Prof. Luiz Carlos Dias | Foto: Antonio Scarpinetti

Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.

Momento Histórico: Tem início a vacinação contra a Covid-19 pelo mundo

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Para quem me perguntou no início da pandemia da Covid-19 quando teríamos uma vacina aprovada sendo aplicada na população, eu disse: não antes de julho de 2021. Errei! Neste artigo comentei sobre o porquê do desenvolvimento tão rápido de vacinas contra a Covid-19. Mas ninguém pode negar que 2020 foi um ano sui generis

No dia 08/12/2020, considerado por lá o “Dia V” (de vacinação e de vitória), o Reino Unido iniciou a vacinação de sua população, com uma vacina inédita a base de RNA mensageiro (mRNA), a BNT162b2, a primeira vacina aprovada para uso emergencial com esta tecnologia fantástica.

Momento histórico!

Uma simpática senhora de 90 anos, prestes a completar 91, Margaret Keenan, foi a primeira pessoa a receber a dose. O segundo foi um senhor de 81 anos chamado William Shakespeare. Ambos retornam em 21 dias para a segunda dose. O plano prevê a aplicação de 800 mil doses na primeira semana e a vacinação preferencial de idosos acima de 80 anos, profissionais da área de saúde, moradores de asilos e funcionários. 

Os ministros do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) esperam que tanto a rainha Elizabeth II, que tem 94 anos, como o príncipe Philip (duque de Edimburgo), com 99 anos, ofereçam seus bracinhos para tomar a vacina e influenciar os súditos, o que seria considerado um gesto importante contra o criminoso movimento antivacinação que é forte por lá.

E outros países europeus, assim como os Estados Unidos e Canadá também vão iniciar a vacinação em breve. Ciência, como te amo! Fico chateado de ter errado a previsão? Não, fico muitíssimo feliz. Mas a vacinação começa com uma análise interina, preliminar, de uma fase 3 prevista para ser concluída apenas em...julho de 2021. Sim, a previsão inicial era para a conclusão da fase 3 em julho de 2021 e eu estava mesmo assim sendo muito otimista, pois a vacina precisava mostrar eficácia após um tempo mais prolongado.

Quem for imunizado no Reino Unido vai receber um cartão comprovando que tomou as doses, contendo o nome da vacina, o número do lote e a data de cada dose, com a sugestão de manter o cartão no bolso ou na carteira. Vai servir como um passaporte, podem ter certeza.

Outros países como Estados Unidos, França e Canadá, planejam início da vacinação ainda para 2020, enquanto China e Rússia já vem vacinando alguns grupos prioritários com suas próprias vacinas. Os brasileiros estão acompanhando e se perguntando quando a desejada vacina chegará até nossos braços?

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Enquanto isso no Brasil ...

No Brasil, que ocupa o nada honroso segundo lugar em número de mortos pela Covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, a população brasileira, estarrecida, assiste a uma briga política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória.

O Ministro Eduardo Pazuello (Saúde) afirmou no dia 8/12/2020, em reunião com governadores, que compete ao Ministério da Saúde planejar a campanha de vacinação da população "em todo o Brasil", numa crítica à decisão do governador Dória em iniciar a vacinação no dia 25/01/2020. Outro comentário do Ministro, este que eu ainda estou tentando entender foi: “Se houver demanda e preço, o governo federal irá comprar a “vacina do Butantan”. Demanda? Precisa mais mortes e mais gente infectada e uma quarentena ainda mais prolongada?

O Ministro da Saúde informou ainda que o plano é iniciar a aplicação da vacina de Oxford/AstraZeneca no final de fevereiro de 2021, cerca de 30 dias após a data de 25 de janeiro anunciada pelo governo do estado de São Paulo. Curioso, pois não se sabe quando a vacina de Oxford/AstraZeneca terá seus dados de eficácia em fase 3 divulgados. O plano do Ministério da Saúde vem sendo duramente criticado pelos cientistas do Observatório Covid-19 BR, que afirmam ainda não haver um plano nacional razoável para o combate à Covid-19.

Como o Ministro anunciou que a Anvisa precisa de pelo menos 60 dias para aprovar o uso de qualquer vacina contra a Covid-19, eu imagino que também vá precisar dos mesmos 60 dias para analisar tanto os dados da CoronaVac como da ChAdOx1, a vacina de Oxford/AstraZeneca.

