Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

O Brasil e a universidade sob novas lentes

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Ilustração: Luis Paulo SilvaO retorno ao Brasil não é nada fácil. Três meses se passaram desde que desatei os laços construídos em Vancouver, encaixotei – mais uma vez – a vida e cheguei em terra brasilis para encarar novos – e cada vez maiores – desafios, agora sob o olhar ainda mais crítico sobre o meu país. O momento não é nada favorável, portanto, fácil seria deixar o desânimo tomar conta e paralisar para as impossibilidades que se abrem.

A greve dos caminhoneiros em junho, as pesquisas e resultados eleitorais, a violência no trânsito e nas palavras, a burocracia, os serviços públicos deficitários, a falta de recursos, o alto custo de vida e o incêndio que extinguiu parte importante de nossa memória no rico acervo do Museu Nacional, de relevância mundial, são acontecimentos que recepcionaram a minha volta.

Por outro lado, os inúmeros aprendizados, as energias renovadas, ideias para abrir frentes de trabalho, os reencontros com tudo que me era familiar, o conforto do português e de nossos bons costumes, o sol, o céu azul, as mudanças institucionais e a nova valorização da divulgação científica trazem um pouco de otimismo à mudança.

O período no Exterior, ao contrário do que muitos imaginam, não é apenas cor-de-rosa. Mas nos obriga a transpor barreiras, a descobrir novos limites de atuação e a conhecer outras práticas e costumes na universidade e na cultura. Parte dessa experiência acredito ter partilhado com os leitores deste Diário de Vancouver ao longo de 15 colunas escritas durante um ano e meio. Trago a seguir algumas questões que julgo centrais na minha atuação como pesquisadora e divulgadora científica e que gostaria de exemplificar como parte deste exercício sobre as nossas práticas.


Universidade aberta

A universidade tem papel-chave no incentivo à divulgação científica, à comunicação mais efetiva entre ciência e sociedade, e na mudança de uma cultura científica desde a formação dos futuros cientistas. No Canadá, o projeto que mapeia os divulgadores científicos nas redes sociais, do qual participo, demonstra que há grande atividade direta ou indiretamente (ex-alunos, por exemplo) relacionado a universidades que investem em uma cultura de divulgação científica em Toronto, Montreal, Ottawa, Calgary e Vancouver. As cidades abrigam grandes universidades com projetos de comunicação que incubaram ou colaboram com atividades como o 3-minute thesis, cafés científicos, feiras e festivais de ciência, como abordei em minha coluna em maio de 2017. Tome-se o exemplo do incrível Beakerhead, que nasceu na Universidade de Calgary em 2013 e hoje é um dos maiores e mais criativos festivais que anualmente reúne ciência, arte e cultura. O Beakerhead terminou no último dia 22 de setembro. 

Fotos: Germana Barata
Três eventos de divulgação científica que ocorrem em Vancouver com frequência, da esq. para a dir.: Nerd Nite levando especialistas, com humor e conhecimento, para o bar; Ciência dos Coqueteis no Museu Science World; e Science Slam que reúne alunos de pós-graduação para contar sobre sua pesquisa em 5 minutos em um café da cidade

As universidades canadenses de ponta também são bastante ativas nas redes sociais, incentivando um diálogo com os estudantes, a comunidade e a sociedade de modo geral. Veja, por exemplo, o Instagram da University of British Columbia (@universityofbc) com mais de 40 mil seguidores, a página do Facebook da University of Toronto, com mais de 410 mil seguidores, ou a página da Université de Quebéc no Twitter (@UQAM) com quase 30 mil seguidores. No Brasil, há maior presença no Facebook, pouca no Twitter e quase nenhuma no Instagram, rede social que mais cresce entre jovens de 18 a 34 anos, faixa etária de nossos alunos de graduação e pós.

Nesse sentido, acho que podemos fazer mais para capacitar, motivar e inspirar cientistas, alunos e interessados em reforçar a comunicação e o diálogo sobre a ciência com a sociedade e mídia. Isso não quer dizer que não hajam belos projetos e atividades sendo realizados pela minha universidade. Poderia aqui citar a incrível Universidade de Portas Abertas, as Olimpíada Nacional de História do Brasil , a atuação e os produtos de longa data do Labjor/Nudecri (entre eles as revistas Ciência e Cultura, ComCiência, o programa de rádio Oxigênio, os cursos de mestrado e especialização em divulgação científica e jornalismo científico entre outros), a consistente comunicação coordenada pela Secretaria de Comunicação realizada no Portal da Unicamp, Jornal da Unicamp, Rádio e TV Unicamp, para citar apenas algumas iniciativas de peso. Mas por estarmos entre as melhores da América Latina e do mundo, e ser esta uma instituição pública de excelência, podemos iniciar um movimento ainda mais intenso de divulgação científica.


Simplificação dos processos acadêmicos

No campo da pesquisa, vivenciei processos bastante simples que tornam o cotidiano acadêmico mais produtivo. Entre eles poderia citar as apreciações do comitê de ética de pesquisas consideradas de baixo risco. Por duas vezes submeti pedidos de pesquisas que envolviam questionários online anônimos aos comitês de ética do Brasil e do Canadá e, em ambos os casos, as diferenças foram gritantes. No Brasil o questionário para verificar como acadêmicos usam as redes sociais levou 4 meses para ser aprovado, depois de algumas idas e vindas e, no Canadá, 28 dias, depois de ajustes. Outros dois questionários podem reforçar que não se trata de má sorte, mas de diferentes tratamentos dados aos projetos submetidos. Enquanto minha aluna de mestrado esperou 8 meses! por uma aprovação, depois de inúmeras idas e vindas, outro questionário ligado ao projeto de mapeamento dos divulgadores científicos do Canadá levou 2 meses para ser aprovado.

