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Planetário reúne ciência, cultura e ancestralidade

Exemplo de divulgação científica, centro mexicano estreou a primeira animação para domos totalmente produzida no país

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Adilson Roberto Gonçalves  |  Camila Pinto da Cunha  |  Marcos Botelho Júnior  |  Monique Rached  | Suzana  Corrêa Petropouleas   | Viviane Celente

 

LABJUUma fusão de elementos da cultura e da divulgação científica. Esta foi a estratégia de comunicação adotada pelos gestores do Planetário Cha’an Ka’an, localizado na ilha mexicana de Cozumel, no Mar do Caribe. Segundo a diretora do planetário, a também divulgadora científica Milagros Varguez, as atividades são formuladas com o objetivo de abranger diferentes assuntos, não se restringindo apenas à astronomia, contemplando outras áreas da ciência e da cultura, entre as quais  arqueoastronomia, música e teatro, com o objetivo de atrair um público heterogêneo. “Precisamos ter criatividade para despertar o interesse da comunidade e dos turistas de Cozumel”, afirma Varguez, não escondendo sua paixão pelo tema e pelo trabalho que realiza. A dirigente enfatiza que, em geral, o Planetário não está no roteiro de quem visita a ilha.

A diretora esteve dia 20 na Unicamp, onde apresentou aos alunos de especialização do curso de Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) os desafios da divulgação científica do Cha’an Ka’an. Não deixou de ser também um reencontro afetivo – Milagros fez parte de seu doutorado no Labjor/Nudecri-Unicamp. Segundo revelou a gestora, a expressão que dá nome ao complexo é de origem maia e significa “contemplar, desfrutar o céu”. O nome foi escolhido pela população mexicana por meio de uma consulta pública, assim como o logo do planetário. O objetivo foi aproximar o Cha’an Ka’an da comunidade local, promovendo um senso de pertencimento. “Isso faz com que o planetário faça parte da comunidade”.

 O turismo é a principal atividade econômica de Cozumel, segundo dados da Secretaria de Turismo do México, além de ser uma reserva da biosfera da Unesco – a ilha conta com a segunda maior barreira de corais do mundo. O desafio de atender demandas e criar atividades que despertem interesse tanto da comunidade local como de estudantes e turistas estrangeiros foi superado por meio de uma “roupagem” cultural que se somou à experiência científica de visitação. Os gestores do planetário optaram por apostar no capital cultural e turístico da região, aliando astronomia à rica história cultural e à arqueologia da região.

A produção de dois filmes animados exclusivos para domos foi estratégica para aproximar a cultura local dos visitantes e propiciar uma oportunidade de imersão e aprendizado sobre duas civilizações mesoamericanas, os maias e os mexicas – mais conhecidos como astecas –, sob a perspectiva dos guardiões de sua história. Antes o planetário estava restrito a projeções australianas, europeias e norte-americanas, com poucos elementos – e consequente baixa identificação da comunidade – que fizessem menção a Cozumel e à cultura mexicana. Ambas as produções misturam ciência e mitologia, retratando a visão do tempo e do universo dessas antigas civilizações. O filme Arqueoastronomia Maia: Observadores do Universo conta como os maias se orientavam pelos astros, percorrendo seis sítios arqueológicos maias: San Gervasio, Chichen Itzá, Uxmal, Edzná, Palenque e Bonampak.

Varguez revelou que a produção dessa primeira animação foi um grande desafio em razão da falta de experiência de sua equipe. “Eu escrevi para pessoas que têm experiência em produzir filmes para domos”, relatou a diretora, contando que os alemães foram os únicos a colaborar com o projeto, capacitando a equipe mexicana para a tarefa.

O segundo filme, “Arqueoastronomia Mexica: Entre o Espaço e o Tempo”, narra a importância da observação e conhecimento astronômicos para a construção do império Mexica e a identidade do povo mexicano.