Então, fazendo uma continha de padaria, se os resultados de fase 3 da CoronaVac forem enviados para a Anvisa no dia 15/12/2020, como promete o Butantan e considerando que a análise interina mostre boa eficácia, o governo do estado de São Paulo poderia iniciar a vacinação apenas após o dia 15/02/2020 e não no dia 25/01/2020, como anunciado. E se os resultados de fase 3 da ChAdOx1 não forem divulgados até o final de dezembro, o Governo Federal não poderá iniciar a vacinação no final de fevereiro.

Fato é que estes prazos para início da vacinação não podem ser levados a sério, pois o Ministro da Saúde e o governador do estado de São Paulo, estão colocando datas para início da vacinação, sem ter vacinas aprovadas e autorizadas.

Mas vejam o que está acontecendo na minha santa e bela Santa Catarina, praias lotadas, festas, baladas, e o número de casos e mortes disparando. E o Brasil contabilizando o maior aumento percentual entre os cinco países mais atingidos pelo novo coronavírus nesta semana. Aí, me desculpem, mas estamos em uma pandemia gente, número de casos aumentando significativamente no Brasil, a vacina foi desenvolvida tão rápido, a ciência e os cientistas fizeram a parte mais difícil, em menos de 12 meses temos candidatas vacinais promissoras, e a Anvisa precisa de 60 dias para analisar?

A Covid-19 é uma questão prioritária. Em 60 dias pode morrer muita gente e milhares podem ficar incapacitados. A avaliação do pedido de registro da vacina pela Anvisa pode durar até 60 dias após a submissão, mas acredito que será feito em tempo bem menor. Vejam o que aconteceu no Reino Unido, em que a vacina da Pfizer/BioNTech começou a ser usada em regime de emergência no dia 08/12/2020, menos de 30 dias após os resultados dos estudos serem enviados à análise da agência de vigilância local.

Eu confio no corpo técnico da Anvisa, que eu penso que não vai se curvar a questões políticas, mas me preocupa a direção da agência, aparelhada ao governo federal.

Nesta enorme confusão que virou Pindorama, 11 estados e o Distrito Federal pretendem seguir o que definir o Ministério da Saúde e vão aderir a vacinas incorporadas ao PNI. Os 11 estados são Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Goiás, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins.

Os estados do Ceará, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, em princípio, pretendem adotar a CoronaVac, junto com o estado de São Paulo. Os estados da Bahia e Minas Gerais, em princípio vão tentar negociar diretamente com os desenvolvedores de vacinas. Outros estados não se manifestaram.

O que esperar em 2021

O ano de 2021 será das grandes campanhas de vacinação em massa, pois teremos em algum momento, uma sobreposição entre as campanhas de vacinação da Covid-19 e da gripe (que deve começar em abril). O Plano Nacional de Imunizações (PNI) tem que se preparar para campanhas paralelas, que podem sobrecarregar as salas de atendimento, lotar as geladeiras dos postos de vacinação, trazer problemas logísticos na distribuição e transporte das diferentes vacinas.

E não podemos esquecer que temos observado surtos de sarampo no país em virtude da queda na cobertura vacinal de nossas principais vacinas do calendário. Nós temos a febre amarela, poliomielite, caxumba e outras doenças infecciosas que despertam cuidados.

Teremos seringas, agulhas, algodão, gaze, geladeiras, luvas descartáveis, caixas térmicas, sacos plásticos e embalagens em quantidades suficientes? Há espaço nas câmaras de refrigeração? E a logística de entrega das centenas de milhões de doses? Tudo indica que 2021 será uma verdadeira prova de fogo para o nosso experiente Plano Nacional de Imunizações e para o nosso combalido, mas super valoroso, Sistema Único de Saúde (SUS). 

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Afinal, teremos a vacina da Pfizer/BioNTech no Brasil?

A Pfizer vendeu para o México, Chile, Peru, Costa Rica e Equador, 59,4 milhões de doses da vacina contra a Covid-19. A União Europeia comprou 300 milhões de doses, o Reino Unido mais 40 milhões, o Japão comprou 120 milhões, que somam quase 520 milhões de unidades vendidas. Os Estados Unidos compraram 100 milhões de doses e devem comprar mais 500 milhões de doses. Incrível!

