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Tese aponta heterogeneidade social na população atendida pela CDHU

Pesquisa identifica relações entre habitação de caráter social e as características sociodemográficas dos moradores

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Os estudos quantitativos relativos à habitação urbana têm se dedicado principalmente ao diagnóstico de seus déficits e inadequações. Em tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, orientada pela professora Elisabete Dória Bilac, o economista Cimar Alejandro Prieto Aparicio, com especialidade em demografia, e pesquisador colaborador do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo) da Universidade, investiga as relações entre o perfil sociodemográfico da população atendida pela política de habitação social desenvolvida pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo e seus objetivos. No caso, a caracterização sociodemográfica atém-se mais particularmente à população dos conjuntos habitacionais, à sua composição familiar e faixas etárias e de renda, e inclui o estudo dos grupos familiares que residem nos imóveis, com destaque para os chamados estendidos, assim considerados os residentes com vínculos familiares além do núcleo básico constituído por pai, mãe e filhos.

O trabalho se valeu da base de dados do primeiro censo realizado pela CDHU em 2008, que considerou apenas suas unidades habitacionais ativas, ou seja, aquelas com financiamento em curso, e as construções entregues por esta companhia pública desde a sua criação até a realização deste último levantamento, o que abrange 25 anos de atuação. A CDHU atende à demanda de moradia de uma população que tem dificuldades em sua aquisição, através de financiamentos que podem atingir 25 anos, com prestações relativamente baixas, para o que conta com recursos orçamentários que mantêm uma política de subsídio social. O programa destina-se a famílias constituídas, com renda total de um a dez salários mínimos, que possuem chefe de família de 18 a 53 anos, que reside ou trabalha no município há pelo menos três anos, e que não seja proprietário de imóvel. Embora a faixa de renda seja ampla, existe prioridade para o atendimento de famílias com renda total de até três salários mínimos.

Divulgação
Construção de conjunto habitacional da CDHU em Lençóis Paulista, em julho de 2018 | Foto: Amanda B. Donatiello/ CDHU Fotos

Os estudos empíricos sobre as necessidades habitacionais apontam que a maior parte da população com carências de moradia localiza-se nas regiões metropolitanas. No Estado de São Paulo a demanda por moradia social concentra-se nas regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Baixada Santista. O trabalho avaliou a oferta de moradias em todo o Estado de São Paulo


Características

Os critérios oficiais de seleção de mutuários dos programas habitacionais de interesse social no Brasil tenderiam à formação de uma população com condições de vida relativamente homogênea. Entretanto, os resultados das análises do universo da produção habitacional da CDHU mostram que esta população é socialmente heterogênea. Ao que tudo indica, esclarece o autor, a heterogeneidade social observada tem mais a ver com momentos do ciclo de vida familiar dos arranjos domésticos e com uma sucessão de mutuários decorrente de um processo de valorização imobiliária. O movimento especulativo identificado em áreas centrais das metrópoles também se deu nos conjuntos habitacionais. Por sua vez, as alterações introduzidas ao longo dos anos nas regras dos sistemas de financiamento habitacional e de alienação de imóveis foram uma resposta a processos de especulação imobiliária dentro dos conjuntos. Desde 2006, a legislação estadual permite a regularização dos imóveis adquiridos dos mutuários originais por contrato de gaveta, transferindo o financiamento para os novos moradores. Ainda assim, continuou a prática das vendas de imóveis sem regularização na CDHU. Uma nova lei estadual de 2011 mostrou-se pouco eficaz na reversão desta situação e ainda que possa ter diminuído em parte o volume de imóveis adquiridos por contrato de gaveta, aumentou o volume de imóveis alugados, cedidos ou ocupados.

Por outro lado, a análise do perfil dos arranjos domésticos encontrados mostra diversidade de estruturas familiares, que revelam articulações entre arranjos domésticos; diferentes momentos do ciclo de vida familiar; e de diversas formas de aquisição da moradia. Com efeito, existem famílias constituídas por casal e filhos, apenas casal, pai e filhos, mãe e filhos e até moradias ocupadas apenas por uma pessoa, além das famílias estendidas. No âmbito das famílias há aquelas com número de constituintes já consolidado, em consolidação e as que estão se iniciando, representadas por casais jovens.

