OS CALVÁRIOS CRUZADOS DE G.H. E RODRIGO S.M.

 

 

Fábio Della Paschoa Rodrigues

 

Introdução

A paixão segundo G.H. [1] , livro de Clarice Lispector publicado em  1964, pode ser considerado um marco: ao mesmo tempo em que reafirma as questões metafísicas dos romances anteriores, traz, pela primeira vez na obra clariceana, o problema da luta de classes (cf. Oliveira, 1985: 6-8). Nele, “as questões filosóficas, os conflitos pessoais, confundem-se com as barreiras e choques entre as classes” (Oliveira, 1985: 8). O livro

[...] enfatiza a necessidade de reexaminar o sistema de classes em cujo ápice a narradora vive. G.H. aprende a encontrar beleza na barata repugnante. Da mesma forma, levanta a viseira ideológica que a vinha impedindo de ver sua antiga empregada como um outro ser humano, em vez de um simples objeto de exploração. (Oliveira, 1985: 94)

Esse choque entre conflitos pessoais e conflitos sociais reaparece, de maneira contundente, no último romance de Clarice Lispector publicado em vida, A hora da estrela [2] (1977). Neste romance, o autor-narrador Rodrigo S.M. se vê frente ao outro de classe, uma nordestina que vira nas ruas do Rio de Janeiro. Esta nordestina, Macabéa, provoca no escritor quase os mesmos questionamentos que a doméstica Janair e a barata provocam em G.H., narradora do outro romance.

Percorrer a paixão de G.H. é trilhar o mesmo caminho de Rodrigo S.M. Mas há uma diferença de martírios: enquanto G.H. tenta apreender a coisa em si, sem sistemas interpretativos, Rodrigo S.M. almeja consegui-lo pela linguagem. Além disso, o sofrimento pela identificação com o outro – a paixão – adquire valores diferentes: para G.H. a aceitação do outro – culminando com a colocação da matéria branca da barata na boca – leva a narradora a um radical questionamento existencial, metafísico. Nas palavras de Solange R. de Oliveira (1985), o social torna-se metáfora do existencial. Em A paixão segundo G.H., “a questão social, apresentada sobretudo por meio de uma rede de imagens densamente entrelaçadas, torna-se, por sua vez, o símbolo de outro problema: o do confronto do homem com a realidade e com a angústia existencial.” (Oliveira, 1985: 56) O “ato proibido” de tocar a barata leva G.H. da reflexão sobre o outro de classe à reflexão metafísica da busca da realidade última, pois “para G.H., a tentativa de atingir a realidade última, sem a interferência de qualquer sistema criado para moldá-la na medida da compreensão humana, é o alvo máximo.” (Oliveira, 1985: 71) A partir de sua identificação com a barata, G.H. praticamente deixa de lado o questionamento do “social”. A hora da estrela parece questionar essa ordem na relação dos problemas: Rodrigo S.M. esforça-se por tentar tornar maior o questionamento social; o sofrimento aqui mantém-se o conflito entre o social e o existencial, que estrutura toda a narrativa de A hora da estrela.

 

Os Calvários dos Narradores

Os dois romances são narrados em primeira pessoa. G.H. é escultora; Rodrigo S.M. é escritor. Ambos procuram dar uma forma às coisas, seja pela escultura, seja pelas palavras. Representam tipos de seu estrato social. Daí as iniciais bastarem a G.H. e a abreviação do sobrenome do escritor.

Os narradores protegem-se do mundo “real” em suas “celas” – G.H. em sua cobertura, Rodrigo S.M. em seu “cubículo”, de onde escreve. O contato com o outro de classe rompe o conforto material e pessoal, levando a uma angustiada reflexão sobre o “eu” e o “outro”, sobre a “realidade” e a alienação.

