Edição nº 664

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de agosto de 2016 a 14 de agosto de 2016 – ANO 2016 – Nº 664

Método explora relação entre fluxo
sanguíneo e atividade cerebral

Pesquisa do Instituto de Física associa a
espectroscopia óptica ao eletroencefalograma

As tecnologias mais usadas para estudar a atividade cerebral, como a ressonância magnética funcional (fMRI) ou a tomografia por emissão de pósitrons (PET), na verdade não medem diretamente a ação do cérebro: em vez disso, registram o consumo de oxigênio ou o fluxo de sangue para cada área do órgão, partindo do princípio de que,  quando usamos mais intensamente uma parte do cérebro – por exemplo, a região ligada à linguagem – a demanda local por energia aumenta, e é atendida por uma dilatação dos vasos próximos e aumento do fluxo sanguíneo. Esse efeito é conhecido como acoplamento neurovascular.

“O acoplamento pode parecer óbvio hoje em dia, mas só foi inicialmente descrito no final do século 19”, explica o pesquisador Rickson Mesquita, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. “É algo que tem uma importância muito grande, porque hoje as principais técnicas usadas para estudar o cérebro são baseadas na resposta vascular à atividade. Que essa resposta existe, hoje é óbvio. Como ela é, é uma questão extremamente complexa”.

Ele prossegue: “Queremos entender como o cérebro funciona. Se você não sabe como essa atividade neuronal modifica a atividade vascular, você tem pouco conhecimento sobre as técnicas de neuroimagem usadas hoje em dia”. Mesquita é o orientador da dissertação “Uso de técnicas ópticas de difusão para caracterização do acoplamento neurovascular-metabólico em humanos”, defendida por Alexandre Gomes Pinto, que apresenta uma nova combinação tecnológica que permite esmiuçar a associação entre fluxo sanguíneo e atividade cerebral.

Óptica
O grupo de Mesquita trabalha com espectroscopia óptica de difusão (DOS, na sigla em inglês), uma técnica que mede atividade cerebral a partir do modo como os tecidos da superfície do órgão, o córtex, refletem a luz projetada, através do escalpo, por fibras ópticas. A DOS é uma técnica não-invasiva. Em sua dissertação, Gomes Pinto apresenta um método para associar a espectroscopia óptica ao eletroencefalograma (EEG), que detecta a atividade elétrica do cérebro. O sistema inclui dispositivos especiais para permitir que os fios do EEG, os sensores e as fibras de luz atuem de modo combinado.

“Desenvolvemos os sensores em conjunto com o CTI, o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer”, disse Mesquita. “Aproveitamos o fato de que estamos aqui ao lado e iniciamos uma colaboração que perdura até hoje. Montamos um processo de prototipagem, junto com o CTI, para os sensores”. O texto da dissertação aponta “a necessidade de se elaborar um sensor que permita fazer confortavelmente medidas simultâneas de DOS e de EEG na mesma região de interesse, e na presença do couro cabeludo”.

O trabalho desenvolvido representa ainda “um passo a mais” na pesquisa com DOS, afirmou o orientador. Os trabalhos do grupo de Mesquita no IFGW já haviam estabelecido padrões para associar a resposta do tecido cerebral à luz ao grau de oxigenação. “Na medida em que a gente consegue medir a resposta cerebral, os valores absolutos da saturação de oxigênio, da concentração de hemoglobina, uma pergunta seguinte foi: como a gente consegue acoplar isso com EEG para medir o acoplamento neurovascular? Então, é uma sequência natural do que já havíamos feito”.

Questões
Entre as perguntas ainda sem resposta sobre o acoplamento, relata Mesquita, está a da proporcionalidade da relação entre consumo de sangue e atividade neuronal.

“O mecanismo é linear?”, questiona. “Quer dizer: se dobro a atividade neuronal, eu vou dobrar a quantidade de sangue que vai naquela região? E se eu pego duas atividades neuronais em dois locais diferentes – será a que a resposta vascular é simplesmente a soma, como quando uma acontece de modo independente da outra? Então, essas respostas, a gente não sabe”, relata. “Outra pergunta: se tenho uma resposta vascular, ela se deve única e exclusivamente à atividade neuronal? Posso ter uma variação da atividade vascular sem a atividade neuronal, ou de forma inversa: posso ter uma atividade neuronal que não aumente a atividade vascular?”

