Edição nº 624

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de maio de 2015 a 17 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 624

Técnica é canal de interação
entre a luz e tecidos do corpo humano

Método desenvolvido no IFGW abre caminho
para novas formas não-invasivas de diagnóstico

Uma técnica que utiliza a forma como os tecidos do corpo humano interagem com a luz e como essa interação muda, dependendo do estado de saúde e de atividade, vem sendo explorada por pesquisadores da Unicamp. Dissertação defendida no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) permitiu refinar o método melhorando sua precisão e abrindo caminho para o uso de novos métodos não-invasivos de diagnóstico.

“Tudo é feito no paciente vivo, de modo indolor”, explicou o pesquisador Rickson Mesquita, orientador da dissertação “Utilização da fase para estimativa das propriedades ópticas absolutas do tecido biológico com espectroscopia óptica de difusão”, defendida pelo colombiano Reember Cano Rodríguez. “A ideia é incidir luz de baixa intensidade sobre o tecido. Aí essa luz é espalhada pelo tecido, e uma parte dela volta, trazendo informação sobre o tecido, suas propriedades ópticas, que estão relacionadas à fisiologia”, disse Mesquita.

A técnica, chamada espectroscopia óptica de difusão, usa fibras ópticas para enviar a luz – numa frequência baixa, de transição entre o infravermelho e a luz visível – até a região a ser analisada. A luz devolvida é captada por outras fibras, e um software analisa suas características, correlacionando-as ao estado fisiológico do tecido. “A gente consegue inferir, basicamente, a concentração de hemoglobina que tem no sangue, com oxigênio e sem oxigênio e, a partir daí, o metabolismo do tecido naquela região”.

“A hipótese da dissertação é que essa fisiologia é diferente em diferentes tecidos, e principalmente em tecidos normais e tecidos com problemas. Então, a ideia por trás foi tentar usar essa informação como um tipo de biomarcador, um marcador biológico in vivo, para poder diagnosticar a saúde do tecido”, disse. “Sem precisar coletar sangue, sem agulha, sem dor. Essa é a ideia”.

Experimento feito durante as pesquisas: na espectometria óptica de difusão, a luz é enviada em baixa frequência até a região a ser analisada

IMAGEM

Mesquita explica ainda que, ao acompanhar o transporte de oxigênio pela hemoglobina do sangue, a técnica é capaz de produzir imagens do cérebro em funcionamento, de modo análogo ao da ressonância magnética funcional (fMRI), que também usa o consumo de oxigênio pelos neurônios para mapear o funcionamento do órgão. 

“Tanto a fMRI quanto a espectroscopia óptica de difusão estão medindo, basicamente, a variação de hemoglobina num tecido”, disse. “Mas o modo de funcionamento é diferente: a ressonância magnética usa campos magnéticos para tirar essa informação, a gente usa luz. Elas podem até ser usadas em conjunto, já que cada uma delas tem vantagens e desvantagens próprias”, prosseguiu. 

“A nossa técnica é mais, como se diz, ‘à beira do leito’. Você pode imaginar, por exemplo, um paciente que tenha trauma cerebral. A última coisa que o médico vai querer é movê-lo, mas se quiser ter uma imagem será necessário levá-lo até a máquina de ressonância magnética. Já os nossos sistemas são bem menores, não são fixos: a gente leva o sistema até o paciente, não o contrário”.

O pesquisador Rickson Mesquita, orientador da dissertação: “Tudo é feito no paciente vivo, de modo indolor”Outra diferença entre as técnicas envolve os tipos de resolução. A ressonância magnética vai mais fundo no cérebro, mas a espectroscopia óptica de difusão capta informações mais rapidamente. “Como a gente trabalha com luz, a propagação é muito mais rápida, então a resolução temporal que temos é muito maior que a da ressonância magnética”, explica o pesquisador. “Mas a ressonância magnética tem a grande vantagem de gerar imagem de toda a cabeça, pegando os tecidos mais profundos, que a gente não consegue pegar”.

A técnica, ao menos em sua forma não invasiva, tem a limitação de não se prestar à análise de tecidos localizados muito longe da superfície do corpo. “Mas ela funciona muito bem, e esse é o foco da nossa pesquisa, na cabeça, cérebro. O cérebro não está tão distante assim do escalpo, então a luz que a gente incide pelo escalpo consegue penetrar na parte mais superficial do cérebro, que é a mais importante do ponto de vista funcional”, disse o pesquisador. É na camada mais externa do cérebro, o chamado neocórtex, que se localizam as chamadas funções superiores, ligadas à tomada racional de decisões e ao pensamento consciente, além de todas as nossas funções sensoriais, como a visão, audição e coordenação motora.

