Edição nº 652

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de abril de 2016 a 24 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 652

Pesquisadora sugere programa de
monitoramento da pesca em Paraty

Projeto de bióloga é alternativa para atenuar conflito entre caiçaras e ICMBio

A bióloga Ana Carolina Esteves Dias, pesquisadora do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, delineou, em sua dissertação de mestrado, um programa para monitorar de modo participativo a pesca artesanal na comunidade de Tarituba, em Paraty, no Estado do Rio de Janeiro. A comunidade está situada ao norte do município, próxima da divisa com Angra dos Reis. Integrando o cenário social e econômico ao contexto ecológico, o programa proposto procura conciliar a conservação do ambiente costeiro-marinho sem prejudicar a atividade de pesca artesanal dos caiçaras locais.

Há 10 anos uma série de conflitos vem sendo registrados em Tarituba, informa a pesquisadora da Unicamp. Ana Carolina explica que os principais pesqueiros do local estão situados dentro da Estação Ecológica (ESEC) de Tamoios, unidade de conservação de proteção integral criada em 1990 pelo governo federal como contrapartida à implantação das usinas nucleares de Angra dos Reis. A estação, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), só começou a ser monitorada e fiscalizada efetivamente nos últimos dez anos, data em que apareceram os primeiros conflitos após a proibição da pesca.

“Trata-se de uma unidade de conservação de proteção integral em que não pode existir a pesca. Mas, ao mesmo tempo, vive no local uma comunidade que sempre pescou ali, mesmo antes do estabelecimento da unidade. Os pescadores afirmam que a pesca é a sua sobrevivência. O objetivo do programa, que ainda não foi aplicado, é obter informações sobre a importância da pesca para a comunidade e seus possíveis impactos no ambiente marinho local para subsidiar uma proposta de gestão com enfoque ecossistêmico”, explica Ana Carolina.

De acordo com ela, a abordagem ecossistêmica de gestão presa pelo balanço entre as necessidades sociais, econômicas, culturais e ecológicas. “O programa de monitoramento delineado durante a pesquisa integra aspectos sociais e ecológicos. Seu objetivo é possibilitar a identificação de caminhos para a conservação do ambiente costeiro-marinho em questão, sem prejudicar os modos de vida caiçara dos pescadores de Tarituba”, salienta.

O estudo foi orientado pela pesquisadora Cristiana Simão Seixas, afiliada ao Programa de Pós-graduação em Ecologia do IB. A orientadora atua também junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. O trabalho contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na forma de bolsa à pesquisadora.

Houve ainda a concessão de uma bolsa de intercâmbio do Santander Universidades, visando custear a estadia de três meses da estudiosa da Unicamp no Centro Nacional Patagónico (CENPAT) em Puerto Madryn, Argentina. Lá, ela estudou sobre a inclusão do conhecimento dos pescadores em programas de monitoramento participativo da pesca artesanal no Brasil e Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai).

Termo de Ajuste
de Conduta

A bióloga esclarece que o programa de monitoramento ainda precisa de uma revisão, tanto da comunidade de pescadores quanto do ICMBio, de modo a definir a gestão operacional, indicando, por exemplo, os responsáveis pelas coletas dos dados.

Para o início das atividades de monitoramento há a necessidade da assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre os pescadores locais, o ICMBio e o Ministério Público Federal de Angra dos Reis. A proposta do TAC foi discutida entre esses atores como uma possibilidade de atenuar o conflito.

Pelo termo, a pesca artesanal em determinadas áreas da ESEC Tamoios passaria a ser temporariamente permitida com o devido monitoramento e fiscalização. Desde que a fiscalização começou a ser feita, as atividades de pesca, desembarque e ancoragem estão proibidas na Estação. Conforme o ICMBio, o objetivo é preservar o riquíssimo ecossistema insular e marinho da Baía da Ilha Grande.

“Para chegar ao monitoramento nós precisamos de dados das espécies pescadas, em qual época do ano e qual a relevância da pesca para a comunidade. Um aspecto importante na época era que os pescadores achavam que a fiscalização era feita de forma desrespeitosa. Portanto, um dos objetivos é monitorar a percepção dos pescadores quanto à abordagem da fiscalização também. Ao final, este programa irá apontar informações no sentido de fornecer alternativas para esta situação de conflito: é proibido pescar, mas, ao mesmo tempo, tem gente que precisa dessa pesca”, revela Ana Carolina.

