Edição nº 652

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de abril de 2016 a 24 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 652

O circo chega às escolas

Tese investiga alcance da introdução de
atividades circenses nas grades curriculares

As atividades circenses vêm despertando, nos últimos 20 anos, um crescente interesse dos profissionais de educação física, especialmente dos que atuam na escola, configurando-se como uma nova possibilidade para a integração da educação corporal, estética e artística. Em decorrência do grande interesse despertado em educadores e educandos, nas últimas décadas tem sido grande a introdução dessas atividades nas grades curriculares escolares e mesmo em outros espaços educativos formais e não formais. Elas têm sido utilizadas em ONGs como atividades de lazer e vêm sendo cada vez mais introduzidas nas escolas e nas universidades. Na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp existem projetos de extensão envolvendo as artes circenses e vários segmentos da sociedade. Essa disseminação ocorre tanto no cenário internacional como nacional e, paralelamente, cresce significativamente a produção acadêmica sobre o tema com vistas a subsidiar essa prática nos aspectos didático-pedagógicos.

É nesse contexto que se insere a tese desenvolvida por Teresa Ontañón Barragán, orientada pelo professor Marco Antonio Coelho Bortoleto da FEF, que aborda o circo na escola como elemento de integração da educação corporal, estética e artística. O trabalho procura mostrar como o circo contribui de modo singular para uma maior sensibilização corporal, bem como para uma educação estética e para o desenvolvimento da expressividade dos estudantes. Esse tipo de atividade representa um importante diferencial na educação física escolar em que normalmente as atividades circenses são introduzidas pelos professores da área. Mas há casos em que sua incorporação está em consonância com programas curriculares. Essas iniciativas abrem novas perspectivas para alunos que não se sentem confortáveis nas aulas de educação física, particularmente quando não se inserem nos esportes coletivos.

A pesquisadora, licenciada em Ciencias de la atividade física y del deporte pela Universidad Politécnica de Madrid, veio ao Brasil pela primeira vez em 2008, ainda como estudante, dentro de um programa de intercâmbio que a Unicamp mantém com a universidade espanhola. No período de um ano em que aqui permaneceu teve oportunidade de conhecer na Unicamp o Grupo Circus, que se dedica ao estudo e pesquisa das artes circenses. Depois de retornar ao seu país para completar a graduação, voltou em 2010 à Unicamp para o mestrado quando pesquisou as relações e as possibilidades pedagógicas entre o circo e a educação física. Em 2013 deu continuidade a essas pesquisas ao nível de doutorado, que acaba de concluir. Durante esse tempo ela teve oportunidade de ministrar cursos para professores tanto no Brasil (São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina, Mato Grosso) quanto no exterior (Colômbia, Argentina, Espanha) e participar como professora do curso de Atividades Circenses, para crianças, e de cursos de extensão, todos oferecidos pela FEF.

O estudo de Teresa está inserido na linha de pesquisa do grupo coordenado pelo professor Marco Bortoleto e pela professora Ermínia Silva, que se ramifica em vários segmentos como história do circo, segurança no circo, pedagogia das atividades circense, circo na escola, formação do artista de circo, entre outras. Através de reuniões periódicas o grupo presta assistência a interessados na arte circense, como artistas e professores e também promove atividades para crianças. 

Além de ter publicado vários artigos em periódicos internacionais, a autora ganhou prêmios e, em decorrência de um de seus trabalhos, lançará ainda no primeiro semestre deste ano o livro Circo: horizontes educativos.

A pesquisa

“Com a pesquisa pretendíamos verificar o que estava acontecendo com o circo na escola”, diz a autora. Para tanto, o primeiro passo consistiu em levantar a bibliografia consultando livros, artigos e trabalhos acadêmicos sobre o tema. A quantidade de publicações encontradas surpreendeu, levando ao exame de mais de 200 documentos produzidos no Brasil e no exterior. Dentre as publicações envolvendo circo e escola e relativas à pedagogia e à função educativa do circo ela constatou que o Brasil ocupa a terceira posição, superado apenas pela França e Espanha, países com maior tradição circense.

A pesquisa se completou com observações realizadas nas práticas escolares, a exemplo do que já fizera no mestrado, quando se concentrou em uma escola brasileira e outra espanhola. Os trabalhos do doutorado se alicerçaram em uma escola particular do Brasil, o Colégio Oswald de Andrade, em São Paulo, e outra pública da cidade de Onnaing, na França, o Collège Saint-Exupéry.

Nessas oportunidades Teresa se preocupou em verificar como se desenvolviam as aulas, a pedagogia e os conteúdos utilizados, observações que complementou entrevistando os professores. Ela descobriu que o projeto de circo no Oswald de Andrade estava incorporado ao currículo, juntamente com esportes coletivos e dança, e vinha sendo desenvolvido há 18 anos por um professor graduado na FEF. Na sua avaliação o projeto funciona muito bem em termos de conteúdos, promovendo outros tipos de relações entre os alunos, pois nas atividades circenses não há as competições inerentes a práticas esportivas.

