Articulista Leila da Costa Ferreira.

Leila da Costa Ferreira é Professora Titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Coordenadora Associada do NEPAM-UNICAMP.É membro do Associate Faculty do Earth System Governance Project (IHDP). Foi Professora Visitante da Universidade do Texas/ UT no ano de 1998 e Professora visitante no Programa Top China na Universidade Jiao Tong em Shanghai, China (2009).  Autora de 11 livros na área ambiental. CV e Orcid

 

Articulista Sônia Regina da Cal Seixas

Sônia Regina da Cal Seixas é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais – NEPAM/UNICAMP, e sua atual Coordenadora. Realizou Pós-doutorado na University of Reading/Walker Institute Climate System Research/Real Estate and Planning/ HBS (UK, 2013). Docente do Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade (NEPAM-IFCH-UNICAMP), e do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos (FEM-UNICAMP). É Bolsista de Produtividade/CNPq e líder do Laboratório de Mudanças Ambientais, Qualidade de vida e Subjetividade - LEMAS (CNPq -NEPAM-UNICAMP). CV e Orcid 

Audiodescrição: Imagem colorida de uma gota de água projetando uma planta no fundo.

A coluna Ambiente e Sociedade é um espaço de discussão crítica e analítica sobre as questões ambientais contemporâneas, dando ênfase às problemáticas concernentes às transformações para sociedades sustentáveis. Dentre outros, são abordados temas como mudanças climáticas, políticas públicas ambientais, biodiversidade, degradação ambiental urbana e rural, energia e ambiente, Antropoceno, movimentos ambientalistas, desenvolvimento e sustentabilidade, agricultura sustentável e formação de quadros na área.

Mudanças climáticas e Covid 19: perspectivas futuras para enfrentamentos de eventos extremos

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As mudanças atualmente experimentadas, aparentemente sem precedentes, desafiam a capacidade de adaptação e de resposta do planeta, uma vez que elas ainda seriam parcialmente desconhecidas, apesar das várias iniciativas científicas que visam proporcionar uma melhor compreensão desses processos em uma escala planetária integrada. De um modo geral, a complexidade de nossa condição histórica é tão singular que as modificações ambientais provocadas pela intervenção humana são compreendidas como fundamento de uma nova era histórico-geológica: o Antropoceno.

Viver em uma sociedade global significa enfrentar riscos múltiplos moldados por diversos “estressores”, pois há grandes incertezas em termos do que o mundo será daqui há 20, 30 ou 40 anos. Nesse universo, torna-se possível apenas a apresentação de probabilidades e a projeção de possíveis cenários que se materializam na forma de imaginários sociais. Com base nisso, a sociedade contemporânea encontra-se diretamente envolvida no desafio de gerenciar um quadro crescente de riscos, dentre outros, as novas pandemias como a Covid-19.

É primordial a necessidade de que seja reconsiderada a natureza da crise ecológica atual, pois os efeitos colaterais da produção industrial são caracterizados como resultado de uma profunda crise institucional da sociedade capitalista. Este raciocínio pode ser aplicado para o cenário das mudanças climáticas, cujas causas estariam profundamente enraizadas nas sociedades contemporâneas: substâncias aparentemente inócuas e invisíveis, como o metano (CH) e dióxido de carbono (CO), são liberados na atmosfera como “produtos de desenvolvimento” (agricultura industrial, o aumento do consumo de energia e crescimento econômico), alterando a sua composição, com consequências incalculáveis.

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Neste sentido, as demarcações entre natureza e cultura são pulverizadas frente a um cenário histórico permeado por múltiplas porosidades entre o natural e o artificial, entre natureza e a sociedade. O risco que caracteriza a sociedade industrial contemporânea está intimamente envolvido com as projeções futuras, com os infortúnios ativamente avaliados em relação às possibilidades e às situações prováveis com as quais a nossa sociedade apresenta apenas uma reduzida experiência.

Estas características estão intimamente relacionadas com os riscos da mudança climática e são marcados pela globalização. O Antropoceno e a sociedade do risco, portanto, possuem uma interessante afinidade eletiva que faz com que ambos apresentem múltiplas conexões de sentido: o risco parece ser um elemento-chave para as formas de agir, pensar e sentir que pautarão as formas de vida social criadas no Antropoceno.

O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), criado pela ONU em 1988, para avaliar dados e fornecer evidências científicas confiáveis para as negociações climáticas, vem alertando sobre os grandes impactos que a humanidade poderia enfrentar frente aos grandes eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas. Em 2007, os pesquisadores responsáveis pelo relatório daquele ano, já alertavam sobre os agravos importantes à saúde humana, diretamente relacionados às mudanças climáticas, destacando que existem fortes indícios que a exposição à mudança do clima afete o estado de saúde de milhões de pessoas, em especial as com baixa capacidade de adaptação, ou seja, os mais pobres e dos grupos de maior vulnerabilidade. Daquele relatório destacamos um alerta crucial e diretamente relacionado aos nossos desafios atuais: • A alteração da distribuição espacial de alguns vetores de doenças infecciosas. (I).

