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Biota rompe fronteiras e forma legião de mestres e doutores

Programa, que acaba de completar 18 anos, vira referência mundial de pesquisa em biodiversidade

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Ilustração: Luis Paulo SilvaO Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota) é o maior programa brasileiro de pesquisa em biodiversidade e o primeiro a ultrapassar mais de 10 anos de duração, reunindo mais de mil cientistas do Estado de São Paulo. Desde o seu lançamento, em 1999, contribuiu para a formação de mais de 230 alunos em iniciação científica, 200 mestres, 300 doutores e 200 pós-doutores, gerou cerca de 1.400 artigos científicos, publicados inclusive em revistas de grande impacto, entre as quais Science e Nature, e ajudou na elaboração de diversas políticas públicas voltadas para manutenção da biodiversidade.

Hoje são mais de 1.200 profissionais envolvidos – 900 pesquisadores e estudantes de São Paulo, 150 colaboradores de outros Estados brasileiros e 80 do exterior –, que contabilizam um total de 1.642 bolsas e auxílios fornecidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), até o momento.

Foto: Elisa Herkenhoff
Amostras de pesquisa de campo desenvolvida por cientistas da Unicamp no âmbito do Biota: programa envolve, hoje, mais de 1.200 pesquisadores

O Brasil é o país com a maior diversidade biológica do mundo, abrigando entre 15% e 20% do número total de espécies do planeta. Com a degradação contínua desses ambientes naturais, há muita riqueza se perdendo, sem ao menos ter sido conhecida. O Biota financia pesquisas que buscam conhecer, mapear e analisar as origens, a diversidade e a distribuição da fauna e flora brasileira, além de avaliar as possibilidades de exploração sustentável dos organismos de potencial econômico e subsidiar a formulação de políticas de conservação ambiental. Seus estudos abrangem praticamente todos os grupos biológicos, desde microrganismos, até plantas, insetos e baleias.

Atualmente o Biota tem como coordenadores seis cientistas: André Victor Lucci Freitas, do Departamento de Biologia Animal da Unicamp; Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp; Luciano Martins Verdade, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da Universidade de São Paulo (USP), Mariana Cabral de Oliveira, do Departamento de Botânica da USP; Roberto Gomes de Souza Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP; e Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Roberto Berlinck, membro da coordenação do Biota desde 2009, explica que há diversas linhas de pesquisa no Programa, tais como classificação e evolução dos seres vivos, impactos da atividade humana no ambiente e na diversidade biológica, exploração da biodiversidade como fonte de bioprodutos, com destaque para medicamentos, cosméticos e agroquímicos. “O Biota é um programa diversificado e extremamente importante no contexto nacional e internacional, pois mostra a enorme importância da biodiversidade brasileira”, comenta o professor.

Completando 18 anos neste mês de março, o Biota congrega e articula pesquisadores do Estado de São Paulo, de outras regiões do Brasil e do mundo. O Programa introduziu uma nova cultura científica por formar equipes multidisciplinares de pesquisadores, com uma mentalidade de trabalho em projetos integrados, transversais e interinstitucionais, com grande compartilhamento de informações.

O intercâmbio dos resultados das pesquisas em ambiente virtual possibilitou que os dados gerados pelos cientistas ficassem disponíveis não só entre a comunidade científica, mas também para os órgãos formuladores das políticas ambientais e a população em geral, por meio do portal SinBiota, o Sistema de Informação Ambiental do Biota. Por organizar e integrar informações via internet, o Biota foi nomeado ‘Instituto Virtual da Biodiversidade’.

Um longo caminho

A trajetória do Biota remonta ao ano de 1992, quando foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92). O evento teve como um de seus principais resultados a Agenda 21, documento que recomendava o uso sustentável dos recursos naturais, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. A ECO-92 teve papel central nas discussões sobre a importância da conservação da biodiversidade do planeta e contribuiu para a ratificação da Convenção Sobre Diversidade Biológica no Brasil e em outros países.

Em janeiro de 1995, a Secretaria do Meio Ambiente do governo do Estado de São Paulo (SMA), com o objetivo de cumprir com os compromissos assumidos pelo país, criou e implementou o Programa Estadual para Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade (PROBIO-SP) e o Programa Estadual de Mudanças Climáticas (PROCLIMA-SP). Reunindo todos os setores da SMA, os programas visavam traduzir em ações as informações científicas sobre biodiversidade e meio ambiente já disponíveis do Estado. “O programa de biodiversidade conseguiu fazer alguns avanços de legislação na proteção do Cerrado e da fauna ameaçada. Houve, por exemplo, a elaboração de uma lista de espécies ameaçadas”, relata o coordenador Carlos Joly, principal mentor do Programa, coordenando-o desde o seu início, articulando seu planejamento, montagem e implantação. Ainda faltava, no entanto, uma articulação efetiva com a comunidade científica. “Tínhamos muita informação sobre a biodiversidade do Estado. Informação de alta qualidade, produzida por centros de alta qualidade, mas totalmente fragmentadas e dispersas. Então, o uso dos dados para se fazer o aperfeiçoamento de políticas era completamente impossível”, explica. “Isso se somava a uma desconfiança [dos pesquisadores] em se trabalhar com órgãos governamentais”, acrescenta.

