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Treinamento combinado atenua efeitos da diabetes

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Exercícios de força e aeróbicos melhoram saúde de pessoas portadoras da doença e com sobrepeso

Anilhas utilizadas em exercícios de força no Laboratório da Faculdade de Educação Física (LABFEF)
Anilhas utilizadas em exercícios de força no Laboratório da Faculdade de Educação Física (LABFEF)

Todo mundo sabe que praticar atividades físicas é essencial para a saúde. Mas, para pessoas com sobrepeso e diabetes tipo 2, frequentar a academia pode ser ainda mais benéfico. De acordo com um estudo da Unicamp, o treinamento combinado, que inclui exercícios de força e aeróbicos na mesma sessão, pode ser um importante aliado do metabolismo da glicose, da capacidade física e da composição corporal desses pacientes, melhorando seus marcadores clínicos e bioquímicos.

A pesquisa, desenvolvida durante o doutoramento de Ivan Bonfante, foi realizada no Laboratório de Fisiologia do Exercício (Fisex) da Faculdade de Educação Física (FEF). Seu objetivo foi investigar os efeitos do treinamento combinado no browning, processo em que o tecido adiposo branco, que estoca gordura, se transforma em um tecido adiposo bege, intermediário entre o branco e o marrom. Tanto o tecido adiposo marrom como o bege desempenham papéis na termogênese – a capacidade de gastar energia gerando calor. Dessa forma, o browning aumenta o gasto calórico, induzindo a redução da obesidade e melhorando o metabolismo glicólico.

A professora Claudia Cavaglieri, que orientou o estudo, relata que há anos pesquisadores tentam ativar o browning e o tecido adiposo marrom para tratar doenças relacionadas à obesidade. “Na obesidade, o tecido adiposo branco se hipertrofia, ativa o sistema imunológico e secreta substâncias sinalizadoras que têm um caráter inflamatório, levando a enfermidades como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e Alzheimer”, alerta.

Embora o frio seja o principal ativador da termogênese motivo pelo qual os primeiros trabalhos sobre o tema são de países nórdicos –, alguns estudos já haviam indicado que o treino combinado poderia contribuir com aquele processo. Quando é contraído, o músculo libera substâncias ativas indutoras que alteram mecanismos de vários tecidos e contribuem para o browning, além de reativarem o tecido marrom, que tem sua atividade reduzida após a primeira infância.

A tese de Bonfante buscou desvendar os mecanismos por trás desse efeito ao avaliar o que ocorre no organismo de pessoas que fazem treinamento combinado. O trabalho foi realizado em parceria com o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) e o Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Foram avaliados 34 homens e mulheres diabéticos e com sobrepeso, com idades entre 40 e 60 anos e que não faziam uso de insulina, tudo no âmbito de um proje- to sobre a resposta metabólica aos exercícios que contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A professora Claudia Cavaglieri: “Vimos que os voluntários melhoraram tanto o metabolismo como a composição corporal”
A professora Claudia Cavaglieri: “Vimos que os voluntários melhoraram tanto o metabolismo como a composição corporal”

O estudo

Para o estudo, os voluntários foram separados em dois grupos: um de controle, que não passou pela intervenção, e outro que participou de um protocolo de 16 semanas de exercícios sem mudança na dieta. Três vezes por semana, eles realizavam sessões individualizadas de aquecimento, treino de força e aeróbico. Houve melhoras significativas na saúde desse grupo ao final do experimento.

Entre os principais resultados, foram observadas reduções nos níveis de glicose, de resistência à insulina, de gordura corporal, de marcadores inflamatórios, de triglicerídeos e do colesterol VLDL, indicador associado à obstrução de vasos sanguíneos. Ainda houve aumento de hormônios anti-inflamatórios, da massa magra, da força muscular, da aptidão aeróbica, da atividade metabólica do tecido marrom e do gasto energético na exposição ao frio.

Além disso, genes relacionados à gordura bege tiveram suas expressões alteradas, o que, segundo Bonfante, indica o início do remodelamento da gordura e possível ocorrência do browning. O pesquisador explica que esse efeito foi confirmado pela tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET- CT, na sigla em inglês), um exame que detecta alterações no metabolismo celular. “Com a PET-CT, observamos aumento de metabolismo na mesma região em que fizemos biópsia da gordura, além daquela em que a gordura marrom está localizada”, acrescenta.

Os resultados da pesquisa indicam que o treinamento combinado pode ser um tratamento coadjuvante para pacientes com diabetes tipo 2 e sobrepeso, evitando a dependência de insulina. “Vimos que os voluntários melhoraram tanto o metabolismo como a composição corporal. Os marcadores bioquímicos e a inflamação baixaram a tal ponto que parte dessas pes- soas precisou diminuir a dose da medica- ção que tomava”, revela Cavaglieri.

Ivan Bonfante, autor da pesquisa: analisando o organismo de pessoas que fazem treinamento combinado
Ivan Bonfante, autor da pesquisa: analisando o organismo de pessoas que fazem treinamento combinado

Ciência da Educação Física

Ao todo, 363 pessoas se candidataram para participar do estudo. De acordo com os pesquisadores, é comum perder voluntários em experimentos longitudinais com seres humanos devido a dificuldades logísticas e financeiras dos participantes. Esse fenômeno agrava-se pelo fato de o Brasil proibir pagar voluntários e por haver escassez de verba para ajuda de custo 

Além disso, parte desses candidatos foi excluída pelo desenho experimental, que é naturalmente seletivo em projetos de intervenção em seres humanos. Ao contrário de estudos em animais, em que as cobaias recebem o mesmo tratamento, pesquisas com seres humanos têm que lidar com o fato de haver uma grande variabilidade entre os sujeitos.

“Uma pessoa pode ser obesa há cinco anos, outra pode ter sido a vida toda. Ela come pizza, se estressa, não dorme. E aí, como fica esse organismo?”, questiona a professora. “Se não houver critérios bem traçados de inclusão, os resultados serão tão variados que a diferença promovida por nossa intervenção será menor do que a existente entre eles”, alega.

Nesse sentido, um ponto positivo do estudo é a possibilidade de aplicar técnicas da fronteira do conhecimento. O Fisex foi um dos primeiros laboratórios do Brasil a ter autorização do Comitê de Ética para fazer biópsias que não fossem para diagnóstico, um procedimento simples, mas invasivo. Isso, combinado ao uso das chamadas ciências “ômicas”, que estudam moléculas como genes, proteínas, lipídios e metabólitos, tem contribuído para fazer avançar a pesquisa na área de Educação Física.

“Por muito tempo, uma das limitações da área era a impossibilidade de estudar mecanismos existentes por trás dos efeitos observados. Agregar essas técnicas possibilitou entender de forma molecular as adaptações que são induzidas pelo exercício. Agora, nós temos todo um universo de mecanismos e vias para estudar e entender, contribuindo para a ciência e a saúde da população”, comemora Cavaglieri.

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