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Os Direitos Humanos e a segurança alimentar

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Enrique Ortega, Ana Beatriz Guimaraes, Elisa Sayoko Nakajima e Jose Maria Gusman são, respectivamente, professor aposentado, mestranda, pós-doutoranda e pesquisador convidado do Laboratório de Engenharia Ecológica e Informática Aplicada (LEIA) da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp

 

“Art. XXII. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade”
 

(Declaração Universal dos Direitos Humanos)

 


Objetivo no. 1 Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

Objetivo no. 2 Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável

(Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável)


Repensar os sistemas alimentares e sua governança é uma condição essencial para enfrentar os desafios atuais e futuros. Nas últimas décadas, os sistemas alimentares foram organizados verticalmente e passaram a fazer parte de uma rede de distribuição de energia fóssil, insumos químicos, maquinaria, sementes, novas tecnologias agrícolas e industriais que oferecem alimentos padronizados e oportunidades de emprego no espaço urbano. Mas, há necessidade de políticas públicas e investimentos para oferecer meios de vida aos pequenos agricultores, buscar alternativas ao aumento da demanda energética devida ao aumento das cadeias de fornecimento de alimentos e cuidar dos impactos sobre a biodiversidade e o clima. Essas preocupações precisam ser abordadas para tornar os sistemas alimentares mais eficientes (do ponto de vista holístico), inclusivos e resilientes. Todos os países são interdependentes e precisam convergir a um sistema multicultural realmente sustentável. Um dos maiores desafios é conseguir uma governança (nacional e internacional) coerente, com objetivos claros e compromissos explícitos. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável incorpora uma visão que vai além da divisão entre países "desenvolvidos" e "em desenvolvimento". O desenvolvimento sustentável é um desafio universal e uma responsabilidade coletiva de todos os países, exigindo mudanças fundamentais no modo como todas as sociedades produzem, consomem e reciclam.

The future of food and agriculture. Trends and challenges. Foreword (page vi).

Food and Agriculture Organization of the United Nations, Rome, 2017. 163 pages


O direito humano à alimentação adequada

Os direitos humanos devem assegurar às pessoas, independentemente de classe social e país, as condições básicas para viver com liberdade e responsabilidade, com igualdade de oportunidades, com proteção a biosfera e aos ecossistemas, com alimentação adequada, atendimento à saúde, acesso à água, à moradia, à educação, à informação e aos meios de produção para ter um trabalho de boa qualidade.

O direito humano à alimentação adequada (DHAA) exige enfrentar a falta de água e terras agrícolas; a escassez e os preços altos dos produtos derivados do petróleo e dos minerais, e a exigência de produzir alimentos sadios. Por outro lado, o modelo agrícola baseado em substancias tóxicas prejudica a saúde e a continuidade da oferta de alimentos. Cabe às instituições do Estado a responsabilidade de elaborar políticas públicas para garantir uma vida saudável as pessoas, de forma estruturante e sustentável (BRASIL, 2014).


A produção de alimentos e a segurança alimentar

A produção de alimentos nos últimos 150 anos passou a ter relações econômicas, sociais e políticas vinculadas a um projeto de dominação mundial. O aumento da área agrícola ocorreu às custas da redução das áreas dos ecossistemas naturais e da expulsão das populações nativas. A maior parte dos insumos industriais não é renovável e causa grande impacto no meio. A “modernização” da agricultura exigiu a substituição das variedades locais por espécies importadas; e isso coloca em risco a conservação da biodiversidade. Na agricultura, houve, ao mesmo tempo, grande desmatamento para a expansão da área e uma intensificação no uso de recursos não renováveis, assim se chegou ao pico máximo de produção e de externalidades negativas.

A política agrícola e alimentar precisa ser reformulada, pois o tipo de agricultura adotada no mundo emite grandes volumes de gases de efeito estufa, o que agrava as mudanças climáticas (FAO, 2017). Por outro lado, os projetos da economia global afetam tanto os modos de produção quanto os hábitos de consumo. Hoje, o sistema alimentar gera desnutrição, subnutrição, sobrepeso, obesidade, fome e doenças crônicas, a principal causa de morte entre adultos (ALTIERI & TOLEDO, 2011).

A condição atual é de insegurança alimentar e isso deve preocupar a universidade.


O compromisso com a sustentabilidade

A gestão dos ecossistemas deve garantir tanto os direitos humanos quanto os da natureza, através de modelos sustentáveis de produção, consumo, reciclagem e gestão dos recursos comuns. A manutenção da biodiversidade só é possível com a valorização dos conhecimentos das populações tradicionais que tem mantido vivo o material genético por milhares de anos. Há necessidade de resgatar os conhecimentos ancestrais que propiciam a conservação da biodiversidade, para superar a fome e buscar uma interação saudável entre as populações humanas e o espaço rural agrícola e das áreas preservadas para proteger o meio ambiente.


O papel da universidade

A Unicamp foi a primeira universidade da América Latina a oferecer o curso de Engenharia de Alimentos; sua referência foi o currículo da Universidade da Califórnia, baseado no uso de energia fóssil e o uso predatório de recursos naturais, no qual estão ausentes os conhecimentos sobre Mudanças Climáticas, Sustentabilidade, Resiliência, Equidade, Diversidade Cultural. Esse currículo foi implantado na América Latina inteira, sem nenhuma crítica a sua proposta epistemológica.

Convém a Unicamp, aos cinquenta anos de vida, revisar de forma crítica seus currículos e proceder a integração deles por meio de projetos de ensino, pesquisa e extensão transversais que atendam os direitos humanos e os da natureza. Esta seria a forma adequada para garantir que seus profissionais possam atuar de forma consciente e proativa na transição rumo a uma sociedade global sustentável, resiliente, equitativa e poli cultural, pois as mudanças climáticas nos obrigam a mudar de rumo.


Referências Bibliográficas

ALTIERI, M. A., & TOLEDO, V. M. The agroecological revolution in Latin America: rescuing nature, ensuring food sovereignty and empowering peasants. Journal of Peasant Studies, 38(3), 587-612, 2011.

BRASIL. Guia alimentar para a população brasileira. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. 2. ed., Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

FAO. Plan de Acción Mundial para la Conservación y la Utilización Sostenible de FAO. The future - Trends of food and challenges agriculture. Rome. 2017.

 

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