O Ministro Pazuello mudou de ideia quanto à vacina da Pfizer/BioNTech e informou no dia 08/12/2020 que o Ministério da Saúde (MS) assinou uma carta de intenções para a compra de 70 milhões de doses da vacina produzida pela Pfizer/BioNTech, que seriam entregues em 2021. O Ministério da Saúde deve investir na compra de câmaras de refrigeração para adequar a rede de frio para armazenamento no caso de compra da vacina da Pfizer/BioNTech. Sou fã da plataforma de RNA mensageiro da vacina, apesar da questão logística relacionada à temperatura de -70 graus Celsius para armazenamento.

Mas como a gente morre de Covid-19 no Brasil, mas não de tédio, o Ministro informou no dia 09/12/2020, que a vacinação em caráter emergencial no país pode até começar em dezembro ou janeiro, desde que a Pfizer consiga entregar as doses encomendas no acordo de intenções. Aí tem. Antes a vacina da Pfizer não servia, por questões relacionadas a cadeia de frio e preço, mas agora serve, nem que seja para começar a vacinar a população antes que o governador de São Paulo.

E no meio desta bagunça, a população brasileira fica perdida e quem escreve esta coluna fica incrédulo...e perdido também...Mas aí eu lembro que neste país temos uma Constituição, que nos Artigos 6º, 196, 197 e 198, diz que a saúde é direito dos brasileiros e dever do Estado. Então, todos os brasileiros têm direito à saúde e o governo federal tem dever e obrigação de garantir.

E falando em vacinação em São Paulo ...

O governador do Estado de São Paulo, anunciou no dia 07/12/2020, o Plano Estadual de Imunização (PEI) contra a Covid-19, com a primeira dose da CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, sendo ministrada com início para o dia 25/01/2021 e a segunda dose a partir do dia 15/02/2021. O início da vacinação foi marcado mesmo sem o Butantan ter a vacina aprovada em fase 3, com garantia de segurança e eficácia.

O plano prevê vacinar primeiro profissionais da área de saúde e maiores de 60 anos e grupos vulneráveis como indígenas e quilombolas, caso a CoronaVac seja aprovada e autorizada pela Anvisa. O plano, bastante ousado, prevê a vacinação de 9 milhões de pessoas na primeira fase e que as vacinas serão gratuitas para a população, não só do Estado de São Paulo.

Os resultados preliminares do estudo clínico de fase 3 da Coronavac (primeira análise interina) devem ser divulgados nos próximos dias e caso mostre a eficácia que todos esperamos e torcemos muito, o governo de São Paulo vai solicitar o seu registro e um pedido de aprovação emergencial à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Não existe vacinação em massa sem aprovação da Anvisa, que esperamos, seja autônoma, independente, republicana, isenta e atue em benefício dos interesses da população brasileira, não de políticos do governo federal ou estadual. O governo de São Paulo anunciou este plano para vacinar a população do estado, mas espera também que a CoronaVac seja incorporada ao Programa Nacional de Imunização (PNI), que existe há 47 anos (foi criado em 1973) e entre no calendário nacional de vacinação.

O plano prevê ainda as seguintes fases de vacinação:

  1. pessoas com 75 anos ou mais a partir do 08/02/2020, com a segunda dose a partir de 01/03/2020.

  2. pessoas com 70 a 74 anos, a partir do 15/02/2020, com a segunda dose a partir de 08/03/2020.

  3. pessoas com 65 a 69 anos, a partir do 22/02/2020, com a segunda dose a partir de 15/03/2020.

  4. pessoas com 60 a 64 anos, a partir do 01/03/2020, com a segunda dose a partir de 22/03/2020.

O governo paulista informou que fará uma ampliação significativa dos locais de vacinação, dos atuais 5.200 para 10.000, com a inclusão de farmácias, quartéis da Polícia Militar, escolas durante os finais de semana, terminais de ônibus, estações de trem e um sistema de drive thru. Embora os municípios paulistas possam definir suas estratégias, os horários de vacinação durante os dias da semana serão das 7h às 22h e das 7h às 17h nos finais de semana e feriados.

O governador do Estado de São Paulo anunciou também que o estado possui estoque de agulhas, seringas e equipamentos de proteção individual necessários e que 4 milhões de doses da CoronaVac serão destinadas para a imunização de profissionais da área da saúde de outros estados, entre as 46 milhões de doses que o estado planeja ter à disposição em janeiro. Segundo o governo de São Paulo, a CoronaVac não estará disponível em clínicas particulares, mas estas podem participar como locais de vacinação, gratuitamente e de forma voluntária.

