Estoque de carbono subterrâneo da Floresta Amazônica é maior do que se pensava

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Raízes
Animação do crescimento das raízes produzida por Amanda Cordeiro

A maior parte dos estudos realizados na Amazônia e outros ecossistemas tropicais para investigar as raízes estão limitados a profundidades entre 10 e 30 centímetros abaixo da superfície. Embora a camada superficial do solo abrigue a maior parte das raízes das árvores, as limitações técnicas/metodológicas e a disponibilidade de recursos financeiros, impediam que regiões mais profundas do solo fossem apropriadamente investigadas.

No artigo recém publicado na revista Plant-Interactions Environment, os autores mostram que a biomassa das raízes finas – aquelas que possuem até 2 mm de diâmetro – difere relativamente pouco entre a camada superficial (com 54% da biomassa) e a camada profunda (com 46% da biomassa) do solo da Floresta Amazônica. O trabalho também revela que as raízes finas na camada profunda do solo contribuem com uma parcela significativa da produtividade, cerca de 41% da produtividade total das raízes. As raízes finas são as responsáveis pela maior parte da absorção dos nutrientes e da água contida no solo pelas plantas, sendo fundamentais para a produtividade e o acúmulo de biomassa pela planta como um todo, isto é, acima e abaixo do solo.

Os resultados deste novo trabalho revelam que o estoque de carbono armazenado nas raízes das árvores da Amazônia está subestimado nos estudos disponíveis na literatura até o momento, uma vez que se desconhecia a biomassa de raízes nas camadas profundas do solo. Este aspecto tem implicações para o entendimento da resposta da Floresta Amazônica em relação às mudanças climáticas devido ao papel da floresta no ciclo do carbono e na regulação do clima global. Em geral, estudos que investigam os processos ecossistêmicos na Floresta Amazônica estão concentrados nos componentes acima do solo, como por exemplo, a produtividade e o acúmulo de biomassa nos troncos e galhos das árvores. Neste sentido, pouco se sabe sobre os componentes abaixo da superfície do solo, e menos ainda dos componentes das camadas mais profundas do solo, ou seja, abaixo de 30 cm da superfície.

Outra novidade do estudo trata-se da dinâmica das raízes finas ao longo das estações seca e chuvosa do ano. A pesquisa mostra que a produtividade das raízes é cerca de 5,4 vezes maior durante a estação chuvosa em relação à estação seca. A precipitação também teve um efeito maior sobre a produtividade e a mortalidade das raízes finas na camada superficial em relação àquela da camada profunda do solo, de modo que na estação seca a mortalidade das raízes na camada profunda foi menor do que na camada superficial. Isto resulta em uma maior contribuição relativa das raízes na camada profunda para manter a produtividade e os processos fisiológicos da planta como um todo no período sem chuvas.

O trabalho publicado é resultante do mestrado de Amanda Cordeiro, sendo parte dos resultados que integram a primeira fase do Programa de pesquisa AmazonFACE, um experimento de grande escala e de longa duração que busca entender como o aumento de dióxido de carbono afeta o funcionamento e a resiliência da Floresta Amazônica, sob a coordenação de David Montenegro Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp e Carlos Alberto Quesada, pesquisador do INPA. Ambos colaboraram no estudo, assim como pesquisadores de outras sete instituições internacionais de pesquisa.

Contribuição da inovação tecnológica para o estudo

O estudo foi conduzido em uma área de floresta madura preservada, a 70 km ao norte de Manaus, na Amazônia Central. Os resultados obtidos foram possíveis devido a uma inovação metodológica, que foi a utilização de uma câmera fotográfica de tamanho reduzido chamada minirizotron. A câmera era inserida em tubos transparentes de acrílico de 5 cm de diâmetro, enterrados no solo, permitindo assim a obtenção de imagens das raízes finas ao longo do perfil do solo, da parte superficial até a profundidade de 90 cm.

Com o mecanismo, a dinâmica das raízes da floresta começou a ser conhecida em detalhes, o que inclui o crescimento, nascimento, acúmulo de biomassa, tempo de vida e morte das raízes. Amanda Cordeiro, primeira autora do estudo, destaca a relevância do estudo por se tratar de um mundo subterrâneo desconhecido. "O trabalho desenvolvido é interessante porque se tem as imagens do que acontece", analisa Amanda Cordeiro.