O autor-narrador de A hora da estrela (“na verdade Clarice Lispector”, p.27) anuncia numa dedicatória o conflito que sustentará sua narração. Ele dedica o livro “a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto de eu neste instante explodir em: eu. Esse eu que é vós pois não agüento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter em pé [...]” (p.27)

G.H. também precisa dos outros: a narradora tenta – através de uma perspectiva múltipla, de uma visão caleidoscópica – abarcar, além da perspectiva da primeira pessoa, todos os pontos de vista sobre a realidade concreta. Dessa forma, há um movimento de identificação e desidentificação, ora do leitor para com a narradora, ora da narradora para com Janair ou a barata, ora a tentativa de G.H. ver-se pelos olhos dos outros. Mas, a visão do/pelo outro a amedontra, pois “no seu mundo alienado, G.H. protegera-se sempre contra todas as formas contundentes da realidade.” (Oliveira, 1985: 47).

Macabéa é uma dessas formas contundentes da realidade, com a qual se depara Rodrigo S.M.: “numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina.” (p.32) O enfrentamento de Rodrigo S.M. frente ao outro de classe – Macabéa – é o mesmo de G.H.: ela “tem que aprender, como parte de sua ‘paixão’, a confrontar-se, na pessoa da empregada Janair, e de seu duplo, a barata, com as classes chamadas ‘inferiores’ ” (Oliveira, 1985: 8). Seu calvário, rumo ao encontro com a realidade última, “começa pela batalha com a linguagem” (Oliveira, 1985: 82). O de Rodrigo S.M. também, mas de outro modo. G.H. quer eliminar a “barreira” da linguagem e apreender diretamente o mundo. Rodrigo S.M. quer apreender a realidade, o mundo das pessoas “reais”, como a nordestina, pela linguagem, através da sua literatura.

Durante o percurso, ambos hesitam. Em certo momento G.H. ainda tenta agarrar-se à sua antiga condição privilegiada, de mulher que “vivia bem, vivia na supercamada das areias do mundo, e as areias nunca haviam derrocado de debaixo de seus pés” (p.77). Rodrigo S.M. desabafa:

O definível está me cansando um pouco. Prefiro a verdade que há no prenúncio. Quando eu me livrar dessa história, voltarei ao domínio mais irresponsável de apenas ter leves prenúncios. Eu não inventei essa moça. Ela forçou dentro de mim a sua existência. (p.51)

Essa hesitação dilacera Rodrigo S.M. do começo ao fim de sua narrativa. Rodrigo S.M. queria atingir-se a si mesmo. Fazia isso rezando “mudamente e escondido de todos”, pois “quando rezava conseguia um oco de alma – e esse oco é o tudo que posso eu jamais ter.” (p.34) Mas não podia prescindir dos outros, dos fatos da realidade, que o sustentam. A história que o narrador contará “tem fatos. Apaixonei-me subitamente por fatos sem literatura – fatos são pedras duras e agir está me interessando mais do que pensar, de fatos não há como fugir.” (p.36) Esse embate é dilacerante, custa a Rodrigo S.M. abandonar-se e falar da realidade: “Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido […].” (p.35)  Assim, os fatos são adiados pelo questionamento existencial ou pela constatação do fracasso de sua tarefa:

“Mas desconfio que toda esta conversa é feita apenas para adiar a pobreza da história, pois estou com medo. Antes de ter surgido na minha vida essa datilógrafa [Macabéa], eu era homem até mesmo um pouco contente, apesar do mau êxito na  minha literatura.” (p.37)

Os fatos da realidade lhe são estrangeiros; é difícil sair do conforto do conhecido: “(Vai ser difícil escrever esta história. Apesar de eu não ter nada a ver com a moça, terei que me escrever todo através dela por entre espantos meus. [...] )” (p.45). Mas Rodrigo S.M. sente-se  obrigado a escrever depois que vê Macabéa na rua, pois a nordestina o acusa e “o meio de me defender é escrever sobre ela.” (p.37). Resolve então escrever: “foi quando pensei em escrever sobre a realidade, já que essa me ultrapassa. Qualquer que seja o que quer dizer ‘realidade’ ” (p.37)

