Edição nº 671

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de outubro de 2016 a 16 de outubro de 2016 – ANO 2016 – Nº 671

Livro do Instituto de Economia
homenageia Luciano Coutinho

Professor foi um dos fundadores do IE e presidente mais
longevo do BNDES, dirigido por ele entre 2007 e 2016

O livro “O Futuro do Desenvolvimento”, lançado no último dia 28 no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, tem como subtítulo “Ensaios em Homenagem a Luciano Coutinho”. Professor e pesquisador da Unicamp desde 1974, onde participou da implantação de cursos de pós-graduação no antigo DEPE-IFCH e que depois foi transformado no Instituto de Economia (IE) em 1986, na área de economia internacional e industrial. Foi responsável também pela criação do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) e pelo Centro de Relações Econômicas Internacionais (CERI). Coutinho é mais conhecido do público em geral como o presidente que conduziu o BNDES entre 2007 e 2016, uma época atribulada para a economia global e também para a brasileira. Antes disso, ele já havia sido, na década de 80, secretário-geral do então recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia. O professor completou 70 anos em setembro.

“Para nós, economistas, é muito importante essa experiência dele, como homem que passou pelo governo, como um intelectual militante e com uma visão crítica sobre o desenvolvimento econômico e social do país. Coutinho foi o presidente mais longevo do BNDES, um observatório privilegiado que certamente aprofundou seu conhecimento do funcionamento da economia real”, disse o professor e pesquisador do IE Fernando Sarti, um dos organizadores do livro-homenagem.

“Coutinho foi um estudioso da dinâmica de acumulação dos oligopólios e domina como poucos as relações entre a microeconomia e a macroeconomia, entre a economia brasileira e internacional”, acrescentou. “Sempre esteve na agenda dele a preocupação com o desenvolvimento industrial e tecnológico do país. Ele foi um dos principais formuladores de propostas de política industrial e tecnológica para o Brasil. Para tanto também foi fundamental a experiência adquirida como consultor de mercado, o que lhe trouxe um conhecimento muito vasto dos setores industriais e dos grupos econômicos no Brasil”.

Sarti espera que, depois dessa rica experiência no BNDES, Luciano Coutinho continue a contribuir com a Unicamp, coordenando pesquisas, orientando teses e realizando palestras”. Tenho certeza que o IE não medirá esforços para seduzi-lo a voltar”, comentou.

Escola de Campinas
Na década de 70, após obter seu doutorado nos Estados Unidos – “lá vi Schumpeter, Keynes, no original. Meu primeiro curso de macroeconomia nos EUA foi a leitura da ‘Teoria Geral’ de Keynes”, relatou –, Luciano Coutinho retornou ao Brasil e foi coordenador de pós-graduação do Departamento de Economia e Planejamento Econômico (DEPE) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. “Nessa época tive muito contato não só com economistas, mas também com cientistas políticos, antropólogos, sociólogos”, disse ele. “Foi uma experiência que me enriqueceu bastante”.

“Teoria Geral”, ou “Teoria Geral do Emprego, Juros e da Moeda”, é o livro publicado por John Maynard Keynes (1883-1946) em 1936. Considerado uma das obras fundadoras da macroeconomia moderna, lançou uma série de desafios a crenças da economia neoclássica, como a capacidade dos mercados de produzir pleno emprego naturalmente. Já Schumpeter é Joseph Schumpeter (1883-1950), economista americano nascido na Áustria, famoso como originador do conceito de “destruição criativa” do capitalismo.

“Coutinho teve muitos trabalhos publicados na área de economia internacional. Foi, durante anos, a disciplina que ele ministrou na pós-graduação”, relatou Sarti. “Ele trabalhou muito essa preocupação, que é uma marca da escola da Unicamp, de pensar a industrialização como forma de promover mudanças estruturais no país e de melhorar o nosso padrão de inserção internacional. O Coutinho foi fortemente influenciado pela visão estruturalista cepalina”.

Tendo participado da construção do IE desde 1974, Coutinho acredita que a chamada “escola de Campinas” de Economia ainda tem um papel a desempenhar na formação do pensamento econômico, e importantes desafios pela frente. “A escola da Unicamp tem muito a contribuir porque é fundada não só nos clássicos, nos keynesianos ‘puro-sangue’, mas também em pensadores inovadores como Minsky [o americano Hyman Minsky, 1919-1996]. Quando ele veio dar seminários na Unicamp, nos anos 90, ele era completamente ignorado pelo ‘mainstream’. Mas recentemente a revista britânica The Economist o colocou entre os grandes pensadores do século 20. Ele tem uma grande compreensão das crises financeiras”.

Em julho deste ano, The Economist publicou o artigo “Minsky’s Moment” (“O Momento de Minsky”), afirmando que o economista, que escreveu sobre o papel dos diferentes tipos de endividamento no desencadear das crises financeiras, havia atingido status de “superstar” após a morte.

Às críticas, algumas vezes virulentas, que a escola da Unicamp  recebe por conta de seu viés desenvolvimentista, Coutinho responde com diplomacia. “Estudei economia neoclássica, econometria, eu me movo no meio ‘mainstream’”, disse ele. “Mas tenho senso crítico. A crença nos mercados racionais, nas expectativas racionais, no mantra de que toda a regulamentação e intervenção estatal são necessariamente negativas, isso tudo foi muito mal-sucedido”, apontou. “Mas é claro que isso não autoriza um desprezo pela eficiência alocadora dos mercados, por exemplo”.

Inovação
Coutinho vê o IE bem posicionado para enfrentar os desafios trazidos à economia brasileira pela crise global iniciada em 2008, e também pela revolução tecnológica em curso, como a emergência da chamada internet das coisas. “Estamos teoricamente muito bem fundamentados”, disse ele, lembrando a influência de Schumpeter e também a atenção dada pelo Instituto ao trabalho do inglês Christopher Freeman (1921-2010). “Estudos abrangentes da inovação industrial e do avanço tecnológico são da tradição do IE, o que equipa os cursos, na macroeconomia e na microeconomia, de forma a entender os desafios que os desenvolvimentos trarão para o Brasil”.

“Coutinho coordenou o que foi talvez o projeto de pesquisa mais importante para o instituto, o ECIB, Estudo de Competitividade da Indústria Brasileira, realizado nos anos 90”, lembra Sarti. “Certamente o estudo sobre competitividade mais completo e abrangente desenvolvido no país”. Esse estudo, realizado em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mobilizou quase uma centena de pesquisadores, de diferentes instituições. “O ECIB veio num momento difícil para o Brasil, na época do governo Collor, quando havia uma proposta liberal para reformatar a estrutura industrial brasileira. Foi um marco ao contrapor-se ao ideário liberal quanto aos diagnósticos e propostas de políticas para o país”.

Quanto aos desafios a serem enfrentados pelo próprio IE, Coutinho menciona a necessidade de “manter a vitalidade intelectual e continuar a ser um lugar onde a reflexão crítica se desdobra, avança e contribui para a formulação de políticas para o Brasil”.

“Há uma marca muito importante do Instituto de Economia, que muitas vezes é mal entendida mesmo dentro da Unicamp, que é a participação no debate nacional e a participação na implementação de políticas públicas”, disse Sarti. “Além de produzir e difundir conhecimento, nós economistas somos muitas vezes chamados, convocados para, de alguma maneira, colocarmos nossas ideias e propostas em prática nas esferas de governo municipal, estadual ou federal. Coutinho realizou essa militância intelectual e exerceu a função de homem público de forma muito intensa, muito dedicada e íntegra. Ajudou como poucos a gerar, difundir e implementar as ideias da Escola de Campinas. Sua capacidade intelectual e executiva faz com que tenha um amplo reconhecimento nas esferas acadêmica e empresarial, tanto no plano nacional quanto internacional. O IE e a Unicamp agradecem”.

Futuro
Luciano Coutinho foi fundador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) do IE, do qual Fernando Sarti também já foi coordenador. “Estamos completando 30 anos do NEIT”, disse Sarti, ao explicar que gostaria de continuar a contar com a colaboração de Coutinho, mesmo após sua aposentadoria da Universidade. “É importante que ele esteja aqui com a gente, compartilhando essa rica experiência acadêmica e profissional”, declarou.

Coutinho prefere não antecipar seus planos acadêmicos para depois da aposentadoria. “Dediquei-me de corpo e alma à Unicamp por várias décadas”, lembra. Mas, em seguida, acrescenta: “Sinto-me parte do trabalho de construção do IFCH e do IE. Tenho uma relação de afeto e de compromisso com essa instituição que ajudei a criar. Não quero dar as costas a isso. E sou intelectualmente ativo, não gostaria de me exilar”.

“O Futuro do Desenvolvimento” tem como organizadores, além de Fernando Sarti, Helena M.M. Lastes, José Eduardo Cassiolato e Gabriela Laplane. O livro reúne treze ensaios, incluindo um texto final de autoria de Luciano Coutinho. Entre os autores encontram-se nomes como Carlos Gadelha, Luiz Gonzaga Belluzzo e Maria Lúcia Falcón. Com 340 páginas, é uma publicação do Instituto de Economia da Unicamp.

Serviço

Título: O Futuro do Desenvolvimento - Ensaios em Homenagem a Luciano Coutinho
Organizadores: Fernando Sarti, Helena M.M. Lastes, José Eduardo Cassiolato e Gabriela Laplane
Páginas: 340
Edição do Instituto de Economia