Edição nº 664

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de agosto de 2016 a 14 de agosto de 2016 – ANO 2016 – Nº 664

Pesquisa analisa gestão de
inovação em universidades

Pesquisadora estudou experiências bem-sucedidas
em 7 instituições brasileiras e em 9 do exterior

A Lei de Inovação (nº 10.973) de dezembro de 2004, modificada pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação publicado em janeiro deste ano (Lei nº 13.243), determina que todas as universidades públicas brasileiras tenham um núcleo de inovação tecnológica (NIT), o que vem representando um grande desafio para a maioria das nossas instituições na última década. Uma pesquisa de fôlego junto a 16  universidades apontadas como referências no tema da inovação e empreendedorismo (sete do Brasil e nove do exterior) traz uma contribuição valiosa para o enfrentamento deste desafio. “A gestão da inovação em universidades: evolução, modelos e propostas para instituições brasileiras” é o título da tese de doutorado de Patricia Tavares Magalhães de Toledo, orientada pela professora Maria Beatriz Machado Bonacelli, no âmbito do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências.

“O grande mérito da tese está na análise conceitual e também analítica, com uma mostra importante de universidades brasileiras e do exterior. São dados primários indisponíveis ao público, que não encontraremos fazendo buscas na rede ou nos portais destas instituições. As informações existem apenas na tese”, ressalta a orientadora Maria Beatriz Bonacelli. “Além das entrevistas in loco, foi distribuído um questionário muito bem recebido e com um percentual significativo de respostas. A aluna esmiuçou tema por tema, transformando tudo em propostas com um olhar para o contexto brasileiro, de modo que nossas universidades se inspirem nas experiências internacionais.”

Patricia Toledo atuou por nove anos na Agência de Inovação Inova Unicamp, como diretora de Propriedade Intelectual para Ciência e Tecnologia, e hoje cuida da gestão de inovação em uma empresa privada da área de energia. “Iniciei esta pesquisa ainda na Unicamp, quando várias perguntas me incomodavam em relação à participação das universidades na inovação: por que estas não eram procuradas pelas empresas como fonte de inovação; por que as empresas investem tão pouco em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, e por que este pouco é investido mais em equipamentos e não em projetos para criar produtos inovadores; como as universidades poderiam se organizar para obter uma estrutura de gestão e inovação mais efetiva, com os resultados de suas pesquisas gerando novas tecnologias para o mercado.”

Segundo a autora da tese, nas últimas três décadas, universidades de todo o mundo têm se estruturado para atuar de forma mais abrangente nos sistemas nacionais de inovação (SNI), ao passo que as brasileiras só passaram a lidar mais intensamente com este desafio nos últimos dez anos. “Nossas universidades mais ativas em inovação e empreendedorismo buscam mecanismos que permitam maior aproximação com a sociedade, sem comprometer a essência do trabalho acadêmico. Nesse contexto, o objetivo da tese é propor diretrizes para a melhoria de modelos de gestão da inovação, e contribuir para a modernização de políticas e de marcos legais de estímulo à CT&I.”

A pesquisadora lembra que o país não possuía um marco legal que regulamentasse a parceria universidade-empresa para inovação até a promulgação da Lei de Inovação em 2004, que inclui a determinação de que todas as universidades públicas tenham um NIT. “A Inova Unicamp foi criada antes, em 2003, com um modelo até mais abrangente do que a lei viria a pedir. UFMG e UFRGS também já possuíam organizações semelhantes, mas a maioria das universidades teve que se mobilizar para criar seus NIT.”

Em 2007, a Inova Unicamp, justamente por seu pioneirismo, foi contratada pela Finep para um projeto visando à formatação de um programa de capacitação para difundir não apenas a sua experiência, mas outras que servissem de referência no Brasil e no mundo. Patricia Toledo, que já mantinha boas relações com professores do DPCT, viu neste projeto o mote para a pesquisa de doutorado. “Estudei experiências virtuosas em gestão da inovação de 16 universidades de cinco países: Estados Unidos (Califórnia, Utah, Pensilvânia, Michigan, MIT e Georgia Tech), Reino Unido (Cambridge), Israel (Hebraica), Chile (PUC) e Brasil (Unicamp, USP, Unesp, UFMG, UFRJ, UFSCar e UFRGS).”

Experiências exitosas
Patricia escolheu universidades brasileiras que já haviam alcançado maturidade na gestão da inovação, a exemplo da Unicamp, a fim de estudar como estavam se organizando e como poderiam melhorar inspirando-se em instituições de referência do exterior. “No caso da PUC do Chile, quis incluir uma referência sul-americana. O governo chileno implantou uma política nacional de estímulo ao empreendedorismo não apenas em universidades e instituições de pesquisa, mas oferecendo vistos e ajuda financeira para empreendedores de outros países que queiram montar empresas de base tecnológica no país.”

Em relação aos Estados Unidos, a autora da tese destaca a existência de uma cultura já fortemente voltada para a inovação no país. “A participação das universidades norte-americanas na inovação começou a ser organizada bem antes do Brasil, a partir da década de 1980. Com a evolução do conceito de sistemas de inovação, as universidades passaram a ser provocadas e estimuladas a contribuir de forma mais ampla, não só através de ensino, pesquisa e extensão, mas com a chamada terceira missão ampliada: a empreendedora, que estimula a criação de novos empreendimentos a partir de seus resultados. A própria cultura americana favorece o empreendedorismo.”

