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Campinas,
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Aplicativo auxilia na redução do consumo de sal

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Criada na Faculdade de Enfermagem, ferramenta foi testada durante dois meses e comprovou ser eficaz

A Organização Mundial da Saúde recomenda a ingestão diária de, no máximo, 5 gramas de sal
A Organização Mundial da Saúde recomenda a ingestão diária de, no máximo, 5 gramas de sal

Pensando em incentivar uma redução no consumo de sal, pesquisa de doutorado da Faculdade de Enfermagem (Fenf) da Unicamp propôs solução simples e acessível: um aplicativo de celular, chamado “Sal na Medida”, que contabiliza a quantidade de sal usada no preparo das refeições. A pesquisa, financiada pela Fapesp, que ocorreu entre outubro de 2021 e agosto de 2022, foi desenvolvida por Milena Perin, com orientação da professora Marília Cornélio, e aplicada nas 12 unidades de saúde da cidade de Artur Nogueira, na região de Campinas. No total, 43 participantes, de 20 a 59 anos, testaram a ferramenta.

Essas pessoas utilizaram o aplicativo por dois meses, registrando todos os dias o quanto de sal era usado no preparo dos alimentos. A meta era que esse montante não ultrapassasse 3 gramas, já que o restante dos 5 gramas diários recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) viria de outras fontes, como o sal natural dos alimentos e de produtos processados e ultraprocessados. Os usuários também tinham acesso a conteúdos informativos, tais como vídeos de orientação sobre como medir o sal e receitas para substituí-lo.

Os resultados foram positivos: o consumo caiu de 4,6 gramas por dia, no início da pesquisa, para 3,5 gramas. Além disso, 67% dos participantes demonstraram disposição em continuar reduzindo a ingestão de sal no dia a dia. Perin conta que os resultados apresentados surpreendiam os usuários, que não imaginavam o quanto de sal consumiam. “Essa foi uma intervenção de longo prazo, que facilitou a criação de novos hábitos. O consumo de sal realmente diminuiu e parte das pessoas acompanhadas queria continuar usando o aplicativo, por ter percebido a diferença que o recurso fez”, aponta a pesquisadora.

“[O processo] envolveu toda a família. Todos acabavam se beneficiando”, recorda. Segundo a autora do estudo, a mudança de comportamento também foi detectada na disposição e no autoconhecimento dos voluntários: no final da pesquisa, 93% diziam consumir no máximo 3 gramas de sal adicionado, contra 53% no início.

Milena Perin (à esq.), autora da pesquisa, com sua orientadora, a professora Marília Cornélio, e a imagem do aplicativo no celular: bons resultados
Milena Perin (à esq.), autora da pesquisa, com sua orientadora, a professora Marília Cornélio, e a imagem do aplicativo no celular: bons resultados

Uma questão de hábito

O tema do consumo de sal entrou na vida acadêmica de Perin ainda na graduação em Enfermagem, com uma pesquisa de iniciação científica. O alerta para a necessidade de intervenção junto aos moradores de Artur Nogueira, cidade onde ela atua profissionalmente, veio durante o mestrado. Na época, ela realizou uma pesquisa com 517 habitantes da cidade e constatou um consumo médio de 10,5 gramas de sal por dia entre os indivíduos, bem acima do recomendado pela OMS.

A partir das conclusões da pesquisa feita em Artur Nogueira e considerando a importância da atenção primária na prevenção de doenças da população, as pesquisadoras resolveram desenvolver um trabalho direcionado à questão da ingestão de sal. “O consumo de sal é um
destaque nas diretrizes voltadas à saúde da população, em particular, nas de cardiologia”, explica Cornélio.

A pesquisa foi baseada no modelo Roda de Mudança de Comportamento (BWC – Behavior Change Wheel, em inglês). A metodologia é bastante difundida no Reino Unido, sobretudo entre profissionais da saúde, oferecendo subsídios e abordagens para compreender as motivações das pessoas e para identificar padrões de comportamento, de maneira que mudanças possam ser implementadas.

“Conseguimos apontar fatores determinantes no consumo de sal. Por exemplo, escolhas pessoais que apontam o porquê de uma pessoa ter esse comportamento e de que modo devemos agir para mudá-lo”, detalha Perin, que definiu a estratégia da pesquisa durante um estágio doutoral na Universidade Laval, em Quebec (Canadá).

O desenvolvimento do aplicativo também contou com a devolutiva de usuários do sistema de saúde para que os conteúdos e recursos de usabilidade atendessem suas necessidades. “Incluir as pessoas que vão receber a intervenção no delineamento da estratégia aumenta as chances de sucesso da ação”, reflete Cornélio.

HIPERTENSÃO E OUTRAS DOENÇAS

É necessária atenção especial para não ultrapassar os 5 gramas diários recomendados pela OMS, considerando que as fontes de sal estão por toda parte da nossa alimentação. A pesquisadora salienta o cuidado essencial na forma de preparo dos alimentos porque, de todo sal consumido ao longo do dia, a maior quantidade vem das refeições elaboradas em casa, mesmo considerando a ingestão de alimentos ultraprocessados.

Os riscos do consumo elevado de sal vão além da hipertensão e das doenças cardiovasculares decorrentes. “Diversos estudos já identificaram outras doenças, como a osteoporose, a obesidade e até o câncer de estômago. São pesquisas ainda iniciais, mas que fortalecem a necessidade de redução no consumo”, pontua Perin. Dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde de 2022 mostram que 26,3% da população do país sofre de hipertensão, principal doença associada ao consumo excessivo do produto. Entre indivíduos na faixa etária de 55 a 64 anos, o índice sobe para 49,4%.

Desenvolvido de forma específica para a pesquisa, o aplicativo “Sal na Medida” não está disponível para download. No entanto, os resultados mostram que a ferramenta é eficaz na mudança da mentalidade da população em relação à saúde. Pode, ainda, ser aproveitado por secretarias, prefeituras e governos na formulação de políticas públicas que auxiliem a conscientização da população sobre o problema do consumo de sal, colocando o cidadão como protagonista de seu bem-estar.

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