Daniel Martins-de-Souza

Daniel Martins-de-Souza Professor de Bioquímica da UNICAMP, Líder do Laboratório de Neuroproteômica e pesquisador do Experimental Medicine Research Cluster (EMRC).

A luz em tempos obscuros

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Em contraste ao sol que brilha nesta véspera de feriado, temos vivido o período mais obscuro deste século. Esta dura constatação traz consigo antagonismos: em situações de grande adversidade, a humanidade avança. Os maiores saltos de nossa espécie vêm em tempos de guerra, revolução e pandemia. O trauma traz consigo seu sinônimo: a quebra. Há quebras de paradigmas em tempos de pandemia. 

Seres humanos até podem controlar o passo e a severidade de uma guerra e de uma revolução. Não conseguimos, entretanto, controlar de maneira direta o passo de uma pandemia. Durante uma guerra, tréguas são pedidas. Só depende da vontade dos seres humanos envolvidos. Numa pandemia como a que vivemos, não temos como pedir para o vírus parar. Em um período tenso da história, as Olimpíadas ocorreram em 1936. Mas não durante esta pandemia. O Natal já foi motivo de trégua bélica durante a Primeira Guerra Mundial, em 1914. Mas em 2020, não teve dia das mães e dos pais. 

Por definição, o homo sapiens tem dificuldade de lidar com a falta de controle. Sentimo-nos perdidos e eventualmente desesperados por não poder controlar aquilo que nos controla. Os vilões do século – ansiedade e depressão – têm sido mais frequentes nos que em casa ficam e também nos que fora dela estão, por necessidade. Podemos tentar manter algum controle sobre esta situação ao nos mantermos em casa (quando possível), evitando aglomerações e aplicando as medidas sanitárias recomendadas. Mas, ainda assim, sentimo-nos controlados por algo invisível e infinitamente menor que nós. O vírus é menor que a menor parte de nós. Não sabemos se ele está em nossa comida, no trinco da nossa porta ou no ar ao nosso redor. 

E esse algo invisível nos faz buscar por uma ajuda também no invisível. Em nossa cultura, ora-se às forças superiores para que o invisível divino combata o invisível vírus e, assim, proteja-nos. É na fé que se busca luz, em tempos obscuros, para iluminar o que não conseguimos controlar e ver. 

A ciência também traz luz. Na verdade, para ela o vírus não é invisível. Cientistas conseguem literalmente enxergar o vírus. Ver sua forma. Sua quantidade nas células humanas. Centenas de cientistas no Brasil e no mundo tem trabalhado 24 horas, 7 dias por semana para compreender o que o vírus faz em cada uma das diferentes células que temos; no pulmão, no intestino, no sangue, no cérebro. Cientistas têm trabalhado para desenvolver a vacina mais rápida já desenvolvida na história da humanidade. Sim, a pandemia é uma trágica fatalidade, mas traz avanços extraordinários e, eventualmente, espetaculares. A ciência tem aumentado a intensidade da luz do conhecimento que precisamos neste momento. Com tantos avanços em pouco tempo, a ciência já tornou visível o invisível e está prestes a controlá-lo por completo. 

A ciência não é infalível, já que vive do caos; das hipóteses provadas e não-provadas. O conflito é parte de sua natureza. Mas a ciência tem trazido uma intensa luz, tão necessária e desejada neste momento. Como já vimos em nossa história, situações como uma pandemia dirigem a ciência a evoluir a passos largos. E se depender somente dela, em breve teremos soluções que nos levarão a uma vida mais plena, agora dentro do chamado novo normal. 

Só precisamos, como povo, apoiar ações que permitam à ciência continuar o seu trabalho, gerando conhecimento novo em benefício da sociedade. 

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