Foto: PerriAntônio Márcio Buainain é graduado em Direito (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Economia (Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro), com especialização em Economia Política (Birkbeck College, Universidade de Londres), mestrado em Economia e Sociologia (Universidade Federal de Pernambuco) e doutorado em Economia (Instituto de Economia da Unicamp). É professor livre docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), do Grupo de Estudos em Organização da Pesquisa e Inovação (GEOPI), vinculado ao Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, e do Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente (NEA), vinculado ao IE. Entre os livros que editou, destaca-se o “O mundo rural no Brasil do Século 21: a formação de um novo padrão agrícola e agrário”, lançado em 2014, e que já se transformou em obra de referência sobre o desenvolvimento da agricultura e do mundo rural brasileiro. Em 2015 coeditou o livro “Propriedade Intelectual e Inovações na Agricultura”, vencedor do 2o lugar no 55o Prêmio Jabuti na categoria Economia, Administração, Negócios, Turismo, Hotelaria e Lazer.

 

Finalmente uma inovação brasileira: as patentes de 2ª classe

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Foto: Reprodução

Importa dizer que, a despeito de controvérsias tão intensas quanto inconclusivas, as  patentes sempre foram associadas à inovação tecnológica. Para uns, são essenciais para estimular as inovações em geral; para outros, ajudam, mas nem tanto; e para uns poucos, as patentes bloqueam as inovações e têm atuado para restringir até mesmo o acesso a informações científicas, antes publicadas em artigos acadêmicos e divulgadas livremente e hoje retidas pelas universidades e instituições de pesquisa para viabilizar pedidos de registros de patentes.

Buainain, Bonacelli e Mendes (2015)* sustentam que, independente da polêmica, os títulos de propriedade intelectual (PI), dentre os quais se destaca a patente, são relevantes porque protegem a riqueza/patrimônio intangível, que é hoje muito mais importante do que a riqueza/patrimônio materializada em terras, fábricas, prédios, máquinas. Argumentam ainda que as evidências disponíveis confirmam que em muitos setores a patente desempenha de fato papel central na mobilização de capitais para financiar P&D, e que o mau funcionamento do sistema de proteção da PI reduz os incentivos para investir em inovação: sem proteção, os produtos/serviços inovadores sofreriam a concorrência desleal de copiadores e falsificadores.

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), responsável pelo registro de patentes no Brasil, é associado às pilhas de pedidos de patentes que se acumulam, ano após ano, em suas prateleiras, o chamado backlog. A introdução, em 2013, do pedido por meio digital resolveu o problema de falta de prateleira, mas não o do atraso. No final de 2015 eram mais de 231 mil pedidos em análise. Estima-se que o tempo médio para aprovação de uma patente seja de  10,9 anos. Ainda que faltem avaliações precisas, ninguém discorda de que este atraso provoca grande prejuízo para o país. Dado o ritmo acelerado das inovações tecnológicas, parte dos pedidos estará caduco quando forem aprovados, e as patentes já não terão nenhum valor de mercado e nem justificarão investimentos que geram renda, emprego e desenvolvimento.

Não é possível detalhar aqui como se chegou a este quadro. É possível que o INPI seja mais vítima que vilão: quadro de funcionários insuficiente, carreira mal definida e pouco estimulante, atraso tecnológico, infraestrutura de TI precária e legislação que favorece o alongamento do processo de análise são fatores que atenuam sua responsabilidade pela situação, embora não o eximam inteiramente. Mas o fato é que, mesmo não o sendo, o INPI tem aparecido como o vilão, e todos sabemos que neste mundo de pós-verdades parecer é muitas vezes mais importante do que ser. Tudo indica que o INPI cansou-se do papel de vilão e resolveu acabar com o backlog. Por decreto, aprovando uma solução extraordinária para agilizar a concessão das patentes e desta forma reduzir o número de pedidos pendentes. Esta solução está em consulta pública até o dia 31 de agosto. No corredores de Brasília ouve-se que já está tudo decidido. Crédulo que sou, acredito que a consulta seja para valer e por isto manifesto aqui minha opinião: a solução é mesmo extraordinária, no sentido de absurda.