A faixa de 60 anos foi definida como inicial, pois cerca de 77% das 42,5 mil mortes por Covid-19 no estado de São Paulo foram nessa faixa etária. Como pessoas acima de 60 anos foram incluídas no plano inicial de vacinação, mas ainda não há qualquer indicação de que a CoronaVac proteja este grupo, o plano pode vir a sofrer alterações. Ter um plano é ótimo, mas ter um calendário sem ter vacina, pode trazer prejuízos, principalmente levando ao relaxamento por parte da população, nas medidas não farmacológicas de combate à Covid-19.

O ideal seria esperar os resultados da análise interina da fase 3 que envolve 13.000 voluntários, para definir o melhor plano. Não dá para questionar o plano, mas sim a data cravada no dia do aniversário de 467 anos da cidade de São Paulo, 25/01/2021, feriado municipal na capital paulistana.

Melhor seria ter colocado outro dia como a data prevista, pois depende de autorização da Anvisa, embora a agência possa conceder autorizações temporárias e emergenciais para aplicação em alguns grupos da população, mesmo que essas vacinas não tenham registro. Trata-se do “Guia sobre Requisitos Mínimos para submissão de Autorização Temporária de Uso Emergencial, em caráter experimental, de vacinas Covid-19” (Leia aqui). 

O problema é a expectativa que cria na população. A Anvisa informou que não recebeu os dados dos estudos da fase 3, que confirma a segurança e a eficácia e são essenciais para a avaliação do pedido de autorização de uso emergencial, mas o Governo de São Paulo diz que o relatório completo será enviado no próximo dia 15.

Todas as vacinas aprovadas em fase 3 e autorizadas pela Anvisa deveriam ser incorporadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) para ampla distribuição para toda a população brasileira. Caso a CoronaVac não seja incorporada ao PNI pelo Ministério da Saúde, será um acontecimento inédito na história das vacinações em massa no Brasil. Nós presenciaremos eventos de campanhas paralelas em alguns estados brasileiros, o que certamente afetará a campanha de vacinação em massa, podendo acarretar uma cobertura vacinal menor.

Lamentável sob todos os aspectos se isto acontecer, tanto para o PNI, como para o SUS e para a população brasileira, que está sendo vítima de dois projetos de poder mesquinhos e egoístas. Vamos torcer para que o SUS não saia enfraquecido. Além do estado de São Paulo e outros estados brasileiros, quatro países planejam usar a CoronaVac contra a Covid-19, China, Chile, Indonésia e Turquia. E no momento, resta torcer para que a CoronaVac se transforme de fato em uma vacina, porque ainda não é.

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Restrições da Vacina Pfizer/BioNTech

A Pfizer já tinha divulgado um protocolo com restrição para grávidas e mulheres amamentando, que não devem usar a vacina. No dia 09/12/2020, a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) do Reino Unido, emitiu nota alertando que pessoas com histórico de reação alérgica significativa a vacinas, medicamentos ou alimentos, com histórico de reação anafilactóide [semelhante à anafilaxia] ou pessoas que precisam carregar um auto injetor de adrenalina, não devem tomar a vacina da Pfizer/BioNTech.

Outra indicação é que a vacinação seja realizada apenas em instalações onde existam medidas de reanimação. Houve dois casos de reações alérgicas ao imunizante, com dois funcionários do NHS (sistema de saúde do Reino Unido), mas os pacientes passam bem. Isto poderia ter sido detectado em estudos de fase 3, mas aparentemente nenhum voluntário no grupo vacinal apresentava este histórico de alergias severas. Vacinar o mundo real é sempre diferente e desafiador.

Graus de proteção de uma vacina

Nós temos um sério problema de saúde pública com a Covid-19, não temos nenhuma alternativa de tratamento eficaz disponível, nada que impeça o espalhamento do vírus e a progressão da pandemia, então precisamos de vacinas que protejam pelo menos parte da população, sem causar efeitos colaterais indesejados que anulem os ganhos com a vacinação. Uma boa vacina ou um bom imunizante, aquele que nós sonhamos e desejamos todos os dias, pode apresentar basicamente um destes três graus de proteção:

  1. Prevenindo totalmente a infecção pelo SARS-CoV-2, impedindo a entrada do vírus em nosso organismo, levando à chamada “imunidade esterilizante”;

  1. Não impedir a infecção ou não impedir a capacidade de transmitir o vírus para outras pessoas, mas impedir as pessoas infectadas de ficarem doentes. Neste caso, o vírus até consegue entrar no organismo, mas a vacina protegeria contra a manifestação dos sintomas;

  1. Não impedir nem a infecção pelo vírus e nem a Covid-19, mas impedir o desenvolvimento de um quadro mais grave da doença, evitando hospitalizações e mortes.