São muitas as contradições do narrador, que nos mostram o conflito entre o “eu” e a “realidade”:

Estou me interessando terrivelmente por fatos: fatos são pedras duras. Não há como fugir. Fatos são palavras ditas pelo mundo. (p.95)

(Como é chato lidar com fatos, o cotidiano me aniquila, estou com preguiça de escrever esta história que é um desabafo apenas. Vejo que escrevo aquém e além de mim. Não me responsabilizo pelo que agora escrevo.) (p.96)

 (Ah que história banal, ma l agüento escrevê-la.) (p.89)

 (Vejo que não dá para aprofundar esta história. Descrever me cansa.) (p.97)

Sardônico, o narrador acusa o leitor, assim como a nordestina o acusou, redimindo-se de sua culpa:

(Se o leitor possui alguma riqueza e vida bem acomodada, sairá de si para ver como é às vezes o outro. Se é pobre, não estará me lendo porque ler-me é supérfluo para quem tem uma leve fome permanente. Faço aqui o papel de vossa válvula de escape e da vida massacrante da média burguesia. Bem sei que é assustador sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta. [...] ) (p.52)

 

O Mundo Seco e Sujo do Outro

O confronto entre classes nos romances está representado também pelo contraste entre o “úmido” e o “seco”. Em A paixão segundo G.H. esse contraste

está subjacente a toda a textura semântica e metafísica do romance, resumindo a oposição entre mundo aberto mas desolado e cru dos pobres e os abrigos frescos e elegantes, embora fechados, onde os privilegiados se protegem contra o espetáculo do sofrimento dos humildes. (Oliveira, 1985: 62)

O mundo de Janair e de Macabéa é seco. O quarto da doméstica é “um deserto”; Macabéa vem do sertão árido. G.H. e Rodrigo S.M. vivem em ambientes frescos, refrigerados, que não conhecem a “poeira” do mundo. Assim como G.H., Rodrigo S.M. está confinado num quarto, num “cubículo”, espaço onde tenta apreender a realidade. Mas são quartos com valores distintos. G.H. está aprisionada na cela do outro – o quarto “era nu, como preparado para a entrada de uma só pessoa. E quem entrasse ali se transformaria num ‘ela’ ou num ‘ele’” (p.67). Além disso, “o quarto da empregada faz lembrar o sofrimento dos pobres, ofendendo-a como uma censura” (Oliveira, 1985: 61). O quarto de Rodrigo S.M. é sua própria cela, onde se mantém preso a seus confortos burgueses, refugiado do outro e, paradoxalmente, tentando apreendê-lo:

Para desenhar a moça tenho que me domar e para poder captar sua alma tenho que me alimentar frugalmente de frutas e beber vinho branco gelado pois faz calor neste cubículo onde me tranquei e de onde tenho a veleidade de querer ver o mundo. (p.43)

A imagem da sujeira impregna as imagens do pobre. G.H. espera encontrar o quarto da empregada “imundo, na sua dupla função de dormida e depósito de trapos, malas velhas, jornais antigos, papéis de embrulho e barbantes inúteis”. (p.35) Sua primeira reação ao outro de classe dá-se justamente porque se depara com um quarto impecavelmente  arrumado; a empregada, numa “ousadia”, rebela-se contra o estereótipo concebido por G.H.: “aquela empregada, sem me dizer nada, tinha arrumado o quarto a sua maneira, e numa ousadia de proprietária o tinha espoliado de sua função de depósito” (p.40) Macabéa, ao contrário de Janair, representa o pobre sujo imaginado pelos da classe de Rodrigo S.M. e G.H: “Ela era um pouco encardida pois raramente se lavava. [...] Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento.” (p.48) A nordestina “se me grudou na pele qual melado pegajoso ou lama negra. [...] Pois a datilógrafa não quer sair dos meus ombros. Logo eu que constato que a pobreza é feia e promíscua.” (p.42) Ela morava num local imundo, impróprio para as pessoas de classe:

O quarto ficava num velho sobrado colonial da áspera rua do Acre entre as prostitutas que serviam a marinheiros, depósitos de carvão e de cimento em pó, não longe do cais do porto. O cais imundo dava-lhe saudade do futuro. [...]

