NO JARDIM DAS LETRAS, O POMO DA DISCÓRDIA

MARISA LAJOLO
é Professora Dra.do Dep. de Teoria 
Literária do 
IEL-Unicamp

Foi só na década de trinta que se implantaram os cursos de Letras no Brasil, não obstante as várias reivindicações anteriores (por exemplo a de Carlos de Laet durante o Congresso de instrução de 1883 ou a de Afrânio Peixoto na Aula Magna da Universidade do Rio de Janeiro, em 1921),e mesmo uma efêmera experiência de 1908,levada a cabo em São Paulo, no Mosteiro de São Bento.

Instituídos como parte do projeto da criação das Faculdades de Filosofias, os cursos brasileiros de Letras, enquanto lugar privilegiado para o estudo das línguas e literaturas, são recentes .

Mas, apesar dos privilégios, eles parecem ter herdado algumas das contradições características do estudo "de letras" que, antes de sua criação formal, manifestava-se nas disciplinas "letradas" que integravam os currículos de alguns cursos.

Estabelecidos com a tríplice finalidade de a ) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica; b)preparar candidatos ao magistério do ensino secundário, normal e superior; c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura que constituem objeto de seu ensino, os cursos de Letras, ao longo dos anos trinta, tiveram como berço São Paulo (FFCL-USP,1934),Rio de Janeiro (UDF,1935 e FNF da Universidade do Brasil,1939) e Minas Gerais (UMG,1939)

Mas estes cursos criados nos anos trinta não tinham em comum apenas a designação de Letras, nem a amplidão dos objetivos que presidiram à sua criação. Eles aparentavam-se também - e o parentesco ainda persiste- pela configuração bipartida que assumia a forma de consecução de seus objetivos: confinavam a licenciatura (então chamada Licença Magistral) a umas tantas matérias cursadas fora do curso de Letras, e num ano que se somava aos ano dedicados às línguas e literaturas.

Tal forma de organização curricular parece emblematizar, na distinção de espaços e de tempos, a radical incompatibilidade de seus objetivos: para as pesquisas, para os trabalhos intelectuais, para as altas atividades de ordem técnica ou desinteressada ,as línguas, literaturas e filologias do currículo, propriamente de Letras, desenvolvidos na Faculdade de Filosofia. Para a preparação dos candidatos ao magistério, as disciplinas cursadas fora do curso de Letras: no caso paulista, na Escola Normal, efetiva e sintomaticamente chamada de cursinho (nota 1)

Assim, entre as constantes do curso de Letras, ao longo de seu meio século de existência, destaca-se o exílio das matérias de sua licenciatura para as escolas/institutos/faculdades de Educação/Pedagogia, onde metodologia, Psicologia, Administração Escolar & Didática, pretendem e precisam dar conta da formação docente de um engresso do curso de letras.

Com o perdão do samba, um dá o tom ,o outro a melodia. E, como se previa no ensaio geral, acabam desafinando o coro e atravessando a música.

Examinando os currículos dos cursos de Letras, afloram outras peculiaridades que talvez estejam na raiz do que hoje é, com unanimidade, vivido e proclamado como a crise dos cursos de Letras.

O trajeto da disciplina Literatura Brasileira no currículo de Letras pode ser modelar, por ter sido bastante semelhante ao trajeto que ela já tinha percorrido no Bacharelado em Letras oferecido, no século XIX, pelo Colégio de Pedro II (nota 2).

Em ambos os casos ,foi muito lenta a separação da literatura Brasileira da Portuguesa, coexistindo ambas, nos primeiros currículos de Pedro II, sob a designação de Literatura Luso-Brasileira. Joaquim Manuel de Macedo registra que foi só em 1857,vinte anos, portanto, depois da fundação do colégio, que se criou no sétimo ano, uma cadeira de História da Literatura Brasileira e Nacional.

Os exames dos currículos dos primeiros cursos brasileiros de Letras (nota 3)

mostra-nos um trajeto em tudo similar. De 1935 a 1939,o currículo que regia a concessão de Licenciatura Magistral em Línguas Novi-Latinas não incluía nenhuma literatura, exceto, no último ano ,uma disciplina intitulada Literatura Geral. A partir de 1939 com a formação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras da Universidade do Distrito Federal na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, o currículo de Letras Neolatinas passou a incluir um ano de Literatura Portuguesa e Brasileira, modelo que foi estendido para âmbito federal (nota 4).