Então, neste ponto, nós realmente não sabemos se “eficácia em fase 3” significa completa proteção e imunidade, se a pessoa “imunizada” ainda pode transmitir a doença ou se protege contra os efeitos mais graves da Covid-19. E não conhecemos a memória imunológica que a vacina vai deixar e qual a duração da reação do sistema imunológico.

Até o momento, nenhum dos laboratórios desenvolvedores de vacinas divulgou qual é o grau de proteção de suas candidatas vacinais. Apenas quando os resultados preliminares de fase 3 forem divulgados em revistas de circulação internacional, os dados estarão à disposição para avaliação pela comunidade científica mundial. Mas certamente nós vamos precisar de um tempo pós-imunização para termos essa resposta. Apenas com a vacinação em massa, com alta adesão por parte da população mundial, as chamadas medidas não-farmacológicas, como o distanciamento social, hábitos de higiene pessoal e o uso de máscaras, poderiam ter suas intensidades reduzidas. Mas mesmo com vacinas teremos que usar máscaras por um bom tempo, pois apenas no primeiro caso, de “imunidade esterilizante” para todos, as medidas não farmacológicas poderiam ser eliminadas.

Se uma vacina esterilizante estiver à disposição e se for eficaz para idosos e populações vulneráveis e com maior risco de contrair a Covid-19, estes grupos devem ter prioridade. Se nós tivermos limitação em termos de doses, é mais importante que uma vacina esterilizante seja preferencialmente aplicada em idosos e grupos de risco (desde que proteja estes grupos). Numa situação de pandemia, tendo uma ótima vacina, com mais de 90% de eficácia, mesmo que seja mais cara e tenha problemas de logística a serem resolvidos necessitando ser armazenada a baixas temperaturas, vale a pena a aquisição.

Nós não podemos negar que o futuro de vacinação está nas vacinas que envolvem plataformas com adenovírus ou RNA mensageiro. Há fatores logísticos que devem ser considerados, como temperatura de conservação, facilidade de manipulação e dificuldade de logística para lugares mais remotos, para evitar perda de eficácia, mas precisamos readaptar a cadeia de frio e as questões logísticas. O futuro é logo ali e nós vamos aprender muito com as primeiras vacinas desenvolvidas e aplicadas na população.

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CONFIRA A ATUALIZAÇÃO DO ANDAMENTO DOS TESTES

Eficácia da BNT162b2

A Pfizer anunciou mais detalhes sobre a eficácia de 95% observada com a sua candidata vacinal na primeira análise preliminar realizada. Segundo a empresa comunicou, esta eficácia de 95% foi alcançada, pois do total de 8.000 voluntários no ensaio clínico, foram observados 162 voluntários infectados no grupo de 4.025 pessoas que recebeu o placebo (4,02%) e 8 voluntários infectados no grupo de 3.975 que recebeu a vacina (0,20%). Chega-se à eficácia ao fazer a continha: [1 – (0,20/4,02)] x 100. Isto quer dizer que ao tomar a vacina, 95% ou 3.776 pessoas do grupo de 3.975 voluntários que recebeu a vacina estaria protegido.

Oxford/AstraZeneca

A candidata vacinal de Oxford/AstraZeneca teve os resultados preliminares de fase 3 publicados na revista médica The Lancet. O estudo foi randomizado e usou a vacina MeningoACWY como placebo. A publicação confirma a segurança e a eficácia média do imunizante de aproximadamente 70%, podendo chegar a cerca de 90%, dependendo da dose, conforme divulgado em novembro de 2020 através de conferência de imprensa. Os testes em fase 3 envolveram 23.848 voluntários (cerca de 80% do total) com idades entre 18 e 55 anos no Reino Unido, Brasil e África do Sul.