Na época, Joly era membro da Coordenação de Ciências Biológicas da Fapesp junto com Naércio Aquino Menezes, professor do Museu de Zoologia da USP. Ambos começaram a discutir a possibilidade de integrar os resultados de pesquisas pontuais sobre a biodiversidade. “Levamos a discussão para o então diretor científico da Fapesp, o professor José Fernando Perez. Em 8 de abril de 1996 ele convocou uma reunião, com cerca de 120 cientistas, a fim de discutir a criação de um programa que buscasse integrar informações e pesquisadores de uma forma mais consistente”, lembra Joly.

A proposta começou a sair do papel com a formação do primeiro grupo de coordenação, composto por 12 pesquisadores. A reunião motivou a criação do Projeto Especial de Pesquisas em Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade no âmbito do Estado de São Paulo, denominado a princípio BIOTASP. “Nesta etapa, elaboramos uma avaliação do que já se conhecia de cada grupo [de organismos], o que deu origem à publicação dos sete livros da série ‘Biodiversidade do Estado de São Paulo: síntese do conhecimento ao final do século XX’”.

Em 1997 foi realizado um workshop em Atibaia com os pesquisadores que há um ano e meio estavam trocando informações e ideias. “Ficou decidida a implementação de um programa com projetos temáticos que integrassem várias instituições, que possuíssem objetivos em comum e colocassem as informações em um banco de dados de acesso público. Ali nasceu a ideia de como estruturar”, informa Joly.

Em maio de 1998, 16 Projetos Temáticos foram protocolados na Fapesp. Finalmente, no dia 25 de março de 1999, o Biota foi criado, inicialmente com perspectiva de duração de 10 anos. Desde então, além da avaliação de cada projeto de pesquisa pela agência financiadora, o próprio Programa é submetido a avaliações por especialistas nacionais e internacionais que não estão diretamente vinculados a ele. “Isso tem sido muito importante porque traz ideias novas. São pesquisadores como nós, mas possuem outras experiências e vivências”, explica Joly.

 

Foto: Antonio Scarpinetti
O professor Carlos Joly, um dos coordenadores do Biota: “O Biota é um programa de pesquisa de alta qualidade, publicando em revistas de alto impacto e também gerando dados que podem ser utilizados para políticas públicas. Como ele, são poucos no mundo”

Dentre os desdobramentos da primeira fase do Biota, dois merecem destaque: o lançamento, em 2001, da revista Biota Neotropica, que publica resultados de pesquisas, associadas ou não ao Programa, que sejam relevantes para a biodiversidade da região Neotropical e a Rede Biota de Bioprospecção e Bioensaios (BIOprospecTA), criada em 2003, que se destina à identificação de moléculas naturais que tenham potencial para o uso econômico.

“Em 2007, chegamos à conclusão de que apesar das informações estarem disponíveis na internet, os tomadores de decisão não estavam utilizando-as. Fizemos um esforço, junto com a SMA e algumas organizações não governamentais (ONGs), e produzimos um mapa de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade. Cruzamos informações das espécies com o mapeamento dos fragmentos para ranquear quais eram as áreas mais importantes. Concluímos que no Estado de São Paulo não bastava só conservar, era necessário restaurar, reconectar fragmentos”, conta Joly.

Então, em 2009, após uma série de avaliações, a vigência do Programa foi estendida para 2020, dando início ao ‘Biota+10’, tendo como plano de trabalho o documento BIOTA/FAPESP Science Plan & Strategies for the next decade. Nesta segunda fase, ele deixou de ter como limite o Estado de São Paulo, passando a abranger todo o território nacional. “Hoje há projetos focados na Amazônia e outros que estão comparando áreas de Mata Atlântica e de Cerrado em diferentes estados”, afirma Joly.

Para o pesquisador, essa nova etapa ampliou possibilidades. “O conhecimento acumulado na primeira fase possibilitou algumas aplicações”. Dentre elas, está a “Restauração” que, incorporada ao nome e objetivos do Biota, inclui ações como a criação e o estabelecimento de corredores reconectando fragmentos de vegetação nativa.

Para o coordenador e mentor, alguns pontos permitiram a viabilidade e sucesso do Programa em São Paulo. “Primeiro, há uma agência de financiamento com pouca ingerência política. O diretor científico tem um mandato independente de quem é o governador ou o secretário. Desde que se produza com qualidade, há uma segurança em se manter o financiamento de médio e longo prazo. Segundo, a existência de uma massa crítica de pesquisadores de alta qualidade atuando na grande área que abrange a caracterização, a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. Terceiro é que já se tinha um sistema de pós-graduação consolidado nas áreas de ecologia, botânica, zoologia, que passaram a submeter projetos e ter seus alunos dentro do Biota”.

A partir dessa experiência, outros programas surgiram, como o Biota Minas, o Biota Mato Grosso do Sul e o Biota Bahia. Em âmbito internacional, nenhum programa similar possui a forte interlocução entre os pesquisadores e as ações de conservação e restauração ambiental. “O Biota é um programa de pesquisa de alta qualidade, publicando em revistas de alto impacto e também gerando dados que podem ser utilizados para políticas públicas. Como ele, são poucos no mundo”, ressalta Joly.

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Foto: Elisa Herkenhoff

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