Mesquita aponta que essas questões todas são cruciais porque, quando se usa a resposta vascular para inferir atividade cerebral, é preciso saber exatamente quais são os caminhos pelos quais os dois fenômenos se relacionam. “E aí existe outra pergunta, que é a constatação de que o aumento da atividade vascular é aparentemente maior do que o necessário para suprir a demanda da parte neuronal. Até seis vezes maior, segundo o que se vê na literatura. O que parece ser, como eu diria, entre aspas, um ‘desperdício’ de otimização do cérebro. Você manda mais sangue do que o necessário”.


Modelo
Além da associação de sensores, o trabalho de Gomes Pinto produziu um modelo para prever e explicar a associação entre a atividade de EEG e a atividade vascular captada pela DOS.

“Fomos um dos primeiros grupos no Brasil a fazer o que a gente chama de neurociência multimodal, que é juntar diferentes modalidades, ou diferentes técnicas, para obter mais informações do cérebro”, disse Mesquita. “E a gente contava com um modelo, baseado em estudos com animais, para tentar entender o acoplamento neurovascular. Adaptamos isso para seres humanos. Porque, de fato, todos os parâmetros de modelos animais são muito diferentes dos parâmetros em humanos”.

O novo modelo, relatou o pesquisador, consegue prever a variação do consumo de oxigênio no cérebro a partir da atividade neuronal e vascular. “Isso é algo que não se consegue fazer de modo trivial, ou por simples medição. Então, a principal consequência do modelo é que a gente acaba dando uma nova opção para inferir o metabolismo de oxigênio do cérebro, toda a parte metabólica, a partir da eletrofisiologia e da parte vascular”.

Mesquita relata que as técnicas atualmente disponíveis para medir o metabolismo cerebral são todas complexas e invasivas. “Medir consumo de oxigênio é uma coisa que tem um interesse muito grande, caso se queira entender o metabolismo do cérebro, mas você não consegue fazer isso de forma trivial. Já com o nosso modelo, unindo duas técnicas que são muito mais simples, consegue-se prever o metabolismo do oxigênio”.

“A metodologia, utilizada em conjunto com as técnicas de eletroencefalografia e óptica de difusão, apresentada neste projeto, nos oferece uma maneira alternativa de estimar o fluxo sanguíneo cerebral e a taxa de consumo metabólica de oxigênio, quantidades usualmente medidas com técnicas de maior custo, com menor resolução temporal e sem portabilidade”, diz a dissertação, mas com a ressalva: “Embora este projeto pioneiro permita uma estimativa de grandezas tão importantes para entender o funcionamento metabólico e hemodinâmico decorrentes da atividade neuronal, futuras medidas de validação com técnicas independentes serão necessárias”.

Clínica
O estudo envolveu dois voluntários humanos saudáveis. “A ideia era mostrar que a técnica é factível. Mais para frente, pretendemos testar como a gente consegue dar escala, porque isso também tem implicação para pacientes que têm doença”, explicou. “Pacientes que têm doenças cerebrais perdem a capacidade de acoplamento neurovascular, esse acoplamento é mal feito em certas situações. Então, se a gente consegue caracterizá-lo para voluntários sadios, isso tem implicações também em pacientes, e para a compreensão das doenças. Já estamos fazendo algumas coisas na clínica”, disse.

Gomes Pinto não está mais na Unicamp, mas Mesquita afirmou que as pesquisas continuam, a partir dos caminhos abertos pela dissertação. “Como consequência direta desse trabalho, já começamos a mostrar que o acoplamento neurovascular é altamente não linear”, exemplificou. “A gente vê que, quando há respostas integradas, o cérebro parece ser mais eficiente do que seria previsto só a partir da soma das respostas individuais. Começamos a perceber que a resposta é altamente não linear, mas é algo que estamos caracterizando agora. A dissertação, basicamente, deu toda a infraestrutura para que a gente pudesse fazer isso”.

Publicação

Dissertação: “Uso de técnicas ópticas de difusão para caracterização do acoplamento neurovascular-metabólico em humanos”
Autor: Alexandre Gomes Pinto
Orientador: Rickson Mesquita
Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)