O Reino Unido, na opinião da pesquisadora, adota uma abordagem até mais agressiva que os EUA para criação de empreendimentos a partir de tecnologias desenvolvidas na universidade. “Fiquei um mês em Cambridge observando como eles pensam as tecnologias universitárias que podem ser investidas para virar pequenas empresas, que depois se tornam grandes empresas – e como isso é revertido para a universidade investir em novas pesquisas, num círculo virtuoso. Cambridge, uma cidade medieval e pequena, hoje abriga o sistema mais empreendedor da Europa – o Silicon Fen, em analogia ao Silicon Valley na Califórnia.”

Patricia Toledo mostrou concretamente na tese o que era apenas presumido: que este círculo vicioso ainda acontece muito pouco no Brasil. “Temos poucas spin offs, o que ficou atestado no estudo. Os dados que apresento foram levantados pelas instituições a meu pedido, ou seja, não são monitorados sistematicamente; não se trata de uma atividade priorizada mesmo em universidades como Unicamp, UFMG e USP, que já criaram spin offs.”

De acordo com a autora da pesquisa, o governo chileno, por exemplo, está oferecendo recursos financeiros diretamente para agências como a Inova, a fim de que amadureçam e se estruturem de maneira mais profissional para cumprir esta missão. “O mesmo acontece na Inglaterra desde os anos 2000, com o lançamento de editais do governo para receber destas agências projetos voltados a incrementar determinada atividade. A falta de financiamento sistêmico para os NIT é um aspecto que pontuei na tese. Temos apenas iniciativas pontuais, em volume insignificante, o que dificulta muito a evolução desses núcleos. A Universidade da Califórnia, que também é pública e enfrentava grandes amarras, criou um fundo de investimento para empresas que surgirem na instituição.”

Docente empreendedor
A pesquisadora finalizou a tese antes da sanção do Marco Legal da CT&I em janeiro, e lamenta que vários dispositivos em discussão no projeto de lei tenham sido vetados. “Um ponto que coloquei como fundamental, não promulgado, diz respeito a oferecer condições favoráveis para que o docente possa licenciar uma tecnologia que inventou e criar uma spin-off, sem prejudicar a carreira acadêmica. Ele pode atuar como líder científico, contribuindo diretamente para a evolução do empreendimento nos primeiros anos de vida, sem ter que se afastar da academia. É um tipo de relação comum no exterior.”

A este respeito, a professora Maria Beatriz Bonacelli comenta que as atividades do NIT demandam um perfil de profissional que não se encontra pronto, precisando ser formado. “Este profissional precisa conhecer como funciona a academia e todo o aparato legal e regulatório (patenteamento, incubação de empresa, elaboração de contratos), além de compreender a dinâmica e as necessidades das empresas, tornando uma tecnologia mais atrativa para que elas invistam. A alta rotatividade de pessoas nos NIT gera descontinuidade neste trabalho de formação.”

Patricia Toledo identificou em sua pesquisa três modelos de gestão da inovação: centralizado, em que a universidade aglutina em seu NIT a gestão da inovação, da propriedade intelectual e da interação com empresas, como é o caso da Unicamp; descentralizado, quando já existem vários órgãos cuidando do sistema de inovação, sendo bom exemplo o da Universidade da Califórnia, que mantém um escritório central de menor poder decisório e escritórios autônomos em seus dez campi; e o modelo híbrido, em que há concentração gerencial no NIT e gestão compartilhada de alguma atividade de estímulo à inovação de forma coordenada com outros órgãos da universidade, como ocorre na UFRGS.

A autora explica que procurou extrair o melhor de cada modelo para apresentar recomendações ao final da tese. “Uma delas, agora implementada no Marco Legal, é que o NIT possa ter personalidade jurídica própria. Minha proposta vai além, recomendando que NIT também busque a qualificação como uma organização social (OS). Como entidade privada (modelo preponderante no Reino Unido e em Israel e que os americanos começam a adotar), o NIT já não precisa se submeter à Lei 8666, podendo contratar terceiros sem editais ou mesmo funcionários de perfil específico, assegurando ainda a agilidade no uso dos recursos e na formalização de parcerias com empresas.”

Para Patricia Toledo, esta questão do modelo jurídico de NIT privado poderia ser conciliada com a liberação do professor para criar uma empresa mantendo a carreira acadêmica. “Seria respeitada a política de conflito de interesses, impedindo que o docente, por exemplo, firme contrato entre a empresa e o seu laboratório. A lei prevê que ele se afaste por três anos para criar uma empresa e, mesmo assim, fica impedido de licenciar sua tecnologia, já que servidor público não pode assinar contrato de natureza comercial com o Estado. Estas são apenas algumas das várias amarras no sistema de inovação que tratei na tese, propondo medidas para solucioná-las.”

Publicação

Tese: “A gestão da inovação em universidades: evolução, modelos e propostas para instituições brasileiras”
Autora: Patricia Tavares Magalhães de Toledo
Orientadora: Maria Beatriz Machado Bonacelli
Unidade: Instituto de Geociências (IG)