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Cooperação entre Angola e Unicamp capacita profissionais em saúde

Parceria já possibilitou aprimoramento de cerca de cem médicos e mais de 50 técnicos da área de saúde do país africano

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Ilustra: LPImagine estar a mais de 7.500 quilômetros de onde está agora. Esta é a distância entre Brasil e Angola. A distância entre o neurologista Job Monteiro Jama António, o infectologista Rúbem Caivala e suas famílias. É a mesma distância que o infectologista da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Francisco Aoki tratou de reduzir, há 13 anos, como executor do “Programa de Treinamento em Serviço da FCM/Unicamp: convênio técnico de cooperação internacional com Angola”. A parceria, assinada em 2004 com o Hospital Josina Machel, de Luanda (Angola), e posteriormente estendida para o Ministério da Saúde de Angola, já treinou mais de cem médicos e mais de 50 técnicos da área de saúde angolanos. A difusão do programa de cooperação entre FCM e Angola inaugura uma série de reportagens produzidas pelo Projeto Extensão 48, da Preac.

“Este projeto auxilia profissionais a receberem treinamento, se tornarem especialistas na matéria, terem ascensão salarial e terem a possibilidade de, com essa capacitação, ser guindados a posições muito mais adequadas de coordenação em enfermarias, terapia intensiva, emergência, etc.”, declara Aoki. Hoje, grandes instituições estão sendo comandadas por profissionais treinados na Unicamp, segundo o professor.

No retorno à África, a distância de mais de 4 mil milhas náuticas é percorrida com muito mais conhecimento, vontade e condições de melhorar não somente atendimento e procedimentos, mas um sistema de saúde como um todo. É o caso do infectologista Joaquim Isaac que, já em solo angolano, comemora a possibilidade de aplicar o conhecimento desenvolvido na Unicamp em sua rotina profissional em Luanda. “Hoje, somos chamados para responder a grandes desafios, resolver situações complexas, dirigir hospitais em nosso país. Somos referenciados para casos complexos e, diga-se de passagem, com muita dedicação e muito brilho, temos resolvido e dignificado a Unicamp.”
 

Foto: Scarpa
Segundo o infectologista Francisco Aoki, coordenador do programa, grandes instituições angolanas estão sendo comandadas por profissionais treinados na Unicamp

A satisfação por estar no Brasil mistura-se ao anseio de voltar a Angola, de acordo com o infectologista Caivala. “O Comando Superior da Força Aérea me espera com ansiedade. Eles ligam sempre para mim para saber quando será meu retorno e dizem: ‘Aqui temos muita demanda de pacientes, não temos pessoal médico qualificado para o segmento deste tipo de paciente’. Desta maneira, minha vinda para cá foi valiosa para mim e, desde já, tenho de agradecer a existência deste convênio.”

Médico da Clínica da Força Aérea de Angola, Caivala atende pacientes com HIV/Aids há quase nove anos. Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, capital de Angola, ele afirma que o projeto “surgiu em boa hora”, diante da carência de instituições e profissionais com o perfil de médico referencial. “Pelos três anos que estou aqui, me sinto um profissional bem realizado, bem treinado e tenho fé que logo que regresse para meu país, estarei em altura de desenvolver todas as atividades conforme meu aprendizado aqui. O resultado é muito benéfico, tanto para meu país, quanto para meu aprendizado, quanto para meu futuro.”

O número de pessoas beneficiadas ao longo destes 13 anos de intercâmbio é imensurável, segundo Aoki, pois os trabalhos com médicos, enfermeiros e outros profissionais são coletivos. “Se um colega daqui, que foi bem formado, dirige um serviço de urgência na área cirúrgica, lá em Angola, eles atendem mais de mil pessoas por dia. É um atendimento muito grande e com muita falta de profissionais em todas as áreas. Então, eles tentam fazer o possível”.

 

Foto: Perri
O infectologista Rúben Caivala: “Pelos três anos que estou aqui, me sinto um profissional bem realizado, bem treinado e tenho fé que logo que regresse para meu país”

As especialidades são oferecidas pelos departamentos de Clínica Médica  – Infectologia, Gastroenterologia, Hematologia, Nefrologia, Oncologia Cínica, Pneumologia, Cardiologia, Clínica Médica Geral –, Pediatria, Cirurgia, Tocoginecologia, Genética Médica, Neurologia, Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Patologia Clínica, Anatomia Patológica, Psicologia Médica e Psiquiatria.   


Carreira acadêmica

A permanência na Unicamp permitiu avanços na carreira acadêmica do neurologista Job Monteiro Jama António. Recentemente, ele ingressou no programa de doutorado em patologia médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). “No fim destes quatro anos, fizemos o processo de complementaridade da formação em neurologia clínica e, em seguida, em neurofisiologia e eletroencefalografia. Depois disso, entrei no doutorado em patologia médica. Agora, esperamos voltar o quanto antes a Angola e dar os contributos possíveis.”

António, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto e médico no Hospital Américo Boa Vida, instituição pública terciária da Angola, afirma que a experiência de outros participantes que já retornaram a Angola motivou a procura pelo treinamento. A participação no programa é extensiva a um programa chamado de ‘internado em neurologia’ em seu país, algo equivalente a residência em neurologia no Brasil. “Por conta disso viemos para cá, porque há algumas insuficiências em termos da formação em neurologia em si e não conseguiríamos colmatar em Angola. Lá, apesar das especialidades que temos, ainda existem algumas insuficiências. Aqui, encontramos formação na área de neuroimagem e neurofisiologia.”

