Unicamp tira o dia para refletir sobre o drama dos refugiados

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A Unicamp marcou o Dia Mundial do Refugiado, neste 20 de junho, com uma série de atividades – exibição de filme, feira de produtos sírios e africanos, menu especial de almoço, debates, exposição fotográfica – e com o lançamento do Atlas da Migração Refugiada, elaborado dentro do projeto temático Observatório das Migrações em São Paulo da Fapesp e que surge como fundamental para orientar políticas públicas voltadas a esta população que se movimenta de forma crescente pelo planeta, incluindo o Brasil. “Este dia traz para a sociedade brasileira um fenômeno que parece pontual e que ocorre fora das fronteiras nacionais. É importante para mostrar as dificuldades que o Brasil também tem enfrentado para recepção, acolhimento e, particularmente, empregabilidade desta mão de obra que precisa sobreviver em nosso território”, afirma a professora Rosana Baeninger, que coordenou a produção do atlas temático.

A docente da Unicamp atenta que, se ainda temos no imaginário a histórica imigração europeia e branca, o que acontece no século 21 são novos fluxos migratórios, que serão cada vez mais heterogêneos em termos de nacionalidade nas próximas décadas. “O governo brasileiro vem tendo que enfrentar uma quantidade crescente de solicitações de refúgio, principalmente por parte de venezuelanos nesse momento, mas também de outras nacionalidades. É justamente nesse sentido que as políticas sociais precisam avançar, para inserir os novos imigrantes em nossas interações sociais, diminuindo esse estranhamento entre nós e os outros.”

Foto: Scarpa
Jóice Domeniconi, Rosana Baeninger e Natália Demétrio, organizadores do Atlas da Migração Refugiada

O Atlas Temático da Migração Refugiada, esclarece Rosana Baeninger, é um volume complementar do Atlas das Migrações Internacionais lançado na Fapesp em abril. “Isso porque entendemos que a migração refugiada é uma modalidade das migrações internacionais gerais. A partir dos dados da Polícia Federal relativos aos imigrantes com o amparo legal do refúgio, selecionamos neste atlas os novos registros de 2000 a 2016 e o perfil dessa população refugiada para o Brasil e para o Estado de São Paulo. O Brasil possui um total de 10.145 refugiados, sendo que 5.352 obtiveram seu reconhecimento de refúgio neste século 21; os outros receberam em períodos anteriores.”

Impressiona, no entanto, o número de solicitantes de refúgio no Brasil: somente entre 2010 e 2017, foram 127.000 solicitações, conforme a coordenadora do atlas. “Desse total devem ser excluídos cerca de 50.000 haitianos que, na verdade, tiveram seus pedidos deslocados para o Ministério do Trabalho e receberam o visto humanitário. Portanto, hoje temos no país aproximadamente 80 mil solicitações para serem analisadas: somente no ano de 2017 foram 33 mil e, destas, 18 mil de venezuelanos.”

Foto: Scarpa
Unicamp marca o Dia Mundial do Refugiado com uma série de atividades na Casa do Professor Visitante

Um aspecto importante apontado pela professora do IFCH é que o reconhecimento do refúgio está relacionado com migrantes de países em guerra, que sofram perseguições políticas e religiosas ou de graves violações dos direitos humanos, mas que no Brasil a solicitação vem sendo adotada como uma estratégia. “Nos últimos três anos, a solicitação de refúgio foi utilizada como uma maneira de permanência no território: através da solicitação, o imigrante que chega sem o visto ganha direito a CPF e carteira de trabalho, sem custos, sendo que a avaliação do pedido demora no mínimo dois anos.”

Nesses dois anos, observa Rosana Baeninger, o imigrante pode inclusive deixar o país, já que nem todos querem o refúgio de fato. “O Brasil é um país de trânsito dentro das rotas migratórias por sua posição geopolítica internacional. O atlas traz dados sobre entradas e saídas de refugiados: de 2010 a 2015, por exemplo, entraram cerca de 820 refugiados, mas saíram 1.500. Muitos sírios já foram embora, assim como haitianos (não como refugiados, mas com visto humanitário). Quanto mais os países do Norte fecham suas fronteiras, mais o Brasil entra na rota dessas migrações – essa dinâmica tende a crescer entre os países do Sul.”

Foto: Scarpa
O refugiado sírio Samir Abed preparou um tahine com frango e legumes

O Estado de São Paulo, especificamente, apresenta novidades importantes, segundo a coordenadora do Atlas da Migração Refugiada. “Entre 2000 e 2016, 275 municípios brasileiros tiveram pelo menos um registro novo de refugiado, o que mostra a interiorização dessas migrações. São Paulo tinha apenas 58 novos registros, todos na Capital e municípios vizinhos; em 2016 foram cerca de 600 novos registros, já alcançando 84 municípios paulistas. O fato de estar documentado permite mobilidade ao imigrante e as redes de amizade e parentesco, bem como as redes de solidariedade, são mais fortes no interior, onde muitas empresas também têm adotado a política de imagem de contratar imigrantes refugiados.”