Rua do Acre. Mas que lugar. Os gordos ratos da rua do Acre. Lá é que não piso pois tenho terror sem nenhuma vergonha do pardo pedaço de vida imunda. (pp. 51-2)

Chegar até Macabéa é “tornar nítido o que está quase apagado e que mal vejo. Com mãos de dedos duros enlameados apalpar o invisível na própria lama.” (p.39)

 

A Via Crucis de G.H. e Rodrigo S.M.

O confronto entre G.H. e a empregada e a barata é “o encontro com o ‘outro’, o ser que, chocando-se conosco, nos define” (Oliveira, 1985: 49). G.H., escultora diletante, e Rodrigo S.M., escritor “não engajado”, ambos com situação econômica confortável, fugiam a esse encontro com o outro (especificamente, com o outro de classe). A paixão de G.H. é o caminho que ela tem de percorrer do ódio à identificação com o outro:

No romance, a escultora tem de atravessar o caminho entre os dois mundos [o seu e o do outro de classe]. Isso é parte do processo de sua “paixão”. À medida que o romance se desenrola, ela gradativamente muda do ódio para a aceitação da empregada. Num processo paralelo, chega a enfrentar e aceitar todos os seres humanos, até que finalmente tateia à procura do próprio eu e da realidade última. Nesse ponto a questão social já se tornou uma metáfora para o problema mais vasto da angústia existencial (Oliveira, 1985: 63)

A transformação do “eu” no “outro” começa a ser realizada, de certa maneira, quando G.H. se vê no desenho deixado por Janair na parede do quarto. G.H., ao se deparar com os desenhos feitos na parede, sente-se julgada pela empregada. E sente que Janair a odiava, mas “não um ódio que me individualizasse, mas apenas a falta de misericórdia”(p.44). O ódio da empregada era o ódio da classe oprimida contra os opressores (cf. Oliveira, 1985: 61), e que também é recíproco: “Perguntei-se se na verdade Janair teria me odiado – ou fora eu que, sem nem sequer a ter olhado, a odiara” (p.47).

Além de um certo ódio, G.H. sente medo dos oprimidos: “[...] eu estava com medo. E precipitou-me então um medo maior [...] seria o modo que ‘eles’ [...] tinham de não me deixar mais sair?” (p.54) Medo que cresce e toma conta: “O medo grande me aprofundava toda.” (p.59) Janair era “a representante de um silêncio” (p.47), assim como Macabéa “jamais disse frases (...) por ser parca de palavras (p.93).

Era esse medo que abafava  o grito de G.H. Ao ver a matéria branca saindo da barata G.H. quer ter “o direito ao grito”, mas tem medo:

“Grite”, ordenei-me quieta. “Grite”, repeti-me inutilmente com um suspiro de profunda quietude.

[...]

Mas seu eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.” (pp.70-1)

Rodrigo S.M. vence esse medo e reconhece:

“Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.” (p.33)

E dá esse grito através do grito dos oprimidos que atemoriza G.H.: “através dessa jovem dou o meu grito de horror à vida. À vida que tanto amo.” (p.55)

