Edição nº 667

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de agosto de 2016 a 11 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 667

Do quadril ao salto


A rotação externa de quadril utilizada pelas bailarinas do balé clássico, e chamada de en dehors, pode influenciar negativamente o desempenho da altura dos saltos verticais. Foi o que revelou estudo de mestrado de Mariana Diehl, apresentado à Faculdade de Educação Física (FEF) e orientado pelo professor Sérgio Cunha, docente desta faculdade.

A mestranda, que obteve financiamento da Capes e do CNPq, capturou em vídeo imagens de bailarinas durante performance e, a partir delas, calculou os ângulos articulares do quadril, joelho e tornozelo. Para o quadril, onde foram vistas as maiores diferenças, ela notou que as bailarinas tiveram um menor ângulo de flexão de quadril no salto sauté, o primeiro ensinado no balé clássico.

No salto que não tinha rotação, as bailarinas tiveram um maior ângulo de flexão do quadril. Esse maior ângulo de flexão pode ter levado as bailarinas a atingirem uma maior altura. Entretanto, pontuou a estudiosa, não se pode afirmar que a diferença encontrada na altura dos saltos é apenas decorrente da rotação externa do quadril, pois não houve um estudo eletromiográfico que comprovasse como os músculos estão sendo ativados. 

Por outro lado, Mariana reconheceu que não há como a bailarina saltar sem o uso da rotação externa do quadril. “Por isso são fundamentais novos estudos para entender algumas questões: ‘se não existe a opção da bailarina trabalhar sem essa rotação, então como melhorar seus parâmetros?’”

A mestranda coletou alguns dados para os cálculos dos torques articulares a fim de compreender o que acontece em termos de força. “Temos que conhecer cada vez mais esses movimentos e pensar como adaptá-los dentro da dança para melhorar o desempenho das bailarinas”, sublinhou.

A altura do salto é muito importante para a dança, conforme a pesquisadora. Acontece que nem sempre esse é o primeiro aspecto que uma bailarina leva em conta. Normalmente, pensa mais na parte estética. “Só que, se tiver condições de saltar mais alto, também poderá melhorar a estética da dança. Então vejo que a parte artística é sempre bem-trabalhada. Já a parte física deixa a dever. Portanto, é preciso investir no treinamento e aprimorar os desempenhos artístico e físico.”

Mariana destacou que o seu estudo vem bem a calhar porque mostra a mecânica da movimentação da dança. Hoje em dia, o treinamento convencional consiste nas aulas de dança e raramente incluem treinos complementares como pilates, sessões de alongamentos e musculação.

“O treinamento de força ainda não é muito aceito para as bailarinas por vários motivos, entre eles a hipertrofia. A bailarina não pode apresentar um físico musculoso. Tem que ser magra e longilínea”, enfatizou. “Dessa forma, é preciso descobrir mais sobre a rotação externa, principal característica do balé clássico que gera a movimentação da bailarina.”

Complexidade
A pesquisa de Mariana começou há alguns anos com uma iniciação científica. A então aluna de graduação procurou Sérgio Cunha com algumas inquietações. Ela, bailarina, fazia o bacharelado em Dança na Unicamp e percebia muita dificuldade na execução dos saltos, situação também compartilhada por grande parte das bailarinas. “Desenvolvemos um treinamento pliométrico (técnica específica de treinamento esportivo para melhora da potência muscular) para observar se haveria melhora na altura dos saltos”, contou.

Mariana esclareceu que, na dança, os saltos são divididos em grandes e pequenos. Nos grandes, as bailarinas não relatam excessiva dificuldade. Mas os maiores obstáculos estão nos pequenos, que em geral são realizados em sequência. Não se faz nas aulas apenas um salto e sim séries de 8, 16, 32. Para isso, a bailarina necessita de potência muscular.

Tem outra particularidade: o salto sauté dificilmente aparece nas exibições, pelo fato de ser um passo mais usado para as aulas de dança. Nas coreografias, entram saltos mais complexos e, como o sauté é básico, é como se fosse um fundamento para aprender a saltar. “Mas outros saltos derivam dele, tal a sua importância”, salientou. “Esse é o salto mais simples com a rotação externa. Quando a bailarina salta na vertical, realiza um pequeno plié, que é uma flexão de joelhos. E, na queda, volta para o plié e finaliza o salto.”

O sauté não tem muitos passos ao longo da sua execução, embora sendo rico em detalhes. A bailarina tem que estender completamente as articulações do quadril, joelho e tornozelo. Tem que manter as pernas um pouco mais próximas uma da outra, fazer ponta de pé, saltar com o corpo ereto e ainda pensar na altura do salto, explicou. Nesse estudo, foi encontrada uma média de altura do salto de 27 cm.

Pliometria
Na iniciação científica, Mariana foi à literatura com vistas a dar a sua contribuição. Optou por aplicar um treinamento pliométrico de oito semanas a bailarinas que eram alunas do primeiro e do segundo ano do curso de Dança. Esse tipo de treinamento é empregado com frequência em modalidades esportivas como o vôlei, o basquete e o futebol.

A pesquisadora descreveu que as sessões tinham duração de até uma hora e meia de saltos pliométricos. Observou-se uma melhora individual no salto após o treinamento, porém eram saltos específicos da pliometria. Há poucos relatos desse treinamento para bailarinas, e as meninas avaliadas nunca tinham participado dele.

Os achados foram de que as bailarinas que fizeram o treinamento pliométrico tiveram uma melhora individual de 27% e, as que não fizeram treinamento, uma melhora de 18%.

O salto sauté foi analisado somente no pós-treinamento. Essa ideia surgiu numa segunda iniciação científica de Mariana. No entanto, não foi vista melhora na altura do salto das bailarinas que participaram do treinamento. “A principal descoberta foi que o nível técnico das que saltaram mais era muito diferente, e isso não foi controlado. As que fizeram o treinamento eram do primeiro e do segundo ano do curso, e as que foram do grupo-controle eram do último ano”, descreveu.

Para o salto pliométrico, a diferença se explica pela técnica mesmo. As que fizeram o treinamento saltaram mais alto, visto que esse treinamento aumenta a potência muscular, que eleva a altura do salto, revelou Mariana.

Ela concluiu, na segunda iniciação científica, que o treinamento pliométrico melhora a altura dos saltos em atletas, contudo pode não ser tão eficaz para bailarinas, porque esse treinamento é aplicado com os membros inferiores em alinhamento neutro (uma perna paralela à outra) e, quando a bailarina vai saltar na técnica do balé clássico, ela realiza rotação.

Nesse estudo, Mariana não pôde afirmar se a pliometria era boa ou ruim. “O que verifiquei é que, como o salto do balé é muito específico, pode ser que o ganho do treinamento pliométrico não seja transferido para o salto do balé, mas tem bons resultados para o ganho de potência muscular”, afirmou ela, que no doutorado pretende continuar as análises para ir além nas áreas de biomecânica e de treinamento em dança.

Publicação

Dissertação: “Análise da influência da rotação externa de quadril em saltos verticais de bailarinas de balé clássico”
Autora: Mariana Diehl
Orientador: Sérgio Cunha
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: Capes e CNPq