Edição nº 667

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de agosto de 2016 a 11 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 667

Estudo associa dor crônica à
depressão e ao estresse social

Pesquisa identificou mecanismos neurofisiológicos
comuns em experimentos feitos com animais

Uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp revelou, em experimentos com animais, que o estresse social pode ser uma das causas tanto dos quadros depressivos como de dores crônicas. O estudo apontou ainda que não somente o estresse, mas a depressão está fortemente relacionada a dores crônicas, como a fibromialgia, por exemplo. A pesquisa se utilizou de uma adaptação inédita de um modelo de estresse por subjugação social (Social Defeat Stress, na sigla em inglês).

Nos experimentos, camundongos intrusos foram submetidos a uma espécie de bullyng por camundongos residentes, de uma linhagem mais robusta e agressiva. Uma parte do grupo subjugado apresentou características comportamentais e fisiológicas do tipo depressivas. Além disso, o mesmo grupo apresentou maior sensibilidade à dor por um longo período de tempo, embora os animais subjugados não tivessem qualquer tipo de lesão física.

A partir dos experimentos e de análises moleculares em fragmentos cerebrais dos animais, os pesquisadores concluíram que o estresse causou mudanças plásticas nos cérebros dos roedores. O principal apontamento revela a existência de mecanismos neurofisiológicos comuns, tanto à dor como à depressão. O modelo de estresse por subjugação social se aproxima bastante do que acontece com humanos em suas relações sociais, relatam os pesquisadores envolvidos.

Os experimentos integraram parte da dissertação de mestrado do biólogo Marco Oreste Finocchio Pagliusi Junior. O trabalho foi defendido recentemente junto ao programa de Pós-Graduação em Biologia Funcional e Molecular do IB. Os professores Carlos Amílcar Parada e Cesar Renato Sartori, ambos do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional da Unidade, orientaram e coorientaram a pesquisa, respectivamente.

“Nossos dados sugerem que a dor crônica e os transtornos depressivos podem compartilhar semelhantes mecanismos de neuroplasticidade induzida pelo estresse. Tal plasticidade estaria associada às áreas encefálicas relacionadas aos mecanismos neurais de recompensa, como o Núcleo Accumbens e a Área Tegmentar Ventral”, explica o pesquisador Marco Oreste Júnior.

Ainda de acordo com o autor do estudo, os resultados intensificam o debate da literatura científica que questiona se a dor crônica e a depressão são duas condições distintas com alta comorbidade ou se são sintomas diferentes de uma mesma condição. “Além disso, avançamos na compreensão destes fenômenos apontando novos alvos tanto para o estudo quanto para o tratamento de dor crônica e da depressão.”

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) financiou o estudo na forma de bolsa concedida ao pesquisador da Unicamp, que é graduado em Ciências Biológicas pelo IB. O estudo insere-se no âmbito de trabalhos sobre a neurobiologia da dor que vêm sendo desenvolvidos no Laboratório de Estudos da Dor, coordenado pelo professor Carlos Amilcar Parada.

Os resultados parciais da pesquisa de mestrado foram apresentados no congresso internacional Neuroscience 2014, promovido em novembro daquele ano em Washington, distrito de Colúmbia (D.C), nos Estados Unidos, pela Society for Neuroscience.

O orientador do trabalho, professor Carlos Amílcar Parada, explica que a dor crônica se caracteriza, principalmente, por ser do tipo no qual não há uma lesão traumática, situação muito comum em pacientes com lombalgia e fibromialgia. Amílcar Parada coordena, na Unicamp, linha de pesquisa sobre o mecanismo molecular da dor. 

“Nós acreditamos que este tipo de condição de estresse social, que é um estresse muito comum na rotina das pessoas, tem uma relação com a fibromialgia. O trabalho do Marco mostra que esse estresse social e, consequentemente, a depressão oriunda dele, pode estar associado a uma alteração nos neurônios responsáveis por uma maior sensibilidade à dor. Portanto, nos pacientes com dor crônica, muitas vezes, não é o músculo que está com problema, mas o sistema nervoso central”, relaciona o docente.

O autor da pesquisa, Marco Oreste Junior, informa ainda que um estudo de doutorado já aprovado junto ao IB deverá aprofundar os apontamentos do mestrado. O doutorado busca associar a prática regular de exercício físico como uma ação potencialmente terapêutica, tanto para os quadros de dor crônica, como de depressão.  A pesquisa em andamento está sendo orientada pelo professor Cesar Renato Sartori, que também atua no Laboratório de Estudos da Dor do IB.

“A compreensão melhor dos mecanismos neurofiológicos comuns à dor e à depressão tem um potencial, no futuro, de identificar moléculas para desenvolver novos medicamentos, por exemplo. Mas o nosso enfoque no laboratório e nessa pesquisa é trabalhar com a hipótese de que os mecanismos que estão por traz disso dependem de uma alteração de estilo de vida, muito mais do que de um medicamento que viria resolver o problema”, situa o orientador do doutorado.

O docente Cesar Renato Sartori, que atua na área da neurofisiologia, acrescenta que os estudos subsequentes vão investigar o exercício físico em dois eixos: primeiro como prevenção e segundo como intervenção.  Cesar Sartori investigou no seu doutorado na Unicamp o efeito potencialmente antidepressivo e cognitivo da atividade física.

“Queremos investigar o exercício físico como intervenção, como ação capaz de impedir que o indivíduo desenvolva essas doenças e sintomas. E segundo, como uma proposta terapêutica, nos casos em que já ocorreram a depressão e a dor crônica. A hipótese é que essa proposta de alteração de estilo de vida e comportamental volte a regular o sistema de maneira natural e fisiológica, revertendo aquilo que induz ao desenvolvimento da dor e da depressão.”

Experimentos
Marco Oreste explica que a partir dos experimentos com os roedores foram identificados dois grupos de animais: suscetíveis e resilientes. “Nossos resultados mostraram que aqueles animais mais resilientes ao comportamento depressivo são também um pouco mais resistentes a terem dor crônica. Isso nos dá indicativo de que os mecanismos neurais que suportam os dois fenômenos, a depressão e a dor crônica, são comuns ou parcialmente comuns.”

O autor da pesquisa esclarece ainda que os camundongos submetidos aos experimentos passaram por sessões diárias de estresse por subjugação social por dez dias consecutivos. Após esse período, os animais foram submetidos a testes para a avaliação do comportamento do tipo depressivo e de resposta a estímulos aversivos, como aqueles que geram a dor.

“Encerrada a avaliação comportamental, todos os camundongos foram eutanasiados e seus encéfalos retirados para posterior microdissecção do Núcleo Accumbens e Área Tegmentar Ventral para análises moleculares”, especifica.

Em relação ao modelo de subjugação social por estresse, o autor da dissertação afirma que se trata de uma adaptação bastante fiel ao modelo de comportamento depressivo do ser humano. “Esse modelo foi estabelecido em 2006 por um grupo americano e adaptado para este tipo de pesquisa que nós desenvolvemos aqui. Em modelos antigos de indução de depressão usava-se muito a restrição física, como frio, choque elétrico, etc. Mas isso não simula muito bem as condições em seres humanos. Na subjugação social os animais são submetidos a confronto social, como se fosse um bullyng mesmo.”

Publicação

Dissertação: “Estudo do efeito do estresse por subjugação social sobre o comportamento nociceptivo de camundongos e mecanismos neurobiológicos associados”
Autor: Marco Oreste Finocchio Pagliusi Junior
Orientador: Carlos Amilcar Parada
Coorientador: Cesar Renato Sartori
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp