Edição nº 657

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de maio de 2016 a 05 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 657

Qual foi o legado dos projetos
para a Copa em São Paulo?

Estudo aponta que planos de desenvolvimento para a região
de Itaquera são bons, mas incompletos

Elaborados a partir dos investimentos executados para a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 2014, os planos de desenvolvimento sustentável da região contida na Microbacia do Córrego Jacu, onde está localizado o bairro de Itaquera, na periferia de São Paulo, contemplam em boa medida as aspirações da população local. A despeito disso, aspectos importantes para alcançar os objetivos traçados, como a definição de políticas públicas destinadas à melhoria da educação e ao combate à gentrificação, fenômeno que provoca a alteração do perfil imobiliário e força a saída dos moradores mais pobres do lugar, não foram considerados nas propostas. A constatação é da dissertação de mestrado do engenheiro civil André Ferreira Overa, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, sob a orientação do professor André Munhoz de Argolo Ferrão. 

De acordo com Overa, o objetivo da pesquisa não foi analisar diretamente o legado deixado pelos investimentos realizados para viabilizar a Copa de 2014, mas sim compreender as perspectivas de desenvolvimento almejadas pela população e verificar se os planos contemplam esses anseios. “Queríamos avaliar exclusivamente se esses planos atendiam ou não as aspirações das pessoas que vivem naquela faixa da cidade de São Paulo”, explica. No trabalho, o engenheiro civil considerou os principais pontos de três documentos: Operação Consorciada Rio Verde-Jacu, Plano Diretor Estratégico de São Paulo e Plano de Bacia do Alto Tietê, de modo a abarcar projetos nas áreas econômica, social, cultural e ambiental.

Dito de modo simplificado, os três planos definem ações de planejamento de diversas ordens e abrangências. Estas abarcam desde questões relativas à drenagem e uso da água até a definição de áreas para a implantação de pontos comerciais, passando por propostas de melhoria da mobilidade urbana. “A partir do levantamento desses pontos, nós entrevistamos os principais atores envolvidos com a realidade e a dinâmica da região, para verificar se suas necessidades estavam consignadas nos planos elaborados a partir dos investimentos executados para a Copa”, reafirma Overa. 

Entre os atores ouvidos estavam moradores, comerciantes, corretores imobiliários, gestores públicos, urbanista etc. Estes foram separados em três grupos: Desenvolvimento Esportivo, Desenvolvimento Urbano e Governança. Ao cruzar as determinações contidas nos planos com as manifestações dos entrevistados, o pesquisador diz ter constatado que as propostas presentes nas políticas públicas formuladas para a região atendem a boa parte das demandas da população local. Nem por isso, entretanto, os documentos podem ser considerados perfeitos. “São bons planos, mas que precisam ser aperfeiçoados em alguns aspectos”, avalia Overa. 

Um ponto fundamental que não está considerado nas propostas, conforme o autor da dissertação, é a definição de mecanismos que possam combater a gentrificação. O fenômeno ocorre com certa frequência em regiões que recebem investimentos para abrigar megaeventos como é o caso do Mundial de Futebol. Com a valorização imobiliária decorrente do desenvolvimento local, as famílias mais pobres normalmente são forçadas a se mudar, pois não conseguem mais arcar com a elevação significativa dos preços dos aluguéis. “Segundo os entrevistados, esse problema foi verificado nas imediações de Itaquera. Muitas famílias tiveram que deixar o bairro e se transferir para o que podemos considerar uma ‘nova periferia’”, relata. 

Uma maneira de evitar esse tipo de evasão, diz Overa, é estabelecer políticas públicas na área de habitação que favoreçam a população mais vulnerável. Outro assunto que não é sequer citado nos planos de desenvolvimento da Microbacia do Córrego Jacu é a educação. “Curiosamente, o tema também não foi mencionado pelos atores entrevistados durante a realização da pesquisa. A dissertação também deixou de fazer referência a essa importante dimensão, o que foi observado pelos membros da banca avaliadora, no momento da defesa. Obviamente, a educação tem impacto significativo em várias outras áreas e precisa contar com políticas públicas que a qualifiquem e a ampliem”, declara o engenheiro civil. 

Uma das formas de melhorar estes e outros planos de desenvolvimento de uma dada região, no entender de Overa, é democratizar a participação da sociedade nas discussões que antecedem a elaboração das propostas. “Não adianta convocar a população para participar de uma audiência pública que será realizada daqui a uma semana. Antes, é preciso capacitar as pessoas para que elas possam contribuir de forma efetiva para a definição das diretrizes e projetos. Isso pode ser feito, por exemplo, oferecendo cursos e promovendo palestras, de modo a estimular a reflexão dos moradores sobre a realidade na qual vivem”, sugere o autor da dissertação, que contou com bolsa de estudos concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 

Publicação 

Dissertação: “Perspectivas de desenvolvimento local na Bacia do Alto Tietê a partir da implantação de empreendimentos civis para um megaevento esportivo: sustentabilidade ou gentrificação?”
Autor: André Ferreira Overa
Orientador: André Munhoz de Argollo Ferrão
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
Financiamento: CNPq