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Foto à esquerda (alto): região do estudo localizada na Estação Experimental de Silvicultura Tropical – INPA
Fotos à esquerda (baixo): crescimento das raízes finas no interior do solo, em um período de um mês, entre os dias 24/6 e 23/7 de 2017
Foto à direita (alto): câmera minirizotron e haste acoplada à câmera para obtenção das imagens no interior do solo
Foto à direita (baixo): pesquisadores deslocando-se pela estrada em direção a área de estudo onde ficam as parcelas do AmazonFACE (crédito : João M. Rosa)

O estudo conseguiu entender em detalhes a dinâmica das raízes finas na camada superficial (até 30 cm) e profunda do solo (entre 30 cm e 90 cm). A maioria dos estudos até o momento, além de alcance a poucos centímetros abaixo do solo, se baseavam em metodologias invasivas, que envolve a destruição e retirada das raízes para realizar medidas. Amanda explica que essas metodologias envolvem a ida até o local de estudo, a escavação de buracos, e assim avaliar o estoque de raízes – fazer medidas das raízes, retirá-las e pesá-las para saber qual a sua biomassa. E isso poderia ser feito repetidas vezes ao longo do ano, cavando-se novos buracos e avaliando as raízes do local. Mas, essa metodologia utilizada até então não permite saber de forma direta, qual o crescimento e o turnover (tempo médio de vida das raízes e substituição por novas raízes) das raízes ao longo do tempo, já que foram mortas ou retiradas para que as medidas fossem realizadas.

Com o uso da câmera minirizotron tornou-se possível o acompanhamento e avaliação da dinâmica das raízes finas das árvores. Raízes mais espessas, com diâmetro acima de 2 mm desempenham principalmente a função de transporte de água e nutrientes, e não foram consideradas no estudo. Para a utilização da câmera, as raízes que estavam no solo foram destruídas apenas no momento em que os buracos no solo foram feitos para a implantação dos tubos. Após a “instalação” no solo, os tubos permaneceram no local ao longo de todo o estudo. A coleta dos dados das imagens das raízes foi iniciada só depois de 24 meses após a implantação dos tubos no solo, tempo que foi considerado adequado para que as raízes se estabilizassem novamente.

A área do estudo compreendeu duas parcelas do AmazonFACE, que consiste em sítios circulares de 30 m de diâmetro na floresta, e que estão distantes cerca de 90 m entre si. Em cada parcela foram instalados cinco tubos, distantes entre si de 1 a 2 metros em uma mesma parcela. O estudo acompanhou a dinâmica das raízes ao longo de 12 meses, abrangendo assim as estações seca e úmida. Para cada tubo eram feitas 100 imagens ao longo do comprimento do tubo, uma imagem a cada 1,6 cm da superfície do solo até a profundidade de 90 cm, o que levava de 30 a 40 minutos por tubo amostrado. Mas como além das fotos havia a logística de preparar e colocar a minirizotron em cada tubo, além do tempo para desmontar e guardar o equipamento para se deslocar até os pontos/tubos da segunda parcela amostrada, Amanda conta que a coleta de dados em dia de trabalho de campo levava cerca de 7 horas.

As coletas foram realizadas a cada 15 ou 30 dias, totalizando 18 viagens a campo em 12 meses. Devido a problemas técnicos, as imagens coletadas para um dos tubos tiveram que ser desconsideradas pelos autores. Ao todo foram obtidas cerca de 14.600 imagens. Como na área amostrada as raízes podiam ser quase da mesma cor que o solo, e as imagens da minirizotron foram feitas em baixa resolução, não foi possível utilizar programas com machine learning para as análises. Assim, para as análises as raízes em cada imagem precisaram ser reconhecidas individualmente, visual e manualmente no computador, diferenciando-se o que era raiz daquilo que era solo, como se faz quando se contorna um desenho que está em baixo de uma folha de papel vegetal.

Amanda Cordeiro explica que as imagens têm uma baixa resolução. "Trabalhar na Amazônia é muito difícil porque enquanto você está coletando seus dados, do nada a chuva vem. Como você está com vários equipamentos caros, é necessário sair correndo para protegê-los. E as vezes a chuva dura vários dias, e não é possível retomar a coleta de dados”, comenta. Desta forma, o tempo disponível para o trabalho de campo era um fator bastante limitante para a coleta dos dados, o que tornou necessário a utilização de uma resolução mais baixa para obtenção das imagens, de resolução de 96 dpi. Para fins de comparação, a resolução de imagens exigida para ser publicada em um artigo é de pelo menos 600 dpi.

A partir das análises das imagens foram obtidas medidas de comprimento e diâmetro das raízes finas, permitindo assim que a biomassa das raízes fosse estimada, bem como o acúmulo de biomassa ao longo do tempo.

