições, já que cada qual tem sua missão e atua sob contextos socioeconômicos distintos, mas de forma a subsidiar o debate sobre ensino superior. O perfil institucional e suas estratégias de internacionalização, as questões de gênero na ciência, a progressão na carreira, o financiamento de pesquisa, as atividades de divulgação científica, o acesso aberto a revistas científicas, o uso de bibliotecas e a avaliação da produtividade são alguns dos temas que pretendo tratar nas próximas edições.

 

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