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Estudos associam pouco sono a doenças

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Pesquisas desenvolvidas em laboratório da Unicamp trazem novas 
revelações a respeito dos efeitos da obesidade entre crianças e adolescentes

 

- Atenção, adolescentes! Dormir menos que oito horas diárias pode ser um fator de risco para doenças cardiovasculares futuras. O start de tudo é a resistência à insulina. Depois vêm o ganho de peso, o diabetes e outros fatores. O alerta é de Bruno Geloneze, professor e endocrinologista da Unicamp que atua no Gastrocentro e que lidera um grupo de pesquisa multicêntrico batizado Brazilian Metabolic Syndrome Study (Brams).

“Alguns adolescentes estão ficando acordados de madrugada porque inacreditavelmente estão estressados, e não porque estão felizes. E dormir menos leva a uma piora da ação e da resistência à insulina, independentemente do ganho de peso”, constatou o médico. “As oito horas não são só para descanso. São para que o metabolismo funcione adequadamente.”

Apesar disso, alterações precoces podem estar sendo interceptadas com um aconselhamento de higienização dos hábitos do sono, que consiste em dormir na hora certa e pelo menos numa quantidade mínima. A higienização pode ser mais importante até, em termos de saúde pública, do que incentivar exames para detectar a resistência à insulina, que pode atuar como um aviso para o desenvolvimento do diabetes.

O resultado desse e de outros dois estudos do Brams, financiados pelo CNPq, trazem novas revelações a respeito dos efeitos da obesidade infantil sobre a resistência à insulina. Foram desenvolvidos no Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes (Limed) e contam com o suporte de Geloneze, de cinco subinvestigadores e de mais de 30 colaboradores.

Participam ainda desse esforço centros como a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e os municípios de Três Corações (MG) e de Itu (SP).

Em vários estudos, adolescentes que dormem pouco e engordam são os que mais têm atenção dos profissionais da saúde. No entanto, os que dormem pouco e não engordam passariam despercebidos. Só que na verdade eles correm sérios riscos. Quando não se dorme bem, alterações metabólicas podem atacar o organismo do adolescente.

O histórico dessas descobertas começou com a percepção da concomitância da obesidade, dislipidemia, alteração da glicose e hipertensão, embasadas na resistência à insulina (quando as células do corpo respondem cada vez menos à insulina).  

Em 1988, o cientista Gerald Reaven percebeu essa correlação e chamou essas patologias de “síndrome X”, que depois receberam o nome de síndrome plurimetabólica e de síndrome metabólica (com predomínio de adiposidade abdominal e resistência à insulina).

Geloneze disse que lamentavelmente a resistência à insulina leva a um risco aumentado de diabetes na vida adulta e a outras doenças cardiovasculares como infarto e AVC (Acidente Vascular Cerebral).

Histórico
O Brams teve seu piloto em 1998, quando foi criado na Unicamp o primeiro Ambulatório de Síndrome Metabólica do Brasil, montado pelo endocrinologista Marcos Tambascia. Surgiu em meio à resistência de muitos que indagavam se essa síndrome seria diabetes e como poderia agregar pré-diabéticos com obesidade e com risco cardiovascular? Essas questões avançaram e hoje são consensuais.

Em 2004, implantou-se oficialmente o Brams, um acrônimo que faz alusão ao nome do compositor erudito Johannes Brahms. A ideia era ter um estudo brasileiro que versasse sobre a síndrome metabólica.

Geloneze fazia mestrado quando o ambulatório iniciou e colheu informações de pacientes, fazendo medidas da cintura, pescoço, altura, peso, glicose, triglicérides. Eles já vinham com algum grau de obesidade.

Ao compilar dados sobre a resistência à insulina, a intenção era mostrar para as pessoas que a obesidade é um problema de saúde pública, porém a adiposidade abdominal é mais importante ainda para predizer essa síndrome.

Esses foram os primeiros passos do Brams. Posteriormente, foi idealizada uma tecnologia para medir a resistência à insulina, introduzindo-se em larga escala os métodos Clamp Euglicêmico Hiperinsulinêmico e Clamp Hiperglicêmico, que conferem grau de resistência à insulina preciso, sofisticado e reconhecido mundialmente.

A palavra “clamp” significa fixar. “Então é fixado um valor para medir a resistência à insulina. Nos testes, aumentamos em dez vezes o nível circulante de insulina na veia e colocamos glicose para que o paciente não sofresse hipoglicemia”, explicou.

Quanto mais glicose se coloca na veia de uma pessoa, que um pouco antes teve a insulina mantida alta, mais isso indica que ela é sensível à ação da insulina. Se é colocada pouca glicose para evitar a queda, isso quer dizer que esse paciente é resistente à insulina. Esse método é o padrão-ouro.

“Não introduzimos o clamp no Brasil, mas certamente somos o único grupo da América Latina que o faz rotineiramente em quantidade que já ultrapassou centenas”, contou Geloneze.

Métodos
Para avaliar os adolescentes, há um problema ético de exposição ao risco de hipoglicemia. Então no estudo não foi infundida insulina, apenas glicose em doses altas. Avaliou-se então a sua ação medindo o quanto ela era produzida e promovia o consumo de glicose.

Ao analisar os dados, mediante modelagem matemática, a Unicamp fez parcerias com as Universidades de Pádova, Washington e Copenhague. Essa foi a parte que deu substrato à segunda parte dos achados.