As famílias jovens são identificadas pela presença de arranjos familiares em que a pessoa responsável pelo domicílio possui menos de 35 anos, sem filhos ou com filhos pequenos.  Em relação à ocupação das moradias, encontram-se imóveis adquiridos pelos moradores diretamente da CDHU; os comprados do primeiro proprietário, que podem estar regularizados ou atrelados ainda a um contrato de gaveta; os alugados; e os cedidos. Nestas quatro variedades de ocupação, o pesquisador observou uma significativa presença de famílias jovens, que iniciam um novo núcleo familiar e que estão à procura da primeira casa.

Foto: Scarpa
O economista Cimar Alejandro Prieto Aparicio, autor da tese: “A política de habitação social pode promover não somente a aquisição da moradia própria via financiamento de longo prazo, mas outras soluções habitacionais”

Embora considerados pobres, os vários grupos sociais identificados nos conjuntos apresentam diferenciações em termos de renda, nível de educação, inserção no mercado de trabalho e acesso a serviços públicos e a equipamentos urbanos. Identificam-se situações urbanas muito heterogêneas, dado que a produção de habitação social alcançou 617 dos 645 municípios do Estado conforme o primeiro censo.  Uma mudança política importante identificada na tese foi o redirecionamento dos programas habitacionais da CDHU do interior para as regiões metropolitanas a partir de 2004.

Segundo a pesquisa habitacional da CDHU de 2008, as 273.040 unidades habitacionais ativas, em que houve entrevista com a pessoa de referência do imóvel, perfaziam 971.269 moradores. Nessa população, a proporção de pessoas com 60 anos correspondia à metade da observada em todo o Estado de São Paulo. A população com menos de 15 anos era de 26,6%, contra 21,9% da estadual. Constatou-se ainda nesses conjuntos maior predomínio de famílias em fase de expansão do ciclo de vida em relação à população paulista, mesmo porque a porcentagem de responsáveis pelas unidades habitacionais com menos de 35 anos era de 34,9%, enquanto no conjunto do Estado eles representavam 22,6%. Estes dados confirmam tratar-se de uma população jovem quando comparada com a do Estado de São Paulo. Outro traço que marca a população atendida é a presença de famílias estendidas em 26% das moradias, assim consideradas aquelas que além de pais e filhos abrigavam outros membros, tais como avós e netos. No Estado essa porcentagem era de 19%.

Aproximadamente 70% dos imóveis eram próprios e regularizados na CDHU, 20% deles não estavam regularizados e os 10% restantes foram alugados ou cedidos. Como era de se esperar, os imóveis próprios comprados diretamente do CDHU tendiam a ter famílias consolidadas. Já os imóveis comprados de terceiros ou alugados eram ocupados principalmente por famílias mais jovens que estavam se iniciando ou em fase de expansão. A propósito, diz Cimar: “A política habitacional acaba atendendo principalmente as famílias que estão na fase inicial, e esse público constitui a sua maior demanda. De outra forma, entre as famílias que se encontram há mais tempo nos conjuntos habitacionais, nota-se a maior presença das estendidas. Isso mostra que o programa acaba cumprindo seu papel social nessas duas situações extremas”.

Para o pesquisador, esta dinâmica da vida familiar pode ser levada em conta no planejamento habitacional, de modo que os critérios de atendimento da demanda por domicílios possam harmonizar as necessidades das famílias e as suas diferenciadas situações socioeconômicas. “Além disso, a política de habitação social pode promover não somente a aquisição da moradia própria via financiamento de longo prazo, mas outras soluções habitacionais, como o aluguel social e a urbanização de favelas por meio de pequenas reformas e ações de assistência técnica em habitação social, tais como as que são oferecidas por algumas faculdades de engenharia civil e arquitetura”, acrescenta o autor da pesquisa.

 

Imagem de capa JU-online
Em área externa, imagem panorâmica e de baixo para cima de um conjunto habitacional, sendo que ao centro há um prédio de seis andares, simples, com janelas quadradas e padronizadas em toda a fachada e na lateral à esquerda. À esquerda na imagem, fachada de outro conjunto habitacional. Ao fundo de toda a imagem, céu bastante azulado com o sol brilhando à esquerda. Imagem 1 de 1.

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