Alternativas possíveis

A estudiosa da Unicamp propõe duas alternativas à atual configuração da ESEC Tamoios a fim de solucionar os conflitos existentes. A primeira delas seria redefinir os limites da Estação, englobando novas áreas, como habitats reprodutivos, e excluindo as áreas utilizadas para pesca pelos caiçaras locais (blocos 1 e 2).

A unidade de conservação está dividida em 12 blocos, compreendendo 29 ilhas, ilhotes, lajes e rochedos num raio de 1.000 metros em seu entorno. Conforme literatura científica utilizada na pesquisa, os pesqueiros mais utilizados pelos caiçaras de Tarituba estão na Ilha Comprida (que pertence ao bloco I da ESEC Tamoios), Rochedo de São Pedro, Ilha da Araraquara (que compõem o bloco II), Ilha de Araçatiba, Ilha do Cedro, Laje Branca, Ponta dos Meros, Sete Cabeças, Araçaíba, Ilha do Pelado, Ilha Sandri (que pertencem a outros blocos ou a áreas adjacentes à ESEC Tamoios) e baía de Paraty.

A segunda alternativa apontada pela bióloga seria recategorizar os blocos 1 e 2 para uma unidade de conservação de uso sustentável, possibilitando, assim, a conciliação da conservação dos recursos com as atividades pesqueiras de Tarituba. “A reformulação da gestão da ESEC Tamoios pode ser um marco na gestão ambiental brasileira no que diz respeito à gestão adaptativa dos recursos naturais e conciliação da conservação ambiental com modos de vida tradicionais. Se o TAC não for celebrado, os conflitos existentes na região podem ser potencializados, desestimulando o respeito e o cuidado das comunidades extrativistas frente aos recursos”, pondera.

Conforme o estudo, Tarituba possui 430 habitantes e 65 pescadores cadastrados na ESEC Tamoios. Desses, 25 são classificados como pescadores comerciais artesanais e 40 como pescadores não comerciais de subsistência, conforme a Lei da Pesca (Lei nº 11.959/2009). Os caiçaras locais estão associados à colônia Z-18 de pescadores de Paraty e são em sua maioria homens, embora algumas mulheres exerçam a atividade de pesca para a extração de mariscos e caranguejos.

Após o início das atividades do programa, Ana Carolina informa que os resultados do monitoramento seriam discutidos, anualmente, junto ao Conselho Consultivo da ESEC Tamoios, para medidas corretivas, revisão, complementação dos compromissos estabelecidos pelo TAC e, se os dados apontarem essa possibilidade, a renovação do TAC.

SocMon

Para delinear o programa de monitoramento em Tarituba, a pesquisadora da Unicamp se baseou no método utilizado pelo SocMon (Global Socioeconomic Monitoring Initiative for Coastal Management), programa de monitoramento socioeconômico de comunidades costeiras que visa subsidiar informações para a gestão local e gerar informações que possam ser comparadas globalmente.

“O SocMon já é aplicado em mais de 30 países e está em fase piloto em três unidades de conservação no país. No Brasil, a implementação do método foi discutida junto ao ICMBio com o objetivo de criar mecanismos de aplicação das informações geradas na gestão das áreas monitoradas e de manutenção no tempo. Tarituba revelou que a flexibilidade do método atende às necessidades locais quanto ao delineamento do programa. No entanto, o guia, ao ser traduzido para o português, também deve conter novas formas de transmissão do conteúdo para além da linguagem escrita. A capacitação dos envolvidos, assim como a coleta e análise dos dados do monitoramento deve ser um processo contínuo”, informa.

Ela ressalta ainda que a participação da comunidade local nas atividades de monitoramento não é uma garantia efetiva de que o conhecimento dos pescadores seja incorporado à gestão da unidade de conservação. Ana Carolina afirma que, para isso, é preciso uma abordagem voltada para o conhecimento e o compartilhamento de informações de uma maneira mais balanceada. “Muitas vezes a informação passada pelos gestores não é compreendida pelos pescadores e vice-versa. Não basta, portanto, apenas participar de reuniões”, pontua.

Publicação 

Dissertação: “Monitoramento participativo da pesca na comunidade de Tarituba, Paraty-RJ: conciliando conservação e pesca artesanal”
Autora: Ana Carolina Esteves Dias
Orientadora: Cristiana Simão Seixas
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: CNPq