Saliente-se neste currículo, no qual a Literatura Brasileira e a Portuguesa espremem-se no interior de uma mesma disciplina que tem a duração de um ano, reserva três anos para Língua e Literatura Francesa, outros tantos para Língua e Literatura Italiana, e mais três para Língua Espanhola e Literatura Espanhola e Hispano-Americana.

Foi só a partir de 1946 que, em movimento liderado por São Paulo, um currículo opcional deu autonomia a Literatura Brasileira que, na FFCL da USP passou a dispor em igualdade de condições com a Literatura Portuguesa, de dois anos ,enquanto as línguas e literaturas Francesa, Italiana e Espanhola (incluindo Literatura Hispano-Americana) continuavam a dispor de três anos cada uma.

Com base no mesmo decreto que permitiu a reorganização do currículo paulista, a Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro reestruturou o seu, redistribuindo o tempo dedicado às diferentes línguas e literaturas. Nesta redistribuição, Literatura Brasileira passa a ter apenas um ano (carga Horária idêntica à de Literatura Portuguesa...)conta os quatro anos de Língua e Literatura Francesa, os três anos de Língua e Literatura Italiana, os dois anos de língua e literatura espanhola. Desfrutam, pois, as literaturas vernáculas, de igualdade de condições com um ano dedicado às Literaturas Hispano-Americanas.

Se a partir dos anos sessenta, as recomendações e princípios do Conselho Federal de Educação e as diretrizes do ensino secundário privilegiam o ensino de Português e, a partir daí, o ensino de Literatura Brasileira, o percurso cumprido por esta disciplina no interior do parelho escolar foi, para dizer o mínimo sinuoso. E o tratamento dispensado a ela, como componente curricular nos cursos de Letras, parece interessante, pelo que sugere de dificuldades e congestionamentos de transito entre duas instituições sociais: de um lado, a escola e de outro literatura, ou o discurso que sobre ela se faz.

A demora em separar-se a Literatura Brasileira da Portuguesa no currículo do Pedro II parece atestar o atraso com que a instituição escolar incorpora ao seu discurso discursos desenvolvidos no interior do mesmo sistema cultural a que ela (escola) se integra. Afinal, os mesmos anos trinta do século passado assistem tanto a criação do colégio Pedro II, quantos aos primeiros esforços de consolidação de uma imagem nacional e autônoma da literatura brasileira e a organização de seu cânon; imagem e cânon que, como vimos, levam vinte anos para serem absorvidos pela escola...

Um século mais tarde, no caso das Faculdades de Filosofia, a mesma demora se repete; agora, entretanto, com uma agravante: o estudo independente e autônomo da literatura brasileira não só estava formalmente consolidado através de uma malha bastante complexas de instituições literárias brasileira, como, principalmente ,pela diversidade dos discursos (críticos, e de criação de história literária) que em nome da literatura brasileira se faziam.

O caráter importado do modelo de universidade que aqui se implantou e, obviamente, a ausência, nesse modelo estrangeiro, da disciplina Literatura Brasileira, que inspirasse como se ensinaria, a nível universitário, tal disciplina, pode explicar o embaraço. Como, simetricamente, se explica a ausência de Língua Portuguesa, nos currículos da escola secundário brasileira do século XIX pela óbvia inexistência de tal disciplina no currículo que a escola francesa nos exportou(nota 5).

Outros aspectos estreitam mais o parentesco entre a versão atual do curso de Letras e suas versões mais antigas: por exemplo, a constância das queixas ao aprendizado patrocinado por tais cursos.

