Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Beba com moderação: o caso do consumo de álcool no Canadá

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Ilustração: Luis Paulo Silva Happy hour na sexta feira, final de expediente com pesquisador visitante vindo de Montreal em uma das famosas cervejarias de Vancouver, a Granville Island. O pedido: amostras de 4 e 10 tipos diferentes de cervejas da casa, cada qual com 5 oz (147ml) foi vetado pela garçonete. “Somos uma cervejaria responsável, o pedido máximo por pessoa é de 1,5 pint” (710ml ou 25oz).

A venda de álcool é controlada pelo governo canadense e relativamente restrita. Aqui na província da Colúmbia Britânica, bebidas alcoólicas podem ser compradas nas BC Liquor Store, lojas controladas pelo governo, ou em alguns poucos locais com licença específica como uma ou outra rede de supermercados e lojas privadas. Nada de cerveja em lojas de conveniência, padarias, mercados ou nas ruas, como comumente encontramos no Brasil. Essa restrição acaba inibindo o consumo. Não é comum vermos pessoas bebendo nas ruas, tampouco propagandas em outdoors, TV ou revistas.

Mesmo assim, as taxas de consumo por habitante com mais de 15 anos está acima da média mundial: 9,3 litros de álcool comparado aos 6,4 litros mundiais (cada litro de álcool equivale a 58 doses). No entanto, Tim Stockwell, coordenador do Canadian Institute for Substance Use Research (Instituto Canadense de Pesquisa sobre o Uso de Substâncias), da Universidade de Victória, lembra que quando comparado com países desenvolvidos (com padrão de consumo mais alto) o Canadá fica abaixo da média. “Eu notaria que, em anos recentes, o consumo tem crescido junto com duas tendências (e é difícil distinguir sua importância relativa): a) a privatização do monopólio governamental”, e b) a economia forte.

Stockwell e colegas concluíram em artigo (AJPH, 2013) que o aumento mínimo (10%) no preço de bebidas alcóolicas resulta em um decréscimo proporcional nas internações em hospitais relacionadas ao consumo de álcool. Os pesquisadores também perceberam existir uma relação entre a expansão de licenças para lojas privadas de venda de bebidas alcóolicas e o aumento de casos adversos relacionados ao seu consumo. “A chave para entendermos [o consumo de álcool] é que as políticas provavelmente apenas afetam cerca de 30% do consumo de álcool. Os maiores impactos no consumo e prejuízos são econômicos”, conclui o especialista.

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Amostras da Granville Island Brewery, limite de consumo imposto pela cervejaria | Foto: @Granvillebeer | Instagram


Álcool e as estatísticas

Há no Canadá uma tolerância de 0,08% (80 mg de álcool por mililitro de sangue) para motoristas acima de 21 anos, considerada alta, mas o governo estuda reduzir para 0,05%. Para menores de 21 anos ou motoristas novatos a tolerância é zero. O bafômetro é obrigatório e a recusa resulta em suspensão da carteira e multas que variam de CAD$60 a CAD$500 (R$165 a $1.350).

Se, por um lado, pode ser frustrante não tomar um espumante em comemoração aos 150 anos do Canadá nas ruas (como fazemos no ano novo), por outro lado as estatísticas de acidentes de carro por embriaguez ou alcoolismo mostram um cenário menos violento do que em terras brasilis.

De acordo com as estatísticas mais recentes, em 2013 houve cerca de 2 mortes para cada 100 mil habitantes. Olhando de perto, foram 339 (15.2% do total) mortes de motoristas testados positivo para consumo de álcool e outras 399 (16.4% do total) naqueles testados positivo para álcool e drogas. 

Em territórios como Yukon, onde há maiores índices de consumo de álcool e índices de câncer associados, houve uma interessante tentativa em novembro de 2017 a adotar rótulos em bebidas alcoólicas para alertar os consumidores sobre os riscos do consumo associado ao câncer. Porém, antes do final do ano, as pressões da indústria do álcool conseguiram suspender a ação. Agora os rótulos objetivam conscientizar para o consumo responsável de dosagens máximas para homens e mulheres.


