Edição nº 616

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de novembro de 2014 a 31 de dezembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 616

Transistor de silício detecta presença de chumbo na água

Autor da pesquisa busca uma versão seletiva e portátil de dispositivo

Existe uma demanda mundial para detecção de contaminação na água, com a exigência de dispositivos cada vez mais sensíveis a vários tipos de particulados. Dentre os muitos contaminantes, os mais perigosos são os íons de metais como chumbo, ferro, níquel, cobre e cádmio. E o chumbo se destaca porque no passado foi amplamente utilizado em encanamentos de construções, assim como na fabricação de baterias e cabos elétricos. Os danos que este metal pode causar à saúde humana vão desde disfunções renais, complicações nas vias respiratórias, abortos e mal de Parkinson, até alguns tipos de câncer que podem levar à morte.

O desenvolvimento de um dispositivo denominado transistor de efeito de campo sensível a íon (Isfet, na sigla em inglês), específico para detectar chumbo em água, foi o foco da dissertação de mestrado de Rodrigo Reigota César, apresentada na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. A pesquisa teve orientação do professor Jacobus W. Swart e coorientação da pós-doutoranda Angélica Denardi de Barros, no âmbito do Centro de Componentes Semicondutores (CCS).

Rodrigo César explica que o dispositivo tipo Isfet vem sendo utilizado nas áreas química e biológica devido à sua aplicação no diagnóstico médico, no meio ambiente e na indústria alimentícia. A partir de um Isfet capaz de identificar cátions e ânions em água, o autor da dissertação criou uma versão seletiva para chumbo. “Realizei um estudo do estado da arte e do funcionamento deste dispositivo, detalhando todo o processo de fabricação, bem como a sua caracterização estrutural e elétrica. Ele pode ser aplicado para detecção de pH [indicador de acidez, neutralidade ou alcalinidade] e concentrações de chumbo na água.”

O professor José Alexandre Diniz, diretor do CCS, que representou o orientador Jacobus Swart nesta entrevista, disse que além da especificidade para chumbo, o aluno buscou um sensor da menor dimensão possível, portátil, que permitisse fazer medidas em campo. “Houve desafios como de produzir uma membrana para detectar a presença e adsorver o contaminante na água e que fosse seletiva, pois tais dispositivos detectam outros metais afora o chumbo. O passo seguinte foi produzir o sensor, um dispositivo com terminais que mudam a condutividade elétrica como resposta de sensibilidade para aquele tipo de contaminante.”

De acordo com a pós-doc Angélica Barros, que foi orientada de Diniz no mestrado e doutorado, se antes havia muito chumbo nos encanamentos e outros materiais de construção, hoje existe o problema do descarte destes resíduos na natureza, o que provoca a contaminação em cadeia. “O lixo contamina o solo e a água que nós bebemos, assim como bebem os animais dos quais nos alimentamos. Daí a importância de contar com um sensor portátil que possamos levar até possíveis fontes de contaminação, principalmente de água, e verificar o que está acontecendo ao longo da cadeia.”

O autor cita na dissertação informações de estudos anteriores, como a de que a contaminação por chumbo pode ocorrer pelo ar, ingestão de água contaminada ou de alimentos preparados com esta água. É descrito um caso relacionado ao mel, em que a partir da água contaminada por chumbo, foram afetadas as flores, o pólen, as abelhas, o próprio produto e, por fim, os seus consumidores. Diante da comprovação de danos à saúde como os já mencionados, e de outros como ao sistema nervoso central, cardiovascular e musculoesquelético, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estipulou que a concentração de chumbo em água deve ficar entre 2 e 10 nanogramas por mililitro. 

 

No silício, a inovação

O diretor do CCS considera este trabalho de mestrado inovador por envolver membranas produzidas em cima de silício – os produtos similares não são – justamente para permitir sua ligação a um circuito integrado. “É um processo único, mas trata-se de um primeiro desenvolvimento, até chegarmos ao protótipo final. O que temos atualmente é um capacitivo integrado a um transistor de efeito de campo sensível ao íon, o Isfet – e se temos um Isfet feito em silício, está-se usando uma tecnologia de processadores. Ou seja, feitos a membrana e o transistor, agora vamos trabalhar num circuito integrado para viabilizar todo o processamento num mesmo chip.”

Angélica Barros participou como coorientadora da dissertação de mestrado porque os materiais utilizados na pesquisa foram escolhidos por conta dos resultados de sua tese de doutorado. “O foco de Rodrigo César esteve em controlar a membrana em cima do filme de óxido de titânio, que é depositado sobre uma lâmina de silício – materiais que estudei em minha tese. Foi um trabalho em paralelo: eu forneci a base do dispositivo, que ele complementou para torná-lo seletivo para chumbo. Já tínhamos a base esteticamente pronta e sabíamos aonde poderíamos chegar.”

A pós-doutoranda observa, entretanto, que a ideia não poderia ser concretizada sem a parceria do professor Oswaldo Luiz Alves e seu grupo do Instituto de Química. “Ele forneceu os materiais que foram desenvolvidos no LQES [Laboratório de Química do Estado Sólido]: o fosfato de cério fribroso [CeP], que é a membrana sensitiva, e os filmes finos de óxido de titânio [TiO2] depositados em cima de uma lâmina de silício. Rodrigo teve que aprender com eles o processo de deposição do material, além de toda a teoria na área de elétrica, para alcançar esse resultado.”

 

Dimensão reduzida

Rodrigo César afirma que este dispositivo, na forma como foi desenvolvido, não existe na literatura, e que seu objetivo no doutorado é aprimorá-lo para, aí sim, apresentar um Isfet portátil que permita detectar o chumbo na própria fonte, dispensando o processamento posterior dos dados. “Para a detecção de chumbo na água, geralmente são usados eletrodos para colher a amostra que precisa ir a laboratório. Nossa meta é obter imediatamente o resultado, ainda no campo”. 

Além do Isfet, o autor da dissertação estudou o eletrólito-isolante-semicondutor (EIS), já que ambos os dispositivos de efeito de campo apresentam como vantagens a pequena dimensão, a fácil fabricação e a possibilidade de se fazer vários dispositivos em uma única lâmina. Segundo o professor José Alexandre Diniz, para garantir a portabilidade do dispositivo será preciso reduzir bastante a dimensão a que se chegou nesta pesquisa de mestrado, de 3 por 3 milímetros para algo em torno de 100 por 100 mícrons (medida que equivale à milésima parte do milímetro). “Não é nada fácil colocar a membrana nessas dimensões, mas conseguimos que ela tivesse sensibilidade para chumbo. Se não for possível reduzir o dispositivo, vamos tentar um arranjo de pequenos transistores em paralelo.”

Este trabalho proporcionou ao aluno a publicação de três artigos em periódicos. Dois deles – “Electrolyte-Insulator-Semiconductor field effect device for pH detecting” e “Thin titanium oxide films obtained by RTP and by Sputtering” – foram aceitos no SBMicro 2014 (Symposium on Microeletronics Technology and Devices), o principal evento voltado à fabricação e modelagem de microssistemas e circuitos integrados, da Sociedade Brasileira de Microeletrônica; e o terceiro – “Electrolyte Insulator Semiconductor structure for Pb+ detecting” – no Eurosensor 2014.

 

Publicação

Dissertação: “Desenvolvimento de transistor de efeito de campo sensível a íon (isfet) para detecção de chumbo”
Autor: Rodrigo Reigota César
Orientador: Jacobus W. Swart
Coorientadora: Angélica Denardi de Barros
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)