O outro desperta sentimentos ambivalentes, ora atrai ora repele. A barata causa nojo em G.H.. A visão do outro é repelente, é preciso afastá-la de si, por isso G.H. tenta matar a barata, esmagando-a na porta do armário. Mas depois a barata é descrita como um “objeto de luxo”, uma “gema preciosa ferruginosa”, uma “noiva de pretas jóias”.(p.81) A identificação é um processo ambivalente: “Tenho nojo e maravilhamento por mim. [...]  É que eu olhara a barata viva e nela descobrira a identidade de minha vida mais profunda” (pp.64-5).  Mas,  enfim, o outro é aceito: “Olhei-a, à barata: eu a odiava tanto que passava para o seu lado, solidária com ela, pois não suportaria ficar sozinha com minha agressão” (p.65). G.H., então, perde o medo e toca no outro: “Eu fizera o ato proibido de tocar no que é imundo” (p.81). Esse ato de libertação de si mesmo é radical: para que G.H. atinja o “outro”, a “realidade última” é necessária mais que a empatia, é necessária a total identificação e, então, G.H. se obriga a colocar na boca a matéria branca que sai das costas da barata esmagada na porta do armário.

Também Rodrigo S.M. enfrenta a ambivalência de sentimentos frente ao outro. Para tentar chegar até Macabéa o autor-narrador ingenuamente prepara um “ambiente propício”:

agora não é confortável: para falar da moça tenho que não fazer a barba durante dias e adquirir olheiras escuras por dormir pouco, só cochilar de pura exaustão, sou um trabalhador manual. Além de vestir-me com roupa velha rasgada. Tudo isso para me pôr no nível da nordestina. (p.40)

 Mas ele mesmo admite que uma tal encenação não basta, sabe que talvez “tivesse que me apresentar de modo mais convincente às sociedades que muito reclamam de quem está neste instante mesmo batendo à máquina” (p.40).

Contar a história da nordestina, que tem fatos, é sua expiação: “Estou passando por um pequeno inferno com esta história. Queiram os deuses que eu nunca descreva o lázaro porque senão eu me cobriria de lepra.” (p.61) Mas ele deve percorrer essa via crucis para chegar ao objeto: “a ação desta história  terá como resultado minha transfiguração em outrem e minha materialização enfim em objeto.” (p.41). Assim como G.H. se reconhece nos desenhos de Janair, depois na barata, Rodrigo S.M. se transfigura na outra: “vejo a nordestina se olhando ao espelho e [...] no espelho aparece o meu rosto cansado e barbudo. Tanto nós nos intertrocamos.” (p.43)

A identificação total é aceita, mas é preciso que o outro de classe morra: “Ela [Macabéa] estava livre enfim de si e de nós. Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça. Desculpai-me esta morte. É que não pude evitá-la.” A morte de Macabéa é a morte de Rodrigo S.M. transmutado no outro: “Macabéa me matou.” (p.111)

Os calvários dos narradores se cruzam no sangue do outro. É necessária a morte do outro – da barata e de Macabéa – para que a identificação seja possível. Assim como na tragédia, a morte traz o terror e a piedade. Mas não basta a empatia com o herói trágico para que a falha seja purgada. Para G.H. e Rodrigo S.M. é preciso a identificação total. Assim, G.H. prova da matéria branca que a barata expele, Rodrigo S.M. morre com Macabéa. É necessário que ambos passem pela via crucis e que sejam também crucificados, para redimir a sua culpa e a culpa dos outros, esperando a ressurreição de uma nova pessoa.

 

 

BIBLIOGRAFIA

Arêas, Vilma. “Un poco de sangre (observaciones sobre A hora da estrela de Clarice Lispector)” In: Escritura, XIV, 28. Caracas, júlio-dezembro 1989.

Lispector, Clarice. A paixão segundo G.H. 5ª ed.Rio de Janeiro: José Olympio: 1977.

_______________. A hora da estrela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record: 1984.

Oliveira, Solange Ribeiro de. A barata e a crisálida. Rio de Janeiro: José Olympio/Pró-Memória INL, 1985.



[1] Clarice Lispector. A paixão segundo G.H.. 5ª ed. Rio de Janeiro: José Olympío, 1977. Todas as citações tomam por referência esta edição e os números das páginas virão indicados entre parênteses.

[2] Clarice Lispector. A hora da estrela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record: 1984. As citações referem-se a esta edição e os números das páginas serão indicados entre parênteses.