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Ferramenta avalia e monitora restauração ecológica

Estudo desenvolvido por ecólogo sugere alternativas que vão desde métodos mais apropriados até aperfeiçoamento de protocolos

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As pessoas envolvidas em processos de restauração ecológica contam agora com uma importante e inédita ferramenta para monitorar e avaliar a evolução de áreas em restauração e, se necessário, adotar medidas de manejo corretivas. O ecólogo Vinícius Londe Ferreira, em tese de doutorado defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, elucida questões de cunho prático que podem auxiliar na escolha do método de restauração apropriado, na comparação de resultados com florestas maduras (originais), no esforço de amostragem adequado e no aperfeiçoamento de protocolos de monitoramento e políticas públicas voltadas à restauração.

“Contribuições para o monitoramento e avaliação de áreas em restauração na Mata Atlântica: esforço de amostragem ideal, valores de referência para os indicadores ecológicos e diferenças entre métodos” é o título da tese que teve como orientadores os professores Fernando Roberto Martins, do IB da Unicamp, e Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP – e financiamento de CNPq e Fapesp. “A Mata Atlântica é o bioma brasileiro com menor cobertura de vegetação original devido a vários processos de degradação e, por sua enorme importância ecológica e socioeconômica, tem recebido grandes esforços de restauração nas últimas décadas”, observa Vinícius Londe.

Em sua tese, Londe apresenta o monitoramento e avaliação de 967 áreas na Mata Atlântica, que somam quase 2 milhões de metros quadrados de amostragem; destas, 733 são áreas em restauração. “Esse é o maior banco de dados de monitoramento de áreas em restauração que temos conhecimento. Os resultados foram obtidos em um banco de dados criado pelo pesquisador Fabiano Turini Farah (colaborador da tese) no Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF) da Esalq, englobando 550 áreas jovens em restauração, e em consultas na literatura científica realizadas por mim, que culminaram em 417 áreas em restauração mais antigas e florestas secundárias e maduras. Usamos essas informações para esclarecer algumas questões em aberto e de interesse para a restauração ecológica.”

Uma das questões elucidadas e salientada pelo pesquisador diz respeito ao esforço de amostragem ideal (quanto de área é preciso amostrar) para monitorar adequadamente as áreas em restauração – até o momento, apenas um estudo havia sido publicado com esse objetivo. Londe estudou 14 indicadores ecológicos que refletem o desenvolvimento da vegetação nestas áreas. “Observamos que a área de amostragem ideal foi de 1.000 metros quadrados, excetuando-se a cobertura por gramíneas agressivas, que deve ter 90 metros quadrados.”

Vinícius Londe justifica que no uso de áreas de amostragem menores que estas duas, tende-se a perder informações importantes sobre as florestas em restauração; por outro lado, se forem maiores, poucas informações serão acrescentadas e ainda haverá gastos desnecessários de recursos. “Conhecendo a área de amostragem ideal, os próximos monitoramentos podem ser melhor direcionados e gerar resultados confiáveis. Acreditamos que esse foi um resultado importante para esta área de conhecimento.”

A restauração ecológica, explica o autor da tese, é o processo de assistência à recuperação de um ecossistema degradado, danificado ou destruído – e agora reconhecida globalmente como componente chave nos programas de conservação. “A restauração pode ser vista do ponto de vista ecológico, conservacionista, socioeconômico, cultural ou pessoal. Alguns projetos visam reestabelecer espécies, outros para restaurar o ecossistema como um todo ou ainda para recuperar certos serviços ecossistêmicos.”


Métodos de restauração

O ecólogo trabalhou com florestas em restauração por três métodos: restauração ativa, com o plantio de mudas em área total; restauração passiva, também chamada de sucessão secundária, que ocorre após o abandono da área, aproveitando-se o potencial de regeneração natural; e restauração assistida, semelhante à restauração passiva, mas com algumas intervenções para acelerar o processo de regeneração natural. As áreas tinham entre três meses e 50 anos de idade e foram monitoradas mediante diferentes esforços amostrais.

Segundo Londe, antes, as ações de restauração eram mais pontuais e dirigidas à recuperação local de ecossistemas, por meio de métodos ativos como o plantio de mudas. “Os métodos vêm sendo aprimorados e o plantio de árvores continua sendo o principal foco nos programas de restauração ecológica. Mas, como esses métodos costumam ser dispendiosos, dificultando seu uso em escalas geográficas maiores, técnicas menos custosas e também efetivas têm sido propostas.”

Foto: Fabiano Turini Farah
O ecólogo Vinícius Londe Ferreira, autor da tese de doutorado: “A restauração pode ser vista do ponto de vista ecológico, conservacionista, socioeconômico, cultural ou pessoal”

O ecólogo recorda que no final da década de 1990, por exemplo, já se sugeria o uso de plantações madeireiras, como de eucalipto e pinus, para potencializar a restauração em grandes áreas. “Atualmente, pesquisadores vêm apontando que métodos baseados na regeneração natural – restauração passiva e assistida – são mais propícios para o planejamento em larga escala. Um problema é que esses métodos não se aplicam a áreas com baixa resiliência, como por exemplo, aquelas usadas há muito tempo para agricultura.”

