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Imigração japonesa, do estranhamento à adaptação

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Demógrafo analisa os três principais momentos de entrada de integrantes da comunidade no Brasil

Foto em preto e branco de pessoas na beira do convés de um navio.
Integrantes da família Ueno embarcam no navio Brazil-Maru, em 1956 (Foto: Divulgalção)

Do início do século XX ao final dos anos 1970, aproximadamente 430 mil japoneses e seus descendentes se estabeleceram no Brasil. O primeiro navio com imigrantes atracou em Santos (SP) em 1908, trazendo 165 famílias. A última embarcação chegou ao mesmo local em 1973. Os fluxos migratórios de japoneses desse período foram analisados por Thiago Bonatti em sua tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Demografia da Unicamp.

A pesquisa focou nos três principais momentos de entrada de japoneses no Brasil (de 1908 a 1924, de 1925 a 1941 e de 1952 a 1973). Bonatti analisou os componentes sociodemográficos, a dinâmica migratória e a distribuição espacial dos imigrantes, dedicando-se principalmente à entrada deles no Estado de São Paulo, para onde vieram em sua maioria. Ao longo desses 65 anos, os fluxos migratórios resultaram de acordos entre o Japão e o Brasil e acompanharam os contextos políticos, sociais e econômicos dos dois países.

O estudo perpassa os primeiros anos da imigração, trata de seu ápice nos anos 1930 e analisa o período do pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando o Brasil e o Japão romperam relações, causando momentos de tensão para os japoneses já estabelecidos no país. “Esse período da retomada das relações diplomáticas e das migrações é menos abordado [em pesquisas]. Isso me deixou curioso, porque eles [os migrantes] vinham em condições diferentes daqueles que emigraram antes da Segunda Guerra”, conta o demógrafo, que utilizou como fonte principal da tese um censo elaborado em 1958 junto à colônia japonesa.

Adaptação

Os imigrantes pioneiros chegaram com pouco conhecimento sobre como era o país de destino. Eles vieram devido a tensões sociais existentes no Japão e pela demanda por mão de obra no Brasil, contando inicialmente com subsídios do Estado de São Paulo para pagar pelos custos da viagem.

Segundo a pesquisa, tanto no primeiro como no segundo fluxo, os grupos eram formados por famílias, com membros jovens e com grande presença masculina, ainda que a presença feminina tenha sido significativa. LIANA COLL lianavnc@unicamp.br Os japoneses chegavam em grupos que variavam de tamanho, mas as famílias sempre deveriam ser compostas por três ou mais pessoas capazes de exercer um ofício, devido à regra das “três enxadas” do governo brasileiro, segundo a qual era necessário haver, em cada núcleo familiar, pelo menos três membros aptos ao trabalho.

Já a partir de 1925, passa a ser mais frequente a vinda de famílias mais extensas e com predominância de jovens abaixo de 19 anos. “Crianças com mais de 12 anos já eram consideradas mão de obra apta. Como, por vezes, os imigrantes não tinham filhos, eles incorporavam membros externos, que adotavam ainda no Japão, legalmente, para cumprir a exigência mínima de três pessoas. Chegando aqui, muitas vezes eles se separavam e tomavam rumos diferentes”, explica o pesquisador.

Foto em preto e branco de uma família de japoneses em frente a uma casa.
Família Anazawa em meados da década de 1930, pouco depois de sua chegada ao Brasil (Foto: Divulgação)

A vinda de grupos maiores, observa, também ocorreu pelo fato de essas famílias já terem informações fornecidas pelos primeiros imigrantes, algo tornado possível pela formação de uma rede de sociabilidade e de apoio. No terceiro fluxo, com o afrouxamento das restrições para a migração individual, diminuiu a entrada de famílias extensas. Esse período inicia-se com a retomada das relações diplomáticas entre o Japão e o Brasil, em um momento no qual outros países ainda não aceitavam os japoneses. A composição desse fluxo de imigrantes passa a contar com a presença predominante de homens entre 15 e 30 anos de idade e registra pessoas com maior qualificação.

“Como não havia, naquele momento, outros países que se dispunham a receber os japoneses, flexibilizaram-se as entradas individuais. Principalmente porque nesse período do pós-guerra já havia iniciativas de fazendeiros e proprietários de terra japoneses que se responsabilizavam por trazer essas pessoas”, aponta Bonatti.

Segundo o demógrafo, no caso dos dois primeiros fluxos, a ideia da maior parte dos imigrantes não era se estabelecer definitivamente no Brasil, mas levantar recursos e retornar ao Japão. As dificuldades encontradas aqui, no entanto, fizeram com que permanecessem. Devido à falta de apoio depois da chegada ao Brasil, alguns imigrantes buscaram alternativas para sobreviver, dentre as quais consta a criação de colônias, algumas sob a tutela do governo japonês, que fornecia condições mínimas de infraestrutura, saúde e educação aos japoneses. O passo seguinte foi a busca pelo acesso à propriedade e à ascensão socioeconômica.

Ao longo dos anos da migração, a comunidade japonesa enfrentou diversos desafios. Péssimas condições de trabalho nas fazendas, barreiras culturais e uma situação de crescente tensão durante a Segunda Guerra permearam o período analisado na tese. Nesse último momento, por exemplo, houve casos de fechamento de escolas japonesas e de ataques aos imigrantes. Além disso, movimentos políticos e ideológicos de conotação eugenista, que buscavam o branqueamento da população brasileira no período pós-abolição, tinham como modelo ideal o imigrante branco europeu.

“Nos debates parlamentares, o discurso dizia que os japoneses eram ‘inassimiláveis’ e não cumpriam o papel desejado do imigrante. Quando se pensa na imigração, é preciso pensar nas políticas de governo. Existia uma demanda por mão de obra, mas também uma ideia sobre quem era esse imigrante desejado”, observa a orientadora da tese, professora Ana Silvia Scott.

Foto de uma mulher (à esquerda) e um homem (à direita) conversando.
A professora Ana Silvia Scott, orientadora, e Thiago Bonatti, autor da tese (Foto: Antonio Scarpinetti)

Tendo como objetivo a ascensão social e a melhoria de suas condições de vida, os japoneses, ressalta Scott, contribuíram para a formação de uma sociedade, a brasileira, composta por múltiplas nacionalidades. “A migração japonesa tem essa importância de ter trazido outra realidade. O Brasil é um país multiétnico e eles foram um dos grupos que contribuíram para a formação dessa população.”

Atualmente, a maior comunidade de japoneses e descendentes de japoneses fora do Japão encontra-se no Brasil: são cerca de 2 milhões de pessoas, metade delas presentes no Estado de São Paulo. As influências podem ser percebidas em várias áreas, como agricultura, culinária, religião, ciências e esportes.

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