A sessão de reclamações já se abre no século XVIII, quando Silva Alvarenga (o desertor das letras,1774)denuncia o estado calamitoso a que estava reduzido, na universidade portuguesa pré-pombalina, o ensino e o aprendizado das letras e se pergunta quais seriam as causas, quais os meios porque Gonçalo renuncia aos livros?(nota 6) Sumarizando aos companheiros de Gonçalo -protótipo do mau estudante anti-herói do poema como

Os que aprenderam os nomes dos autores

Os que lêem só o prólogo dos livros,

E aqueles, cujo o sono não perturba

O côncavo metal, que as horas conta,

.................................. (7)

Mas não é preciso ir tão longe. Melhor dizendo, esta crise longínqua não nos preocupa mais, principalmente porque o iluminismo esclarecido fornece a Silva Alvarenga tanto o diagnóstico quanto a terapia e ambos são inaplicáveis ao surto atual da doença...

Cruzando o século XIX e o Oceano Atlântico, chegamos à Independência brasileira e a criação, em 1837 do Colégio Pedro II onde, como já se viu ,inaugurou-se o primeiro bacharelado em Letras no país. Joaquim Manuel de Macedo, cronista competente da época, registra a precariedade da formação destes bacharéis, cujo aprendizado efetivo limitava-se a apenas um pouco de cantochão e de latim (nota 8) .

Carlos de Laet, aquele mesmo professor que em 1883 reivindicava um curso superior de Letras e que em1895 assinava, com Fausto Barreto a Antologia Nacional, analisando em 1927 o ensino de literatura, lástima que depois da revolução de 1889(...) no encontro entre as literaturas e as ciências médicas, teria aquela mesma sorte que a panela de barro: assim foi -parece incrível- que se julgou dispensável a literatura no único curso federal de instrução secundária (nota 9).

Mais adiante seu espanto aumenta, quando um bacharel de 1927 o informa que no curso atual do colégio Pedro II não há palavras sobre as letras germânicas, nem tampouco sobre as anglo-saxônicas (nota 10).

Em anos bem mais recentes, a propósito de uma experiência de docência universitária no interior paulista, Osman Lins, com assombros e indignações não menores, registra panorama muito semelhante:

...insuficiência dos alunos, altamente imaturos e despreparados(...)não são raros os que chegam à faculdade sem nunca terem lido uma obra literária qualquer...(nota 11).

São, assim, muitas as vozes e circunstâncias que registram o desencontro de expectativas e a insatisfação que assoma sempre que se fala dos cursos de Letras. Por força da repetição, a impressão de crise parece firmar-se, não mais como um estado provisório e conjuntural, mas como modo de ser: e a crise se revela estrutural.

Descontando o saudosismo e desencanto que via de regra molham a voz dos educadores quando se reportam à escola de seu tempo, sempre risonho e franco, a unanimidade das queixas parece dizer que Shakespeare tinha razão: há algo de estranho no jardim das Letras...

E, já que estamos singrando águas Hamletianas, não custa navegar um pouco mais e sugerir que o curso de Letras parece padecer de uma esquizofrenia crônica, que não esta longe do drama vivido pelo príncipe dinamarquês, dilacerado entre ser e não ser..

Tal dilaceramento faz-nos retornar a dicotomia básica que presidiu a implantação dos cursos de Letras no Brasil, comprometida, como se assinalou, com direções opostas: de um lado, com a formação de professores para o magistério(secundário, normal e superior);do outro a formação de pesquisadores (nota 12).

Se é bem clara a saída profissionalizante que o magistério representa para os egressos de um curso de Letras, é profundamente obscuro o mercado de trabalho que pode absorver trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica .

Enquanto fornecedor de uma habilitação profissional, é muito tênue o parentesco manifestado pelos atuais cursos de Letras, e aquele antigo Bacharelado em Letras oferecido pelo Colégio Pedro II; afora isentar tais bacharéis dos exames preparatórios das Academias do Império, de bem pouco valia o cartucho de um Bacharel em Letras. A fórmula pela qual colavam grau

Juro respeitar e defender constantemente as instituições pátrias, concorrer quanto me for possível para a prosperidade do Império, e satisfazer com lealdade as obrigações que me forem incumbidas (nota 13)

não define nenhum tipo de profissionalização: antes sugere que o título Bacharel em Letras era apenas uma condecoração a mais a fulgurar nas casacas dos que se destinavam, por força do nascimento ou da fortuna, aos altos cargos da administração ou da política.

