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Da mangabeira, o látex que estimula a formação óssea

Pesquisa da FOP/Unicamp constata que substância extraída da árvore tem importante potencial osteogênico

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O professor Pedro Duarte Novaes, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Unicamp, costuma frequentar o município de Mata de São João, localidade com cerca de 45 mil habitantes situada na região metropolitana de Salvador (BA). Em uma das visitas à cidade, ele ouviu contar sobre o costume dos moradores locais, que extraem, dissolvem em água e ingerem o látex produzido pela mangabeira, árvore que fornece a mangaba, fruta muito apreciada no Nordeste. Segundo o conhecimento tradicional, a substância com aparência leitosa seria “boa para quebradura”, ou seja, preveniria ou auxiliaria na recuperação de fraturas ósseas.

Foto: Antoninho Perri
O professor Pedro Duarte Novaes, coordenador da linha de pesquisa: “O látex respondeu com intensidade aos testes, revelando-se muito promissor”.

Como a curiosidade é um importante combustível para a ciência, Novaes, que coordena linha de pesquisa sobre reparação óssea, resolveu investigar o látex da mangabeira, para verificar se o material de fato tinha as propriedades alegadas pelos moradores de Mata de São João. Os resultados obtidos a partir de experimentos realizados em modelo animal surpreenderam o docente da FOP/Unicamp. “O material respondeu com muita intensidade aos testes, revelando-se bastante promissor”, afirma pesquisador. O estudo foi publicado no Journal Ethnopharmacol pela pesquisadora Juliana dos Santos Neves, orientada do docente.

Nos ensaios desenvolvidos em laboratório, Novaes e sua equipe utilizaram a calvária [osso da parte superior do crânio] de ratos. “Nós começamos fazendo um teste local. Pegamos o látex extraído das mangabeiras de Mata de São João e o misturamos a um gel comum, que é inerte e serviu de veículo. Em seguida, aplicamos essa ‘pomada’ diretamente no periósteo, camada de tecido conjuntivo que envolve a superfície do osso, no caso a calvária”, explica o professor.

De acordo com ele, o periósteo é bastante vascularizado e possui células capazes de se diferenciar em células que produzem matriz óssea. “Dito de forma simplificada, essas células permanecem quietas revestindo o osso. Quando são estimuladas, elas produzem matriz óssea, que é uma matriz de colágeno. Esta, depois de mineralizada, fica dura, formando um osso novo. Nós aplicamos o gel com o látex sobre o periósteo para checar se ele responderia ao material. Para nossa surpresa, ele respondeu com muita intensidade”, relata Novaes.

A espessura do osso onde o material foi aplicado, prossegue o docente da FOP, foi significativamente ampliada. “Com três dias após o início dos testes, nós já pudemos verificar, por meio de imagens em microscopia de luz e eletrônica, a proliferação de células no local. Com cinco dias, identificamos a presença de osso novo. Com 11 dias, esse osso estava mais compacto, bem parecido com o osso antigo. Para avaliar melhor esse processo, nós determinamos um grupo controle, cujas calvárias receberam apenas o gel, sem o látex. Nestas, não verificamos qualquer modificação”, aponta Novaes.

A pesquisa, assinala o professor, deu origem a um pedido de depósito de patente relacionado à “pomada” desenvolvida. “O que podemos afirmar é que o látex se revelou um material muito promissor. Evidentemente, ainda temos que realizar estudos complementares para determinar a viabilidade de chegarmos a um produto comercial no futuro. Nós ainda não sabemos quais são as vias que estimulam a formação óssea e nem quais são exatamente as substâncias presentes no látex que atuam nesse processo. Estas são questões que ainda precisam ser respondidas”.

Atualmente, pesquisas nesta mesma linha continuam a ser realizadas buscando justamente avaliar a participação de determinados fatores de crescimento e de diferenciação osteogênicos que, possivelmente, possam ter sido estimulados nas células do periósteo com a presença do látex da mangabeira. “Neste mesmo estudo, o látex da mangabeira teve seu perfil fitoquímico analisado e compostos como o ácido clorogênico e o naringenin, que na literatura científica são apontados por influenciar positivamente o tecido ósseo, foram identificados na parte líquida do látex. O resultado foi obtido com a colaboração da área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da FOP”, explica o professor Pedro Duarte.

Foto: Antoninho Perri
Ainda são necessários estudos complementares com o látex de mangabeira para viabilizar um fármaco 

Fármaco

Caso as novas investigações evoluam de modo satisfatório, Novaes imagina que o látex possa ser transformado em um fármaco para ser usado, por exemplo, em intervenções para aumentar a espessura do osso. Isso pode ser especialmente útil na área da odontologia, que muitas vezes precisa fazer enxertos ósseos para promover a colocação de parafusos. “Por hipótese, o látex também pode ser aplicado, no futuro, para reparar um defeito ósseo. Imaginemos uma doença cujo tratamento exija a remoção de tecido ósseo. O látex poderia ser utilizado para estimular a formação de osso novo no local”, infere o docente.

Novaes informa que uma orientanda de doutorado está fazendo outra abordagem em relação ao látex de mangabeira. Em vez da aplicação da substância no local, ela está testando, também em modelo animal, como o material se comporta no organismo ao ser ingerido por via oral, como fazem os moradores de Mata de São João. “Nesse caso, temos outros mecanismos envolvidos no processo. Nos primeiros ensaios que fizemos, constatamos que a dureza do osso aumenta, em decorrência do aumento da concentração de cálcio e fósforo”, revela.

Um dos objetivos dos trabalhos desenvolvidos na sua linha de pesquisa, observa o docente da FOP/Unicamp, é chegar a processos e produtos que beneficiem a sociedade. “No caso do látex de mangabeira, acreditamos ser possível chegar a um produto eficiente e de preço acessível, visto que a matéria-prima é obtida a partir de uma espécie nativa que ocorre com abundância no Brasil, principalmente nas regiões Norte e Nordeste”. Novaes ressalta que a extração e uso do material seguiram todos os protocolos estabelecidos pela Lei de Biodiversidade.

Foto: Reprodução (  Geraldo Victorino de França )
O látex da foto de Geraldo Victorino de França é ingerido diluído em água pelos moradores locais

 

 

Imagem de capa JU-online
Pesquisdor com Latex no laboratório

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