O que os cientistas já alertavam há 13 anos, é que os vírus patógenos aos seres humanos (ex. ebola, vírus influenza, do tipo H5N1 gripe aviária, dentre outros) ocorrem naturalmente no planeta; e vivem dentro de um ciclo natural onde os animais silvestres são os seus hospedeiros, mas quando as ações humanas alteram esse ciclo, o vírus, passa por mutação e recombinação genética, e ficam expostos a organismos que não apresentam adaptação a ele. Exatamente o que está acontecendo agora com o novo coronavírus em relação aos humanos (II).

A Covid-19 é uma doença respiratória e cardiovascular nova, que se tornou uma grave pandemia, se espalhando pelo planeta em velocidade sem precedentes (lembrando que os primeiros casos foram encontrados na cidade de Wuhan, no início de dezembro de 2019). Ao final de dezembro, a Comissão Municipal de Saúde de Wuhan emitiu um alerta e o Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças enviou uma equipe para Wuhan e uma notificação foi feita para Organização Mundial da Saúde (OMS). As causas possíveis foram excluídas (Influenza, Influenza aviária, SARS-CoV e MERS-CoV), e em 7 de janeiro de 2020, o patógeno causador foi identificado como um novo coronavírus (III).

A transmissão da Covid 19, de pessoa a pessoa se dá por gotículas respiratórias (IV), o que exige uso de equipamentos de proteção, higiene pessoal elevada e distanciamento social. Embora a rota de transferência do vírus não seja especificada, é muito provável que esse vírus tenha adquirido a capacidade de ter humanos como hospedeiros a partir de outras espécies. Acredita-se que 75% das novas doenças que emergiram nos últimos 50 anos tiveram como origem os animais silvestres (V).

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Em 26 de fevereiro chegou ao Brasil, e em 11 de março, foi declarado estado de pandemia pelo OMS. Até 29 de setembro de 2020, o país possui a trágica marca de 142.189 mortes e 4.748.882 casos confirmados (dados sistematizados pelo Consórcio de Veículos de Imprensa, a partir de dados das Secretarias Estaduais de Saúde).

Importante ressaltar que muito tem se discutido sobre medidas de contenção da disseminação da doença, eficácia e capacidade de suporte dos sistemas de saúde e medidas socioeconômicas para atender as populações mais vulneráveis. Entretanto, pouco ainda tem sido discutido sobre como essa pandemia pode estar relacionada com as questões ambientais, especialmente, com as mudanças climáticas.

É certo que, no último século milhares de vírus saíram da fauna e da flora e nos atingiram. Investimentos na redução do desmatamento, controle de tráfico de animais silvestres e monitoramento de possíveis doenças emergentes seriam uma maneira relativamente barata de evitar estragos de futuras pandemias. O balanço dos impactos positivos e negativos na saúde irá variar de um local para o outro e mudará ao longo do tempo à medida que as temperaturas continuarem subindo. De importância crucial serão os fatores que definem diretamente a saúde das populações, como educação, atendimento médico, prevenção e infraestrutura da saúde pública, desenvolvimento econômico e a importância de consolidação de uma sociedade que priorize os direitos humanos e a questão ambiental para a defesa da dignidade da vida, mais do que os sistemas econômicos.

Acreditamos que a pandemia do Covid 19 é o grande desafio que estamos enfrentando como humanidade. Não só pela nossa capacidade de criar as condições para que seja superada, através de investimentos na ciência, na Universidade pública e nos pesquisadores, afinal esse conjunto vai construir e nos oferecer as soluções, via vacinas ou remédios para controla-la, mas ao mesmo tempo nos permitirá consolidar e oferecer ferramentas para um imenso novo aprendizado, qual seja a nossa capacidade enquanto sociedade para lidar com eventos extremos cada vez mais constantes.

Observação : Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

Notas:

(I) IPCC (2007). Intergovernmental Panel on Climate Change.  Mudança do Clima Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade Contribuição do Grupo de Trabalho II ao Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima Sumário para os Formuladores de Políticas, Bruxelas, p:10-11

(II) Buss, P M. (2020) De pandemias, desenvolvimento e multilateralismo. Seção Opinião. Rio de Janeiro: Fiocruz/Agência Fiocruz de Notícias, 03 abr. 2020. 7 p.Agencia Fiocruz de Notícias, 15 de abril de 2020, vide: https://agencia.fiocruz.br)

(III)Zhang Y. (2020). The Epidemiological Characteristics of an Outbreak of 2019 Novel Coronavirus Diseases (COVID-19) - China, 2020. Chinese Centre for Disease Control and Prevention - CCDC Weekly, 2(8), 113-122.

(IV)Allaerts, W. How Could This Happen? (2020). Acta Biotheor

(V)Rabello, A M e Oliveira, D B (2020) Impactos ambientais antrópicos e o surgimento de pandemias.Unifesspa: Painel Reflexão em tempos de crise. 26 mai. 2020. Acesso em 08 jul. 2020.

 

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