As comparações de áreas em regeneração natural com áreas plantadas permitem, conforme o pesquisador, observar se há diferenças nos resultados de cada método e com qual deles as florestas se desenvolvem mais rapidamente. “Assim é possível direcionar melhor os esforços de restauração, conforme o nível de degradação da área. Para isso são empregados indicadores ecológicos, como a altura da vegetação, a riqueza de espécies e o recrutamento de plântulas [embrião vegetal já desenvolvido].”

Lorde recorda que, nesse sentido, os ecossistemas maduros há tempos vêm sendo adotados como modelos para novos projetos de restauração e avaliação dos já implementados. “Esses modelos, chamados de ecossistemas de referência, são normalmente fragmentos secundários ou maduros que se encontram próximos da área em restauração. Para a tese fiz um levantamento de 234 ecossistemas de referência e conseguimos definir valores esperados como indicadores para comparar as áreas em restauração e verificar quando elas podem ser consideradas restauradas”.

De acordo com o pesquisador, um indicador ecológico importante é a proporção de espécies dispersas por animais e que se recuperam já nos primeiros anos de restauração; outros indicadores, porém, podem demorar décadas para se recuperarem, como de riqueza de espécies de árvores, área basal e densidade de plantas regenerantes. “Com os valores de referência definidos para esses indicadores, é possível comparar os resultados dos monitoramentos e verificar em qual estágio de desenvolvimento a área em restauração se encontra. Se os valores estiverem abaixo do esperado, medidas de manejo corretivo podem auxiliar no processo.”


Pacto da Mata Atlântica

Vinícius Londe informa que no Brasil, como em outros países, a restauração ecológica se desenvolveu substancialmente nas últimas décadas, principalmente a florestal. “Um exemplo de planejamento em larga escala está no Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, reunindo mais de 160 membros, entre universidades, ONGs e empresas privadas – é um dos programas mais importantes e ambiciosos do planeta, com a meta de viabilizar a recuperação de 15 milhões de hectares degradados até 2050, aumentando a atual cobertura florestal de 17% para pelo menos 30%.”

Das áreas em restauração estudadas na tese, 550 fazem parte do Pacto da Mata Atlântica, tendo idades de até sete anos e, em geral, pertencentes a grandes empresas de celulose. “Analisamos essas áreas jovens para entender melhor o processo inicial de restauração florestal, dividindo-as de acordo com o método de restauração: ativa (plantio de mudas) ou assistida (condução da regeneração natural após corte e abandono de plantações comerciais), e também em três classes de idade (0.02-2anos, 2.0-4 anos e 4.01-6.06 anos). Modelos estatísticos nos permitiram investigar se ocorriam mudanças significativas nas áreas nos primeiros anos de restauração, e por qual método as florestas se desenvolviam mais rapidamente.”

De acordo com o ecólogo, ocorreram mudanças na estrutura, diversidade e funcionalidade das áreas em restauração, que foram diferentes dependendo do método empregado. “As áreas em regeneração natural assistida, por exemplo, tinham alta proporção de gramíneas invasoras no início da restauração, mas essa proporção tendeu a diminuir com o tempo, ao contrário das áreas de plantio. Também notamos que as áreas em regeneração natural assistida se desenvolveram melhor no mesmo período de tempo que as áreas de plantio, indicando que esse método pode ser promissor para a restauração em larga escala.”


Eficiência dos métodos

Parte dos últimos projetos de restauração no país, informa o pesquisador, tem como objetivo uma rápida recuperação da cobertura do dossel (sobreposição dos galhos e folhas das árvores, com sombreamento do solo), primeiramente para eliminação das gramíneas agressivas e, em seguida, para amadurecimento da floresta com a manutenção da funcionalidade e biodiversidade – acredita-se que entre 70% e 90% da vida na floresta tropical se encontram sobre as árvores, fazendo do dossel um rico habitat de plantas e animais.

“Contudo, verificamos que a cobertura de dossel não estava se recuperando rapidamente. Nas áreas de quatro a seis anos, a cobertura ficou em torno de 50% naquelas áreas em regeneração assistida e 35% nas de plantio”, diz o autor da tese. “Vimos que a proporção de gramíneas também foi alta, o que não é desejável. Isso demonstra que há falhas de manutenção nessas áreas e que algum tipo de manejo precisa ser realizado.”

Vinícius Londe considera que os resultados de sua tese têm forte aplicação prática, possibilitando delinear mais precisamente o monitoramento de áreas em restauração para fins científicos e de regularização junto a órgãos ambientais. “Conseguimos definir, em primeira mão, os valores de referência que podem auxiliar na comparação de resultados de monitoramentos e em avaliações futuras, bem como na elaboração e melhoria de políticas públicas. Esta era uma grande demanda na área de restauração ecológica.”

 

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: imagem em área externa de local com densa vegetação, com árvores altas e plantas de pequeno porte, sendo que há trilhas de terra no local. Há a incidência de luz de sol nas folhas verdes da vegetação, criando áreas de sombra e de luz acentuada na imagem. Imagem 1 de 1.

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