A ideia é extraordiariamente simples: atendidas algumas exigências burocráticas básicas, o pedido de patente seria deferido e a carta de patente expedida sem qualquer análise de mérito. Extraordinário! Não importa se o pedido atende ou não aos três princípios básicos que dão origem e justificam a concessão da patente --novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Desde que o depositante opte pelo procedimento simplificado receberá, em poucos dias, a carta de patente.

Se colocada em prática tal medida, o INPI estaria criando patentes de 1a e de 2a classe, com qualidade e conteúdo diferenciado, mas com valor jurídico indiferenciado: ambas são patentes que garantem ao detentor o monopólio da exploração econômica do objeto protegido. A concessão de patentes sem análise de mérito é um procedimento tão absurdo quanto seria a concessão de títulos de propriedade de terra sem saber, primeiro, se a área existe de fato, e segundo, se já está ocupada e se já é ou não objeto de propriedade de outrem. E sem analisar o conteúdo do pedido, no limite pode-se conceder um título de propriedade de terra sem uma definição clara das coordenadas geográficas que delimitam a própria propriedade. No faroeste as superposições eram resolvidas à bala. Hoje são discutidas na Justiça. Cara, morosa e por isto mesmo injusta! Só serve a alguns.

O mesmo acontecerá com as patentes. Estima-se que hoje o INPI rejeite em torno de 45% dos pedidos de registro. Ora, com o novo procedimento estes pedidos seriam aprovados, e sem análise de mérito nada impederia a concessão de patentes para invenções que já concedidas,  solicitações vagas e abrangentes e a superposição de benefícios. Quem se sentir prejudicado terá que ir à Justiça, que já está aborratada de processos e sem capacidade para julgar tempestivamente os conflitos. Ou seja, o INPI transferirá seu backlog, democrático porque processado pelo INPI em fila organizada pela ordem de chegada, para a Justiça, estruturalmente desigual porque apenas os que têm recursos poderão bancar o longo e custoso processo de litigaçao. Uma farra para os escritórios especializados em direitos de propriedade intelectual! E parte do backlog acabará voltando para o INPI já que a Justiça pede ao órgão responsável pela concessão do direito a manifestação especializada para decidir a querela judicial.

Ronald Coase e Oliver Williamson, dois prêmios Nobel de Economia, demonstraram acima de qualquer questionamento que direitos de propriedade mal definidos emperram o funcionamento da economia, dão margem a conflitos sociais e econômicos, elevam o custo de transação das empresas e oneram toda a sociedade. E qualquer manual de microeconomia explica as distorções ocasionadas pela dificuldade de separar os produtos de má qualidade (os limões) dos de boa qualidade em mercados com informação assimétrica. No limite os “limões” podem inviabilizar as transações com os produtos de elevada qualidade, com perdas sociais que podem ser significativas. Legalizar as patentes de má qualidade pode provocar o mesmo efeito de eliminar do mercado as de boa qualidade e os benefícios que poderiam trazer para toda a sociedade. É provável que o custo social da solução extraordinária seja muito mais elevado do que o custo atual do backlog de patentes.

Importa dizer que, com essa medida, o INPI estará desmoralizando a patente, instituto que tem por obrigação legal proteger. Mais ou menos como fazia o INCRA, responsável pelo cadastro de propriedade de terras, ao estimular as invasões pelo MST.

* Buainain, A.M, Bonacelli, M.B.M e Mendes, C.I.C.. Propriedade Intelectual e Inovações na agricultura: debates inconclusivos à guisa de introdução. In, Buainain, Bonacelli e Mendes (org.). Propriedade Intelectual e Inovações na Agricultura. Brasília/Rio de Janeiro, CNPq, Faperj, INCT/PPED, IdeiaD, 2015, 384 p.

 

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