Nos voluntários que receberam duas doses inteiras, a eficácia da vacina foi de 62,1% (27 voluntários infectados [~0,6%] do total de 4440 voluntários no grupo que tomou a ChAdOx1 nCoV-19 versus 71 voluntários infectados [~1,6%] do total de 4455 voluntários no grupo placebo. Isto leva a eficácia de 62,1% calculada através da fórmula [1 – (0,6/1,6)] x 100, sem considerar os arredondamentos.

Nos voluntários que receberam uma meia dose seguida por uma dose inteira, a eficácia foi de 90,0% (3 voluntários infectados [~0,2%] do total de 1367 voluntários no grupo que tomou a ChAdOx1 nCoV-19 versus 30 voluntários infectados [~2,2%] do total de 1374 voluntários no grupo placebo. Isto leva a eficácia aproximada de 90% calculada através da fórmula [1 – (0,2/2,2)] x 100, sem considerar os arredondamentos.

A eficácia geral da vacina em ambos os grupos (duas doses inteiras e meia dose + dose inteira) foi de 70% (30 voluntários infectados [~0,5%] do total de 5807 voluntários no grupo que tomou a ChAdOx1 nCoV-19 versus 101 voluntários infectados [~1,7%] do total de 5829 voluntários no grupo placebo. Isto leva a eficácia próxima de 70% calculada através da fórmula [1 – (0,5/1,7)] x 100, sem considerar os arredondamentos. No período de 21 dias, entre as duas doses, houve 10 casos hospitalizados por COVID-19, todos no grupo placebo de controle; 2 classificados como COVID-19 grave, incluindo um óbito.

SPUTNIK V, a vacina da Rússia

A Rússia, primeiro país a registrar uma vacina contra o novo coronavírus, começou na última semana de novembro de 2020, a vacinação gratuita e de forma voluntária contra o coronavírus, com a candidata vacinal Sputnik V, imunizante desenvolvido pelo Centro de Pesquisas Gamaleya. A etapa inicial envolve a imunização de cidadãos de Domodedovo (próxima a Moscou) expostos ao vírus, como assistentes sociais, trabalhadores da área de saúde e professores. A Rússia informou já ter vacinado 100 mil pessoas e pretende imunizar 2 milhões até o final de dezembro. Dos 100 mil vacinados, 20 mil pertencem ao grupo que está participando do ensaio clínico de fase 3 e cerca de 80 mil não fazem parte do estudo clínico. A Sputnik V ainda está em fase 3 de ensaios clínicos com 40.000 voluntários e uma análise interina com apenas 40 voluntários mostrou eficácia de 92%, de acordo com resultados preliminares.

MODERNA

A empresa americana de biotecnologia MODERNA informou através de comunicado para a imprensa no dia 03/12/2020, que pretende disponibilizar entre 100 e 125 milhões de doses de sua candidata vacinal de RNA mensageiro (mRNA) contra a covid-19 ainda no primeiro trimestre de 2021, sendo que 20 milhões de doses já estarão disponíveis no fim de 2020 para os Estados Unidos. A empresa pretende fabricar cerca de 1 bilhão de doses em 2021.

A candidata vacinal da MODERNA apresentou 94,1% de eficácia em estudo preliminar de fase 3 e a empresa afirma que os dados mostram ainda 100% de eficácia na prevenção de doenças graves causadas pelo novo coronavírus. Vamos aguardar a publicação dos resultados de fase 3 para conferir, torcendo para que seja isso aí mesmo. A MODERNA nunca colocou uma vacina no mercado, mas a tecnologia de mRNA é fantástica.

Vacinação em clínicas privadas no Brasil

Segundo a ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas), as clínicas particulares de vacinação só devem receber as primeiras doses de vacinas contra a Covid-19 no segundo semestre de 2021 ou depois, pelo fato que as empresas desenvolvedoras de vacinas estarem negociando apenas com o setor público dos vários países e que grupos de risco devem receber as vacinas primeiro. Apenas com a aprovação de mais vacinas, as clínicas particulares poderão receber suas doses. Aliás, o Plenário do Senado aprovou no dia 03/12/2020, o projeto de lei (PL 4.023/2020), que prioriza o SUS na compra e distribuição de vacinas aprovadas contra a Covid-19 até atingir a meta de cobertura nacional da vacinação. O PL ainda será avaliado na Câmara dos Deputados. O PL não torna a vacinação obrigatória em território nacional, mas garante que a vacina seja gratuita para os brasileiros que desejarem se vacinar.

Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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