 Distribuído gratuitamente para mais de 40 planetários internacionalmente, com tradução em mais de dez idiomas, o filme de 20 minutos é o primeiro fulldome completamente animado produzido no México. Foi nomeado para o Prêmio Quirino de Animação na Espanha, como a melhor obra inovadora da Iberoamerica, recebendo menção honrosa na conferência da International Planetarium Society (IPS). “Não é apenas um reconhecimento do nosso trabalho, mas também de toda a América Latina”, destacou, explicando que essa foi a primeira vez que uma produção latino-americana recebe essa honraria, normalmente concedida a americanos ou alemães. O filme foi produzido pela produtora mexicana Frutos Digitales, com direção de Varguez, colaboração do Observatório Europeu do Sul (ESO) e financiamento do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do México (Conacyt).

A diretora enfatizou a importância de editais públicos para a captação de recursos em projetos como este. O filme competiu com cerca de 200 outros projetos em um edital do governo mexicano que apoia ações de comunicação pública da ciência e tecnologia de diferentes áreas. Foi contemplado, fato que ainda é motivo de comemoração. “Você precisa competir com diversos outros projetos muito legais, então o nosso tinha que ser muito bom”, comentou.

Foto: Álvaro Kassab
Milagros Varguez, diretora do Planetário Cha’an Ka’an, durante palestra no Labjor: interação com a comunidade

Além das projeções de filmes sobre astronomia no domo, tanto em 2D quanto em 3D, o planetário promove uma extensa gama de atividades, entre as quais destacam-se cinema, museus, trilhas, biblioteca e observatório com telescópios para observações diurna e noturna, de astros, fenômenos celestes e manchas solares, além de workshops, palestras e atividades lúdicas para crianças. Uma vez ao mês, durante o período de lua cheia, são realizadas ações fora do complexo do planetário, como uma forma de aproximar a comunidade, num projeto denominado “Planetário em seu parque”.

A questão social também é recorrente no trabalho de divulgação feito por Milagros Varguez, uma vez que o sucesso das exposições depende do público. As redes sociais são usadas para a divulgação do observatório, mas levantamento feito pela diretora constatou que apenas 30% da população local – cerca de 80 mil habitantes – possui acesso à internet. É um contraste com a necessidade de trabalho em rede internacional para possibilitar a realização dos filmes, enfatizou Varguez. Por esse motivo, as ações de levar o observatório ao público são importantes. Ela mostrou várias imagens com crianças ao redor de telescópios nos bairros em que moram, monitoradas pela equipe do Observatório.

A diretora finalizou a apresentação respondendo a perguntas, detalhando especialmente os mecanismos de construção da interação entre as atividades turísticas e científico-culturais do planetário.

 


Uma tradição, desde ‘Aldebaran’

Foto: AKO observatório como instrumento de divulgação científica é tradição na Unicamp, que possui o Museu Exploratório de Ciências, construído no local do antigo Observatório a Olho Nu, desativado em 1995 e que recebia o nome da constelação de Aldebaran. As exposições no museu são acompanhadas por observações celestes periódicas e apreciadas pelas comunidades interna e externa.

Júlia Benar Gonçalves é estudante do curso de Química da Unicamp e diz que vai sempre aos eventos na área externa, para os quais professores e pesquisadores trazem seus telescópios e lunetas. “O museu tem uma exposição sobre cores e luz que é muito útil para ilustrar os conceitos de interação da radiação com a matéria, que a gente vê em química”, explica. “A observação na parte externa se transforma em evento social bastante agradável”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Saiba mais

Sobre a diretora Milagros Varguez

Sobre os filmes:

 

 

 

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: Em área interna, imagem frontal e em plano médio, mulher em pé, ao centro na imagem, mantendo o braço esquerdo erguido e esticado para o alto, com o dedo indicador apontando para um ponto projetado em uma tela de data show, sendo que a imagem projetada ocupa a área da tela e também de toda parede onde ela está afixada. A imagem mostra em ilustração vários planetas e o espaço. Imagem 1 de 1.

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