“Entendemos que existe síndrome metabólica e métodos sofisticados para medir a resistência à insulina. Pensamos como poderíamos traduzir isso para o clínico, que nunca fará clamps no dia a dia”, comentou.

O grupo empregou o método Homa, que mede glicemia e insulina, e estabeleceu uma equação para ver se a pessoa tem insulina ou não. A avaliação é feita mediante coleta de sangue em jejum.

A equação calcula glicemia vezes insulina e divide por 405, um número “cabalístico”. O índice obtido, acima de 2,71 em adultos, aponta que a pessoa tem resistência à insulina. Esse referencial é adotado pela América Latina e países miscigenados como Turquia, Irã e outros, por acharem a identificação com a população brasileira mais adequada.

Em sua tese, a nutricionista Francieli Barreiro observou que, medindo a cintura abdominal, e tendo um nível de triglicérides aumentado, extrai-se o índice chamado cintura hipertrigliceridêmica, que sugere um grande risco para resistência à insulina e para doenças cardiovasculares.

Que índice identificaria resistência à insulina sem tanta complexidade? O Brams respondeu que, medindo a circunferência do pescoço em adolescentes e adultos, pode-se ter uma noção da gordura troncular, não só abdominal, e explica até 70% da variação da resistência à insulina no plano populacional.

Com uma fita métrica, mede-se o pescoço das pessoas, mesmo em espaços públicos, separando-se quem precisa investigar mais sobre sua saúde. Mulheres com 39,5 cm de circunferência de pescoço e homens cuja circunferência é 41 cm poderão desenvolver resistência à insulina.

Há anos, usa-se a medição da circunferência abdominal: que acima de 88 cm para mulheres e de 102 cm para homens denota riscos à saúde. Essa é uma boa medição para ser feita mais em consultório. Numa campanha nas ruas, se estiver frio, a pessoa terá que se despir. Então a medição do pescoço é mais rápida e eficiente, acredita.

Essa investigação está sendo feita em parceria com o Departamento de Pediatria (com as professoras Mariana Porto e Maria Ângela Antonio) e com a Unifesp.

Sono
Há pouco, o Brams fez uma publicação na revista Jama Pediatrics, uma das mais importantes da área de Pediatria, discutindo se dormir pouco seria uma das causas do aumento da obesidade infanto-juvenil?

O docente afirmou que provavelmente o adolescente que fica acordado à noite come mais e engorda mais. Ele também passa a noite interagindo com o computador, tablet e smartphone. Come errado e, no dia seguinte, fica cansado e não pratica atividade física.

Num grupo de mais de mil adolescentes, alguns que não tinham obesidade, já tinham resistência à insulina. Se o diabetes é precedido de obesidade, que é precedida de resistência à insulina, então significa que as pessoas terão resistência à insulina antes de ficarem obesas. Esse modelo de privação do sono já foi descrito em experimentos com animais e agora se confirma em humanos.

Na investigação, esses adolescentes foram divididos em dois grupos: os que dormiam mais ou menos do que oito horas por dia. Os que dormiam menos tinham um pouco mais de obesidade central do que os que dormiam mais, embora tivessem peso semelhante.

Foram separados aqueles que não tinham excesso de peso mas que também tinham resistência à insulina medida pelo método do clamp, e estes realmente dormiam menos. Veio a comprovação: dormir menos piora a ação da insulina, independentemente do ganho de peso.

Quando testado o método Homa, que é só de glicemia/insulina, não foram achadas diferenças entre quem dormia pouco e quem dormia muito. A Unicamp então foi pioneira em testar um método mais sofisticado (clamp hiperglicêmico) que acaba detectando o nuance. A aluna Ana Maria Rodrigues defendeu mestrado sobre o tema, orientada por Geloneze.

A lógica era: “fico acordado, durmo menos, ganho peso e desenvolvo resistência à insulina. Mostramos que isso também ocorre com aqueles que não ganharam peso e sinalizamos que a privação do sono – ruptura da chamada cronobiologia – altera a ação da insulina”, frisou.


 

Hábitos humanos sob um olhar biológico

O mamífero primata tem hábitos diurnos e, dentro da biologia, originalmente são duas as situações em que ele fica acordado à noite: quando tem que buscar comida fora da situação normal ou quando tem que fugir do predador. Não há outra situação em que troque dormir por ficar acordado na natureza.

Essas, aliás, são situações de extremo estresse, quando o organismo tem que se preparar para captar energia. E ele não pode ter a insulina funcionando bem, senão sua glicose cairia. Sendo assim, desenvolver resistência à insulina parece ser uma adaptação ao estresse para evitar a hipoglicemia da luta e consumo de energia nestas situações.

É o que acontece com o organismo do adolescente. Só que ele fica acordado à noite por opção própria. Fica tranquilo, curtindo seus programas noturnos, conversando nas redes sociais. Mas sua célula interpreta aquela situação como de extremo estresse, promovendo adaptações biológicas, mesmo sem sua vontade.

“Demos agora um passo a mais ao sustentar que uma parte dos adolescentes está ficando acordada de madrugada porque está estressada. Infelizmente, isso é fato. E o resultado poderá ser um aumento ainda maior do diabetes e das doenças cardiovasculares de forma cada vez mais precoce”, alertou.

 

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