Edição nº 664

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de agosto de 2016 a 14 de agosto de 2016 – ANO 2016 – Nº 664

O enigma do vampiro


No exercício crítico, a prerrogativa de conferir maior ou menor importância estético-histórica à obra literária está essencialmente ligada, entre outros aspectos, às inúmeras possibilidades de interpretação que, porventura, tal obra possa vir a suscitar nos leitores. O que de antemão indica o quão difícil é a realização de uma leitura que, por sua vez, venha a ocupar o lugar de referencial fundante dentro da própria crítica literária. Exercício deveras difícil, mas não impossível. É esse o caso, por exemplo, da leitura da obra de Dalton Trevisan feita por Berta Waldman.

Em Ensaios sobre a obra de Dalton Trevisan, recém-lançado pela Editora da Unicamp – e que, nas palavras do organizador do volume, Hélio Seixas de Guimarães, “é uma espécie de retorno de Berta Waldman à literatura brasileira” –, a autora retoma, em forma de livro, a obra do autor curitibano, de quem, a despeito de outros horizontes de pesquisa, nunca se descuidou. Em sua essência, o livro, dividido em duas partes, além de trazer, na primeira, o já clássico ensaio “Do vampiro ao cafajeste”, também oferece ao leitor, na segunda, outros 17 ensaios.

Em “Do vampiro ao cafajeste”, realçando de início o que, para muitos, era defeito do autor, o mais do mesmo da insistência temática e da indeterminação do foco narrativo de seus contos, Berta Waldman, invertendo esse até então lugar-comum da crítica, não apenas salienta que o “defeito”, na verdade, é “virtude”, pois se trata de intenção estética e marca distintiva, como também, ao lançar mão da metáfora do vampiro em franco diálogo com a figura do cafajeste, que, por sua conta, liga-se à tradição crítica do velho malandro já identificado por Antonio Candido, ilumina e amplifica a leitura dos contos, mostrando que, ao fim e ao cabo, “não se trata de um Vampiro de Curitiba, mas de vampiros que emergem de Curitiba”. Ainda segundo a autora, na pena de Dalton Trevisan, “os vampiros perdem as asas e a altura, nacionalizam-se, empreendem um voo rasante, cujo resultado é sua imbricação numa história de província que, ressalvadas as proporções, é a história do país”.   

Desfeito o enigma do vampiro, os 17 ensaios da segunda parte do livro acompanham de perto o desenvolvimento da obra de Dalton Trevisan e, ao mesmo tempo, reafirmam sua força literária. Ao insistirem na temática da violência e, sobretudo, na sua banalização, tais obras continuam afiadas e atuais. Aliás, num dos ensaios, sintomaticamente chamado de “A incrível arte de se repetir”, Berta Waldman observa que “só mesmo a persistência e a técnica apurada de Dalton Trevisan podem sustentar o difícil equilíbrio entre a repetição e a originalidade que caracterizam toda a sua obra”. 

No prefácio, Modesto Carone afirma que o livro de Berta Waldman, captando “as linhas de força de uma obra em progresso”, cristaliza-se como indispensável, tanto que, ainda para o crítico, “nenhum estudo exigente sobre o contista estará em condições de dispensá-lo como referência básica”.

Por fim, e parodiando aqui uma dedicatória da autora num distante maio de 1990, pode-se dizer que ler uma obra como Ensaios sobre a obra de Dalton Trevisan dá sempre a sensação de que vale a pena aprender...

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Wilton José Marques é professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira da UFSCar e autor de, entre outros, O poeta sem livro (Editora da Unicamp, 2015).

SERVIÇO

Título: Ensaios sobre a obra de Dalton Trevisan
Autora: Berta Waldman
Organizador: Hélio de Seixas Guimarães
Páginas: 288
Editora da Unicamp
Área de interesse:
Literatura
Preço: R$ 58,00
www.editoraunicamp.com.br