Fotos: Germana Barata
Prédio Harbour Centre, que abriga a Simon Fraser University onde trabalhei por 19 meses em diferentes momentos do ano

Sem aprovação, a pesquisa fica parada, prejudicando muito nossa atuação. Fato é que os comitês passaram a julgar a ética de pesquisas das ciências humanas recentemente no Brasil, mas trouxeram o rigor dos comitês que lidam com pesquisas que envolvem riscos como as de testes clínicos em humanos. É preciso avançar neste quesito.

A experiência de escrever e submeter um projeto a edital em nível nacional também nos traz um bom ponto de reflexão. Entre a submissão e a aprovação de proposta para a SSHRC (Social Sciences and Humanities Research Council), no Canadá, foram dois meses e a proposta, em si, composta por cinco densas páginas que tratam dos objetivos, originalidade e contribuição para o conhecimento, descrição sobre a parceria e o papel de cada um, o contexto, metodologia, resultados esperados, estratégias de divulgação e impactos esperados dos resultados. Adicionam-se a isso, as referências bibliográficas, o orçamento e as cartas de compromisso de cada parceiro e tem-se uma proposta enxuta e clara do que pretende ser feito. No Brasil, considero que os projetos que submetemos ainda são bastante extensos, seguindo as orientações de nossas agências de fomento.

E a simplicidade e funcionalidade se refletem também nos concursos para contratação de professores nas universidades canadenses. Nada de volumosos memoriais impressos entregues em caixas no momento da inscrição, mas um currículo, uma carta de intenções (cover letter), cartas de recomendações, na primeira fase, e na segunda, nada de sorteio de tema de aula 24hs antes da exposição, mas uma semana para preparar um tema de sua competência e familiaridade, mais próximo de uma situação real que enfrentamos na academia. Tudo online, sem ter que comprovar que tudo aquilo que consta no currículo foi realmente realizado.


As lentes de aumento

As novas lentes adquiridas com a experiência no Exterior também produzem o efeito inverso, e nos permitem enxergar e valorizar as experiências nacionais. Pesquisar a história da divulgação científica no Canadá me permitiu também valorizar o know-how e os investimentos que temos feito no Brasil. Aqui a rica produção em divulgação científica voltada para a população ganha, de longe, da produção canadense. Há muitas publicações gratuitas realizadas por agências de fomento, ou instituições de pesquisa e ensino como a Pesquisa Fapesp, ComCiência, Ciência e Cultura, Ciência Hoje, Minas Faz Ciência, para citar apenas alguns exemplos - ou aquelas encontradas nas bancas, como é o caso da Superinteressante, Galileo, Scientific American Brasil e Cérebro & Mente e a Mundo Estranho.Com exceção das publicações da província de Quebec, com mais tradição em divulgação, as demais regiões contam com títulos estadunidenses que cruzam a fronteira às vezes com uma seção dedicada ao Canadá.

Maturidade na publicação, debate e treinamentos em divulgação científica também destacam nossa atuação em relação ao país da América do Norte.

No campo das publicações de acesso aberto temos o SciELO, que acaba de completar 20 anos, e se consolida como um dos principais indexadores desta natureza no mundo. O Brasil é o país com maior percentual de revistas científicas em acesso aberto, motivos pelo qual deveríamos nos orgulhar! No Canadá há esforços nessa direção, mas ainda muito a ser conquistado, embora tenham incríveis projetos que auxiliam a expansão do AA pelo mundo como a ferramenta de busca de artigos, o Unpaywall, e o software que fornece toda a infraestrutura necessária para que as revistas – sobretudo do Brasil – sejam publicadas neste tipo de acesso, o Open Journal Systems (OJS, chamado de SEER no Brasil), tema que tratei em minha coluna em maio do ano passado.


Recomeços

Quantas histórias ainda por compartilhar sobre a bela Vancouver e o Canadá, país tolerante e mais aberto à sustentabilidade, às diferenças culturais e ao coletivo. Trouxe muito de ambos em minha bagagem e por que não compartilhar na prática também seus aprendizados? Encerro aqui a coluna Diário de Vancouver com a certeza de que virão outros Diários, que poderão compartilhar, como fiz, as ricas experiências no exterior, com as quais temos muito a aprender e refletir. Adianto que meu Diário de Vancouver será transformado em livro, no qual estará recheado de outras histórias e imagens para ilustrar parte de minha memória.

Foto: Germana Barata
Acima, meu grupo de trabalho na SFU com os quais tive intensas trocas acadêmicas e, para além disso, se tornaram grandes amigos; abaixo, time de divulgadores científicos no Canadá, muitos dos quais atuam nas redes sociais e figuram no projeto de mapeamento que estamos concluindo; entre eles estão também colaboradores de pesquisa e amigos como Alexandre Schiele, ao meu lado na foto à esquerda, e Michelle Riedlinger, de preto na foto à direita

Deixo aqui meu agradecimento aos amigos, familiares (sim, descobri que tenho primos brasileiros no Canadá!) e colegas de Vancouver, pela acolhida, aprendizado e oportunidades, sem os quais minha estadia e de minha família não teria sido tão rica.

Obrigada também aos meus colegas do Labjor/Nudecri pelo apoio, ao Álvaro Kassab, editor deste Jornal da Unicamp, que me incentivou a compartilhar minha experiência em forma de coluna, e à Fapesp, sem a qual nada disso teria sido possível de forma tranquila.

 

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