Poucos estímulos à bebida alcoólica

As bebidas alcoólicas não estão presentes em comerciais na TV, revistas ou jornais, apesar de serem permitidas (sobretudo em estabelecimentos) sob algumas condições: devem sempre aparecer acompanhadas de comida, não devem mostrar menores nem estar associada à direção, a comportamentos considerados ilícitos ou ser retratada em que o álcool está associado a imagens de sucesso social, e seja central para a diversão ou aceitação social.

Se tiver filhos e quiser tomar um chopinho, apenas alguns bares permitem, geralmente com horário limite de 20hs. A restrição funciona como uma forma de não incentivar o modelo de consumo para os pequenos. Algo que parece careta (e é), mas com regras de convívio que nos forçam a questionar nossos hábitos de consumo.

Nas festas que ocorrem nas escolas, o álcool tampouco está presente, idem no cotidiano dos campi universitários. Exceções nas universidades ocorrem durante eventos especiais, como festas de final de ano ou celebrações nas universidades, mas os convidados geralmente recebem cupons que limitam o consumo de doses alcoólicas.

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Rótulos que alertavam consumidores sobre a relação do álcool com o câncer foram suspensos por pressão da indústria do álcool em dezembro de 2017. Foto: CISUR, University of Victória


Ciência e coquetéis

Estive presente no evento de divulgação científica que ocorreu dentro do Museu de ciências Science World (do qual já tratei em minha coluna) em que mais de 25 bartenders da cidade atraíram um público de quase 1.500 pessoas para provar drinques enquanto visitavam as dependências e podiam ainda ver a conexão entre ciência e a arte da coquetelaria. O evento angariou CAD$270 mil (cerca de R$730 mil) para financiar visitações de escolas públicas.

Apesar da clara propensão ao consumo de álcool entre os participantes, a organização do evento cuidou de lembrar os visitantes sobre a importância de usarmos o transporte público, disponibilizou táxis em sua entrada e garantiu que as bebidas estivessem acompanhadas de estações de canapés deliciosos oferecidos por restaurantes da cidade.

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O museu de Science World reuniu 1.500 participantes no evento “Science of Cocktails”, mas cuidou da responsabilidade sobre o consumo de álcool | Foto: Germana Barata

Embora a questão da saúde não faça pauta do evento noturno - sobretudo porque seria incoerente com um evento que promove o consumo de álcool - a Ciência dos Coquetéis me fez pensar sobre a nossa responsabilidade ao organizar atividades que promovam o consumo de bebidas alcoólicas. Exemplo delas é o Festival de Ciência britânico, Pint of Science, que ocorrerá em 21 países em maio próximo, e que ajudei a organizar em 2016. Mesmo pelo bem da ciência, não lembro de ter visto – ou tido – qualquer preocupação neste sentido. Não se trata de criticar o evento, que é incrível e tem crescido a cada ano – neste ano, o Brasil desponta com a participação de 56 cidades –, mas sim de pensarmos sobre essa cultura em que naturalizamos o consumo do álcool.


Controle e liberdade

Considerado como droga psicoativa, o consumo de álcool é controlado e monitorado no Canadá. Apesar disso, não há reclamações dos canadenses. Afinal, o consumo é permitido, sob regras claras. Mesmo assim, há preocupação em diminuir os danos que a substância causa no sistema de saúde e na violência.

O estranhamento inicial de alguém acostumado a ver o consumo de álcool sem qualquer controle em seu país, como eu, passou. Agora o estranhamento é outro: por que o consumo de álcool deve ser tão acessível, estimulado e presente?

Depois de degustar as deliciosas cervejas de Vancouver, eu e meu convidado estávamos satisfeitos por ter compartilhado apenas o pedido com 10 amostras. Novo pedido poderia ter sido feito após o consumo do primeiro, mas concluímos que teria sido um exagero. Para mim, o controle não tira minha liberdade de consumir, apenas a torna mais consciente e responsável.

Ilustra: Byluppa

 

 

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