A propósito a pesquisadora afirma: “As situações que o esporte e as artes fomentam são diferentes. A arte circense desenvolve a expressividade, a educação corporal, artística e estética que atinge em uma área mais sensível, mais humana, de que, no meu entendimento, o mundo se ressente”.

Na França aparecem formalmente no currículo entre outros conteúdos os esportes na natureza, os coletivos, os individuais e as atividades de expressão, que privilegiam o circo e a dança. Os professores organizam o curso de educação física com base nessa gama de possibilidades, o que permite maior estruturação das atividades circenses.  No Brasil elas dependem mais da vontade do professor, do seu interesse, de sua formação. No colégio francês o professor responsável enfatizava sempre que a introdução do circo possibilitava fugir um pouco do tecnicismo que envolve os esportes que despertam maior interesse dos alunos.

Resultados

Teresa constata que a introdução do circo na educação vem crescendo, as experiências nas escolas aumentam, cada vez mais professores se interessam em utilizá-las e amplia-se a bibliografia sobre o tema. Na FEF são constantes os convites de redes de professores que querem frequentar cursos que os possibilitem a levar o circo para suas escolas. Nessa esteira ela, inclusive, foi levada a dar vários cursos pelo país.

Em relação aos alunos ela percebe que a participação é muito boa e que esse tipo de atividade os motiva. O conteúdo alegre os atrai, diferentemente do que não raro acontece em educação física, particularmente com os que não se dão bem com esportes coletivos. Acrescente-se a isso as várias possibilidades de atuação como malabarismos, equilibrismos, acrobacias, mágicas e a participação de palhaços, considerados os atores do circo. Esse espectro se estende às questões de gênero.

Além do que, essas atividades facilitam a inclusão de portadores de necessidades especiais pela flexibilidade de adaptações, o que nem sempre acontece nos esportes.

Todas estas razões atraem os professores, que se mostram muito interessados, embora a maioria não se sinta seguro em levar o circo para a escola por não dispor de formação para tanto. Os que o fazem são aqueles que em geral têm alguma afinidade com o circo e procuram conhecimentos fora da universidade, mesmo porque é muito recente o interesse dessas instituições pelo circo.

Para Teresa o Brasil é pioneiro nessas iniciativas: “Nós temos aqui no curso de graduação da FEF uma disciplina relacionada ao circo na escola denominada Circo na educação física, que inclusive cursei durante meu intercâmbio. Mas não há dúvidas de que a formação do professor constitui limitação séria. Tanto é que nós somos muito procurados por professores que querem levar o circo para a escola, mas não sabem como fazê-lo. Essa formação é urgente porque se trata de um conteúdo que se pode revelar perigoso se não for bem conduzido pelo professor”.

Recomendações

Com base em seus estudos e observações a pesquisadora alinha alguns elementos que devem ser considerados ao se propor levar o circo à escola. O primeiro deles refere-se à necessidade de contar a história do circo.  Ela defende, como em outras atividades, que o conteúdo da cultura corporal tem um desenvolvimento, um contexto, pois não aparece do nada. “O circo tem toda uma história que precisa ser mostrada para que o conteúdo faça mais sentido para o aprendiz, despertando seu interesse”, enfatiza.

Outra questão refere-se à procura da forma pedagógica que mais se adapte ao contexto. Não se pode ensinar da mesma forma uma criança de seis anos e outra de quinze anos. Deve-se considerar o universo que permeia os alunos, suas origens, dificuldades que revelam. O professor não pode deixar de pensar o que quer fazer e por que.

É imperioso, também, que o professor tenha formação, seja ela adquirida na universidade, seja fora dela, de forma a ter contato com conteúdos e experiências que o credenciem a executar com competência as tarefas a que se propõe.

Há ainda a necessidade de fomentar nos alunos a cultura da segurança, pois no circo há atividades que podem oferecer perigo. O professor, além de se responsabilizar pela segurança, tem que incutir nos alunos a consciência da necessidade de observar princípios de segurança que vão servir para o resto de suas vidas.

Outra recomendação da pesquisadora é a de trabalhar no processo de aprendizagem com jogos, através de situações lúdicas. Ou seja, para o desenvolvimento das técnicas, que pode se revelar chato, há necessidade de recorrer ao lúdico, de forma que a criança ou o jovem, passando por diferentes jogos devidamente programados, chegue ao pretendido desenvolvimento técnico. Aliás, o lúdico é a essência do circo.

Por fim, Teresa deixa muito claro que o circo é uma arte e como tal tem que ser trabalhado na escola, promovendo relações estéticas, artísticas e de expressão. Por falta de formação adequada, há professores que o tratam apenas tecnicamente e ignoram a arte, o que, para ela, não faz sentido.

A pesquisadora considera “superinteressante” que profissionais do circo auxiliem o trabalho do professor. Há docentes que já procuram essa parceria. Em Campinas existem várias escolas fazendo isso. Cria-se a possibilidade de o aprendiz praticar e acompanhar a atuação do artista, além de receber orientações dele.

Publicação

Tese: “Circo na escola: por uma educação corporal, estética e artística”
Autora: Teresa Ontañón Barragán
Orientador: Marco Antonio Coelho Bortoleto
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)