Perspectivas Atuais e Futuras do AmazonFACE

Além da importância do estudo ao revelar de maneira precisa a produtividade e atividade das raízes finas superficiais e profundas, esses novos dados serão fundamentais para avaliar a dinâmica das raízes na Amazônia quando o Programa AmazonFACE iniciar sua próxima etapa de pesquisas. O projeto avançará para o enriquecimento de carbono da floresta ao ar livre nas áreas delimitadas das parcelas  que permitirá responder como o aumento de CO2 afetará a produtividade e o acúmulo de biomassa das raízes, tendo como referência os dados do estudo agora publicado na revista Plant-Interactions Environment. O estudo também contribuirá para a compreensão da produtividade das raízes durante as estações secas – que tem se tornado mais intensas e longas nos últimos anos na Amazônia devido às mudanças climáticas e ao desmatamento – e para entender como será a resposta da produtividade da floresta em relação ao aumento de CO2 no futuro. O coordenador David Lapola conta que o novo trabalho mostra como as pesquisas do AmazonFACE estão sendo feitas de modo bastante integrado, acompanhando a dinâmica da floresta tanto acima como abaixo do solo.

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Um dos coordenadores do projeto AmazonFACE, David Montenegro Lapola: Havia entendimento de que a maior parte das raízes estavam apenas nas camadas superficiais do solo e o trabalho mostra que há uma fração importante dessas raízes em maior profundidade

Os novos resultados sobre a biomassa alocada nas raízes finas da camada profunda do solo também poderão afetar significativamente as estimativas do estoque de carbono alocado no solo da Bacia Amazônica. Lapola lembra que anteriormente havia o entendimento de que a maior parte das raízes estavam apenas na camada bem superficial do solo, nos primeiros 30 cm. 

A primeira fase do AmazonFACE tinha a previsão inicial de duração de dois anos, mas devido ao corte de recursos e orçamento que as pesquisas no Brasil têm sofrido nos últimos anos, o período desta fase foi prolongado, resultando em cerca de cinco anos de dados sobre a dinâmica da floresta antes do início das condições experimentais. Esses dados incluem medidas contínuas ao longo das 24 horas do dia, para um grande conjunto de variáveis atmosféricas e biológicas, tanto acima como abaixo do solo.

Os resultados obtidos também acrescentam mais uma peça ao quebra cabeça de como a Floresta Amazônica responderá às mudanças climáticas, que em estudo anterior do programa AmazonFACE revelou que a baixa disponibilidade de fósforo na maior parte dos solos da bacia Amazônica, incluindo a área de estudo, deverá ser um fator limitante importante para a produtividade da floresta em uma “atmosfera futura”, com níveis mais elevados de carbono.

Outros estudos relacionados ao trabalho publicado encontram-se em andamento, e fazem parte de uma segunda fase do AmazonFACE, que consiste na utilização de câmaras de topo aberto (OTCs, na sigla em inglês), como pequenas estufas de 3 m de altura abertas no teto. Estas OTCs são enriquecidas com CO2, em níveis de concentração de gás carbônico 50% acima da encontrada atualmente na atmosfera (400 ppmv, partes por milhão por volume), simulando condições atmosféricas que serão observadas no planeta nas próximas décadas para se avaliar o efeito do aumento do CO2 na dinâmica e produtividade das árvores jovens, que fazem parte do sub bosque da floresta. Assim, a produtividade das raízes finas encontrada no estudo publicado também servirá de base para comparação da produtividade que será encontrada para as raízes das árvores jovens dentro das OTCs.

Futuramente, o mesmo enriquecimento de gás carbônico no interior das OTCs será realizado para a parcela inteira do AmazonFACE, quando a pesquisa entrará na fase propriamente experimental, em que três parcelas serão enriquecidas por CO2, e outras três parcelas permanecerão com a concentração atmosférica ambiente, permitindo assim a comparação com a condição experimental.

Em um cenário de mudanças climáticas e considerando o papel da Floresta Amazônica no estoque e ciclagem de carbono e de água, fundamental na regulação do clima global, os autores destacam ainda que os novos dados permitirão refinar as estimativas dos modelos ecológicos computacionais que preveem como as florestas tropicais deverão responder às mudanças climáticas.


Leia o artigo publicado na Plant-Interactions Environment Fine‐root dynamics vary with soil depth and precipitation in a low‐nutrient tropical forest in the Central Amazonia

Para saber mais sobre o estudo e a pesquisa AmazonFace visite o site LabTerra (Laboratório da Ciência do Sistema Terrestre), sob a coordenação do professor David M. Lapola.

Imagem de capa
montagem de ilustrações do local de estudo

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