Para António, tanto Angola quanto Unicamp têm a ganhar na parceria, pois permite o intercâmbio entre os dois países. “Este ganho nem sempre no sentido know how acadêmico, mas no sentido cultural. Para Angola, num modo específico, queremos – e este é um compromisso da Universidade de lá – obter este conhecimento mais específico e, no fim do prazo, voltarmos para Angola para passarmos este legado para outros estudantes que estão lá.”

Foto: Perri
O neurologista Job Monteiro Jama António: “Lá, apesar das especialidades que temos, ainda existem algumas insuficiências. Aqui, encontramos formação na área de neuroimagem e neurofisiologia”


Distância

Com apoio de professores e residentes da Unicamp, aos poucos, António e Caivala foram se acostumando com o novo país. “Praticamente em três anos, já me sinto ‘superadaptado’ nas atividades da Unicamp e só tenho a agradecer a todo o pessoal que direta e indiretamente se envolveu para que este projeto fosse um sucesso. Sinto-me um profissional seguro e bem preparado”, afirma Caivala.  

Mas há mais de 4.500 milhas, em sentido contrário, o médico Joaquim Isaac, manifesta as saudades do Brasil e o fato de, em sua rotina em Angola, não poder recorrer imediatamente aos professores da Unicamp com os quais compartilha suas dúvidas. “Regressamos a nossa casa e aí percebemos a transformação ocorrida e que algo muito significativo tinha acontecido como médico, como pessoa. E nosso anseio é que este projeto de cooperação entre Angola e Unicamp continue para que muito mais angolanos possam se beneficiar deste projeto e regressem ao país para dar sua contribuição no quesito saúde, que este povo muito anseia e necessita. Aproveito para dar meu abraço ao angolano-brasileiro Francisco Aoki.

Diretor do Hospital de Queimados de Luanda, onde coordena a unidade de terapias intensivas, o médico Antonio do Amaral Gurgel torce pela continuidade do convênio, já que em torno de 50 especialistas hoje podem aplicar o conhecimento adquirido no Brasil em hospitais de Luanda e outras províncias de Angola. “Hoje, sou médico especialista em unidades intensivas, reconhecido pelo governo angolano após minha formação médica e também minha especialização na Unicamp, cujo diploma foi outorgado pelo Ministério da Saúde de Angola. Desempenho o papel de diretor médico da Unidade de Tratamento Intensivo. Tudo o que aprendi no Brasil trouxe mais valia para que pudesse abordar de maneira científica eficaz o paciente crítico e também tornar a unidade intensiva cada vez mais humana.”  Para ele, a ampliação do conhecimento permite fazer o que é um dever depois da oportunidade de se especializar a mais de 4.500 milhas náuticas: “aplicar tudo o que aprendemos na Unicamp de acordo com nossa capacidade, nossos meios, nossa realidade”. Ele acrescenta que embora haja algumas dificuldades, com relação a falta de equipamentos, material, profissionais, o grupo tem dado, de forma exemplar, apoio à sociedade.

 

Foto: Divulgação
O médico Antonio Pio do Amaral Gurgel durante atendimento em hospital angolano: torcendo pela continuidade do programa


O começo da história

Armistício foi a palavra que, em 2002, colocou fim a uma guerra civil com duração de 30 anos. A Angola esfacelada levantou-se em busca de possibilidades de recuperação. Uma delas era o financiamento e, naquele momento, o Japão, um dos sete países mais ricos do mundo na época, resolveu, a fundo perdido, enviar US$ 45 milhões para recuperar dois grandes hospitais angolanos: o Lucrécia Paim e o outro o Josina Machel. Hospitais ternários e quaternários, mas que fazem um pouco de tudo, segundo Aoki. “Além de dois grandes centros de saúde, eles recuperaram dez centros de saúde em Angola, mas restava um problema porque tinha um pouco mais que 1.500 médicos para uma população de mais de 10 milhões, de acordo com a estimativa da época.”

A necessidade de treinar os poucos profissionais de saúde foi imediatamente constatada e, neste cenário, foi firmado o convênio entre Unicamp e o maior hospital de Angola, o Josina Machel, com cerca de 800 leitos. Em 2004, o convênio foi estendido ao Ministério da Saúde de Angola,  com  início efetivo em 2005.


Extensão

Para Aoki, o convênio com Angola é uma prova de que a extensão universitária pode ganhar território internacional. “O Brasil também precisa de muito. Ainda fazemos pouco ou quase nada. Não depende somente de recursos, depende muito de vontade, organização de serviços. É lógico que envolve recursos, nada se consegue fazer de graça, mas depende muito da organização de trabalhos, formatos de desenvolvimento de trabalhos que possam ofertar extensão para a população de uma maneira geral. A área médica tem o privilégio de fazer isso, mas a própria universidade pode avançar mais. Acho que a Unicamp tem um bom caminho na extensão. Vamos fazendo, e cada um planta um pouquinho. Cada um na sua área. Não vivemos para sempre, então vamos deixar plantada uma semente.”


Veja vídeo produzido pela Preac sobre o projeto

 

Mais sobre o projeto Extensão 48

http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2018/03/27/preac-lanca-extensao-48

 

 

 

 

Imagem de capa JU-online
O médico angolano Job Monteiro Jama António no Laboratório de Neuroimagem do HC da Unicamp | Foto: Reprodução

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