No próprio Dia Mundial do Refugiado, o presidente Donald Trump se viu obrigado a assinar uma “ordem executiva” autorizando filhos de imigrantes considerados ilegais a permanecerem junto aos pais, depois que imagens de crianças separadas em espécies de gaiolas chocaram o mundo. “É por conta de políticas tão restritivas e tão duras que o Brasil será cada vez mais um país de trânsito migratório”, diz Rosana Baeninger. “Chegar ao nível de destruir laços familiares, separando filhos e pais como forma punitiva, como criminalização dos atos migratórios, é realmente uma violação dos direitos humanos – questão muito presente nas fronteiras do norte global. No caso da legislação brasileira, o que se privilegia é justamente a garantia dos direitos humanos.” (L.S.)

 

Filme aproxima público do universo dos sem teto

A programação do Dia Mundial do Refugiado na Unicamp foi aberta com a exibição do filme “Era um Hotel Cambridge”(2016), de Eliana Caffé, seguida de um debate. O evento foi promovido pela Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen), Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Unicamp, Reitoria, Deslocamento Criativo e pela Casa do Professor Visitante (CPV) – este último sede das atividades, que incluíram feira de produtos sírios, livros africanos e um menu especial de almoço preparado por Samir Abed, de origem síria e que veio refugiado para o Brasil.

Ao misturar atores e pessoas que realmente enfrentam a luta por moradia, sejam elas brasileiras ou refugiadas de vários países, a proposta de “Era um Hotel Cambridge” é mostrar a história de moradores sem-teto que dividem um velho edifício abandonado no centro da cidade de São Paulo. Choques culturais, a separação das famílias, a batalha por melhores condições de vida se unem à tensão cotidiana pela ameaça de despejo pelo Estado. O filme é resultado da criação coletiva da Frente de Luta por Moradia (FLM), do Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto (GRIST) e da Escola da Cidade, e da direção de Eliane Caffé a partir do roteiro dividido com Luis Alberto de Abreu e Inês Figueiró.
 

Carmen Silva, ativista protagonista do filme “Era um Hotel Cambridge”
Carmen Silva, ativista protagonista do filme “Era um Hotel Cambridge”

Hoje cerca de cinco mil famílias integram os movimentos de luta por moradia. Entre elas, estão milhares de refugiados, vindo de países como Síria, Congo, Haiti, e que, ao invés de acolhimento, enfrentam preconceitos e rejeições. O filme, que transita entre fato e ficção, explora enfaticamente os dramas de estrangeiros que vivem no prédio. Há espaço também para mostrar as formas de luta do grupo e de mobilização da opinião pública, que incluem produções audiovisuais – “quadros vivos” - e até um blog, com histórias de vida e depoimentos, porém com muitas reações hostis por parte dos internautas.

Entre os “atores-vida real”, está Carmen Silva, que atuou como líder da Frente de Luta pela Moradia (FLM), organização que representa os refugiados no Hotel Cambridge. Na visita à Unicamp, a atriz debateu o filme com o público após a exibição. Ela falou, entre outras coisas, sobre o papel do Brasil na questão dos refugiados e por onde andam os “personagens” reais da história, passados três anos de filmagem. Carmen concorda com a importância do longa na difusão do tema, mas reforça falhas de políticas públicas para refugiados. “A atuação brasileira na ONU é expressiva no acolhimento, mas na prática não há infraestrutura básica”, afirma.  (L. M. B.)

Foto: Scarpa
José Carlos Pereira, do Centro de Estudos Migratórios Missão Paz


Ouça os podcasts:

Carmem Silva (1), protagonista do filme “Era o Hotel Cambridge”

Rosana Baeninger, organizadora do Atlas da Migração Refugiada

Carmem Silva (2), protagonista do filme “Era o Hotel Cambridge”

Ana Carolina Maciel, coordenadora do Cocen

 

Veja trailer de “Era o Hotel Cambridge”


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Imagem de capa
Audiodescrição: Em área interna, imagem frontal e em plano médio, nove pessoas em pé, uma ao lado da outra, sendo que quase todos sorriem com olhares voltados para a câmara fotográfica. À frente delas, há uma bancada retangular com vários roupas e tecidos estampados coloridos. Alguns vestem trajes típicos do oriente médio e áfrica. À direita na imagem, aparece, afixado na parede, parte um banner vertical com uma foto preto e branco de duas crianças. Imagem 1 de 1.

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