Foto: Antoninho Perri

Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).

Um texto que não queria que precisasse ser escrito

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Eu, até há pouco tempo, conhecia-o apenas de nome. Como todos na universidade, que se importavam com a ética. Cultivávamos em glebas distantes uma da outra na terra dos saberes universitários. Mas eu admirava os frutos das humanidades de sua gleba e muito tempo depois aprendi o seu apreço pelas matemáticas e ciências naturais da minha gleba. Nos últimos anos sua amizade era um conforto para a ideia de que a terra de todas as ciências não deveria mais ser dividida em lotes. Lia apenas os seus textos curtos, encantado com a tecitura da erudição acessível e o resgate de ideias muitas vezes multimilenares para descortinar as questões do nosso presente com cada vez mais rara lucidez. Era assim, conhecia-o de nome e de leituras rápidas.

Há não muito tempo recebi, no meio de uma caminhada entre pontos distantes do campus da universidade, um convite para escrever uma coluna sobre ciência e coisas afins no Jornal da Unicamp. Lisonjeado, mas temeroso, aceitei o desafio, hoje minha principal atividade de escrita. O compadre que me convidou disse que teria colegas no espaço virtual abraçando outros temas. Levei um susto, quando fui me apercebendo de quem eram esses colegas. Ele era um deles. Assustado, e com uma certa vergonha, fui tocando a minha escrevinhação até que frequente, instigado pelo ambiente da “repartição” onde fui trabalhar parte do tempo com a minha baia em frente a do meu editor. Um dia esse editor me disse que ele, meu velho conhecido apenas de nome, escrevera em mensagem que aprendia com a leitura de minhas colunas. Novo susto e assim conheci sua generosidade. Pedi então o endereço eletrônico desse grande e generoso filósofo, tomei coragem e para minha alegria começamos uma troca de cartas digitadas em telas de computador. Trocas que se tornaram confidências de experiências e vivências, as dele tão mais ricas e intensas do que as minhas. Além disso, compartilhávamos impressões pelo Facebook, lugar onde ele, afora os artigos e entrevistas em diferentes jornais, escritos ou falados e visualizados em movimento, era um ativista das boas e cada vez mais imperativas causas.

Queria então conhecê-lo pessoalmente e propus o seu nome para a abertura de um evento justamente sobre as falsas notícias e seus impactos, antes ainda do inferno que nos assombra há mais de dois anos, inferno que alcançou os últimos círculos dantescos com a pandemia, que o levou. E ele, generoso, aceitou meu convite. Ao nos vermos pela primeira vez, o seu prazer em conhecê-lo foi seguido de um “eu te imaginava mais alto”. À generosidade somou-se o humor, rimos e tivemos oportunidade de rir mais algumas vezes, naquele mesmo dia e nos anos seguintes. Pessoa extremamente sensível, intuiu algumas virtudes do meu pai a partir de algumas postagens minhas na rede social já mencionada. Enviei-lhe então uma crônica sobre meu pai, que nunca publiquei e só ele leu e sugeriu que eu escrevesse um livro, que agora só ficará na minha memória.

Compartilhávamos nossas angústias, ele sempre generoso e sensível, orquestrando as ideias de maneira única. Uma vez, no meio de meu trabalho de amanuense administrativo, recebi o recado de que ele estava do outro lado do campus em visita e queria me ver, se possível. Atravessei esbaforido a distância que nos separava e pudemos almoçar juntos, compartilhando também algumas risadas. Veio a pandemia e os planos de novos encontros foram adiados, agora para sempre. Ainda nos vimos virtualmente, assistindo suas palestras no emaranhado virtual ou participando juntos em uma mesa redonda lá na minha faculdade, novo aceite generoso de um convite. Aceitou recentemente outro convite, feito por outro Roberto, mancebo acadêmico, cujos saberes o Roberto mais experiente reconheceu e elogiou.

Não conheço muito do vasto mundo, mas acredito que poucos influenciaram tanto a tantos. Nosso maior intelectual, palavra que surgiu no século XIX para designar grandes eruditos que acreditam ter o direito e o dever de se mobilizar em defesa dos valores ameaçados. Guardo agora na memória sua tão querida amizade, lembrança que será reavivada pela leitura ou releitura de seus textos, tentando através disso recuperar sua presença e seu guiamento. Obrigado por tudo, Roberto Romano.

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