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Setor sucroenergético expõe cenários contrastantes

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Estudo aponta vulnerabilidade territorial em municípios cuja economia depende da agroindústria canavieira

Foto que mostra a colheita de cana-de-açúcar. Há um caminhão e um guindaste.
Lavoura de cana-de-acúcar no interior de São Paulo: agroindústria canavieira atua como principal atividade
econômica em municípios com baixa densidade demográfica (Foto: Antonio Scarpinetti)

A indústria  sucroenergética gera empregos, é fonte de arrecadação de diversos tributos e tem participação fundamental na matriz produtora de energia renovável. A moagem de cana-de-açúcar no Centro-Sul do Brasil para 2023/24 foi estimada em cerca de 580 milhões de toneladas, de acordo com a Forbes Agro/Reuters. Mas que reflexos disso são percebidos nas economias locais produtoras? Uma tese defendida por Henrique Faria dos Santos no Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, aponta uma realidade contraditória: enquanto o setor é responsável por manter o país em posição de destaque no mercado internacional, no âmbito local, isto é, nos municípios cuja economia é fortemente baseada nesse setor, prevalecem a apreensão e a insegurança.

A pesquisa, orientada pelo docente Ricardo Abid Castillo e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), teve por objetivo analisar como o setor sucroenergético promove uma exacerbada especialização regional produtiva e como a crise experienciada pelo segmento na década de 2010 evidenciou situações de vulnerabilidade territorial dos municípios envolvidos nessa dinâmica produtiva.

Em algumas cidades com baixo patamar demográfico, a agroindústria canavieira atua como principal atividade econômica, o que torna o município altamente dependente desse setor e inibe uma maior diversificação da economia. “Há uma vulnerabilidade territorial, com potencial de gerar danos nos municípios, em decorrência do fechamento de uma usina sucroenergética”, aponta Santos.

Segundo ele, a crise financeira internacional de 2007-2008, agravada por uma série de fatores conjunturais do país e técnico-estruturais da agroindústria, evidenciou tal vulnerabilidade dos municípios produtores de cana-de-açúcar. “Várias cidades entraram em crise econômica após a interrupção das operações de usinas que estavam em recuperação judicial, em situação de falência ou que simplesmente foram desativadas por corte de custos de grupos usineiros”, explica.

Foto de um homem que aparece à frente de uma estante de livros. Ele aparece do peito para cima, é branco, tem o cabelo castanho, curto, usa óculos e camisa listrada.
Henrique Faria dos Santos, autor da tese:
“Várias cidades entraram em crise econômica
após a interrupção das operações de usinas”
(Foto: Divulgação)

O fechamento de usinas tem impactos na economia local, tais como a demissão em massa de trabalhadores; a queda da renda dos produtores que cultivam cana- -de-açúcar ou que arrendam terras para a atividade; o fechamento de empresas que antes prestavam serviços para as usinas; a redução da atividade comercial; a queda na arrecadação de impostos das prefeituras; entre outros. Uma implicação grave é o atraso ou não pagamento de dívidas com funcionários, fornecedores, proprietários de terra e prefeituras. A insegurança relacionada ao emprego, somada ao risco de danos ao comércio e à arrecadação fiscal das prefeituras em razão de decisões dos usineiros em encerrar repentinamente as operações agroindustriais, revela a realidade contraditória do setor.

Em seu estudo, Santos pesquisou municípios em Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul onde havia pelo menos uma usina sucroenergética instalada e/ou que possuíam mais de mil hectares de cana-de-açúcar plantados em 2019. O pesquisador entrevistou representantes de prefeituras e de usinas sucroenergéticas em recuperação judicial, sindicalistas, fornecedores de cana-de-açúcar, produtores rurais e comerciantes.

O quadro de vulnerabilidade, que abrange uma quantidade significativa de municípios, não se atrela somente à elevada especialização das economias locais e grande dependência da atividade sucroenergética. “Isso se deve também ao fato de o setor ter passado, com a recente crise, por um processo de centralização do capital, isto é, um contexto em que houve várias aquisições de usinas em dificuldade financeira por grupos empresariais maiores e fusões entre grandes grupos a fim de concentrar o mercado de açúcar, etanol e bioeletricidade, o que diminuiu o número de grupos usineiros no país”, elucida Santos.

Apesar de terem uma maior solidez de capital e atuarem também em outros setores, esses grupos detêm muitas usinas e têm registrado elevado nível de endividamento e prejuízos em seus balanços contábeis. Por isso, tais grupos podem se tornar mais vulneráveis financeiramente, fazendo crescer o risco de fecharem usinas menos eficientes visando à redução de custos operacionais.

De acordo com um levantamento realizado por Santos, até setembro de 2020, foram identificadas quase cem usinas em situação de recuperação judicial, das quais 65 ainda estão em operação. Também foram identificados 583 municípios com média ou alta propensão de serem atingidos por uma crise econômica no caso de fechamento dessas agroindústrias.

O fechamento de usinas não impacta todos os municípios da mesma forma. “Cada um possui características geográficas distintas e formas de uso do território que permitem que alguns sejam mais ou menos diversificados economicamente”, explica. A resiliência econômica territorial, ou seja, a capacidade do município de resistir ou de se recuperar da crise provocada pelo fechamento de uma usina, depende de alguns fatores. Segundo o pesquisador, devem ser levados em conta as políticas públicas, a localização, a infraestrutura e os recursos naturais.

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