 

PADRÕES

A dissertação de Reember foi, segundo Mesquita, o primeiro trabalho a tentar estabelecer padrões para o uso da técnica em diagnóstico médico – determinar qual o tipo de leitura esperada quando o equipamento é usado num paciente saudável. Participaram do estudo, realizado em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM), 34 voluntários. “O resultado que você obtém depende de todo o modelo físico usado”, disse. 

“E as pessoas têm até hoje utilizado, no mundo inteiro, um modelo físico que é uma aproximação muito grande. O que buscamos, na dissertação, foi um modelo mais detalhado, e com isso, obter valores mais precisos. Este é o primeiro trabalho de que temos notícia que olhou para esses valores mais específicos, tentando estabelecer padrões”. 

O pesquisador lembrou ainda que os padrões a serem obtidos devem variar muito com a demografia. “A gente quis estabelecer um padrão mais adequado para a população brasileira”, disse. “Todo mundo tenta olhar para esses valores em função de uma base individual, por paciente. O que é muito útil, só que se você quiser acompanhar o paciente dia a dia, fica complicado, porque você tira o equipamento, você coloca o equipamento, e nisso perde-se essa base. Se houver um marcador absoluto, o resultado será muito mais fidedigno”.

Uma descoberta feita na dissertação é de que os modelos usados atualmente têm um erro de até 30%. “A gente conseguiu melhorar os valores, trazê-los mais perto de técnicas que a gente sabe que dão os valores precisos, mas que são invasivas”. 

 

POTENCIAL

A espectroscopia óptica de difusão é usada em pesquisa médica em várias partes do mundo, disse Mesquita, mas ainda não está incorporada à prática clínica, embora haja iniciativas nesse sentido, principalmente, nos Estados Unidos. No Brasil, a Unicamp foi pioneira nas pesquisas da área, iniciadas em 2007. “É uma técnica bem recente”, comentou.

“A questão que iniciou a dissertação foi exatamente essa: se a gente quer usar as informações que a técnica produz como biomarcadores, então a primeira pergunta é o que significa ser um marcador normal. Foi exatamente isso que buscamos, caracterizar o comportamento de tecidos normais, porque se a gente sabe o que é normal, a gente pode ir para a clínica e descobrir o que está fora do normal”.

Tendo uma definição do que representa uma leitura normal, várias possibilidades se abrem, relata o pesquisador. “Passa a ser possível monitorar, ao longo dos dias, se um paciente de AVC tem melhorado, por exemplo. Ou mesmo para detectar câncer: o tumor vai induzir variações no tecido, no metabolismo. Deve ser possível caracterizar, por exemplo, se um tratamento de quimioterapia está funcionando ou não”.

Ele lembra que há pacientes que são refratários à quimioterapia. Pelas técnicas atuais de diagnóstico, a eficácia – ou não – do tratamento leva meses para ser conhecida. “Porque o exame que existe hoje é um exame de imagem invasivo, com radiação ionizante, que não se consegue fazer com uma frequência muito grande. Mas o que a gente faz é totalmente não invasivo, então deve poder descobrir, num período de dias, se o tratamento está funcionando ou não. Há um retorno muito grande para o médico”. Tudo isso, disse ele, são potenciais aplicações futuras da técnica.

“O trabalho continua”, prosseguiu o pesquisador. “Tem outros estudantes de pós-graduação envolvidos, até mesmo de iniciação científica. Na dissertação, com 34 voluntários, procuramos achar esses biomarcadores no cérebro e no músculo do antebraço. Agora, com um modelo mais preciso, estamos estendendo o trabalho”.

Um dos alvos das novas pesquisas é o câncer de mama. “Quando a gente viu que a técnica tinha potencial para câncer também, começamos a medir também na mama, buscando estabelecer um padrão para câncer de mama. E isso poderia inclusive oferecer um diagnóstico similar ao que a gente tem hoje de mamografia, sem o desconforto da mamografia”, disse. “Se vai ser mais sensível que mamografia é algo a ser investigado, mas é uma potencial aplicação”.

 

Publicação

Dissertação: “Utilização da fase para estimativa das propriedades ópticas absolutas do tecido biológico com espectroscopia óptica de difusão”

Autor: Reember Cano Rodríguez

Orientador: Rickson Mesquita

Unidades: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e Faculdade de Ciências Médicas (FCM)