Por outro lado a profissionalização do magistério, foi sempre uma profissionalização pouco compensadora. O magistério, para cujo exercício, por mais de um século não se pediu nenhum tipo de preparo, foi com muita freqüência exercido por indivíduos que aumentavam, pelo desprestígio de seu grupo social de origem, a marginalização social da profissão que abraçavam: mulheres, mulatos e imigrantes despreparados são a galeria de docentes que o século XIX e começo do século XX exibem. Só por um breve período, e não por coincidência nos arredores da criação da Faculdade de Filosofia da USP, o magistério secundário paulista ofereceu condições profissionais dignas (nota 14).

Mas para fora deste efêmero paraíso paulista, sem forças para alterar o mercado de trabalho em função do qual foi criado ,os cursos de letras ,parecem ter introjetado tanto a degradação da realidade profissional da escola brasileira quanto, numa espécie de movimento compensatório, a noção e a praxe antiga de ligar às Letras um certo otium cum dignitate.

Nos anos 30,marco da modernização social brasileira, quando a forma mais visível de inserção profissional de um licenciado em Letras se fazia mediante a prestação de um serviço (o magistério) remunerado (irrisoriamente),ressurge a velha fonte do aristocratismo herdado da tradição oitocentista pré-capitalista, quando as coisas da cultura -entre as quais as Letras- eram esferas de favor, mecenato e prestígio social. É como se na atual crise dos cursos de Letras desaguasse a síntese do que mais irreconciliável houvesse em cada uma das extremidades dos modelos subjacentes à criação dos cursos brasileiros de Letras: entre os anéis e os dedos ,foram-se ambos.

Esta mesma incômoda e improdutiva dicotomia parece orientar os vários e sempre desajeitados movimentos com que, esporadicamente, os cursos de Letras tentam superar as crises que os afogam: Tentam, de um lado, ajustar-se ao mercado de trabalho docente, através da substituição de umas disciplinas por outras, conferindo a estas o poder de realizar o milagre de dotar o egresso de um curso de Letras dos instrumentos necessários a um exercício mais eficiente do magistério de primeiro e segundo graus.

Nesse sentido, é interessante observar que, ainda nos anos 30,os cursos de Letras cariocas sofreram uma sintomática rotação de título: O curso de Línguas Novilatinas passou em alguns anos, a intitular-se de Letras Neolatinas. De Línguas para Letras deu-se a inclusão da Literatura que, obviamente, incluía-se entre os pratos do cardápio a ser oferecido aos alunos dos ginásios e colégios onde iam os formandos ganhar seu pão de cada dia.

Em tempos bem mais recentes, o entra-e- sai da Literatura Portuguesa no currículo de segundo grau trouxe desassossego às Faculdades de Filosofia, com os docentes desta área bastante inquietos face á lacuna de qualquer redução na carga horária de Literatura Portuguesa acarretaria na formação dos alunos e igualmente inquietos quanto aos riscos que seus próprios empregos corriam, se sua matéria sofresse qualquer decréscimo de importância.

Mas os sustos e chiliques não assolam apenas as áreas das armas e barões assinalados. Propostas e contra propostas que emanam do Planalto Central sempre que o Conselho Federal de Educação se debruça sobre o currículo de Letras põe em polvorosa os docentes das mais diferentes especialidades. Um dos últimos rounds pôs frente a frente lingüistas e especialistas em Língua Portuguesa e também neste caso, os embates se travaram em nome de uma terapêutica para os descalabros que fazem emurchecer a última flor do Lácio nos canteiros da rede escolar brasileira.

Também a discussão, contemporaníssima nossa, se Literatura Infantil é ou não disciplina essencial à graduação em Letras pauta-se pelo mesmo pressuposto que, aliás, permeia todas as discussões que se travam em nome de qualquer reforma do curso de Letras; o pressuposto da reprodução ,segundo o qual o currículo de Letras deve incluir e espelhar todos os conteúdos de Língua Portuguesa e Literaturas constantes do currículo de primeiro e segundo graus.

Ora, tal organização do curso ( e mesmo tal encaminhamento de sua discussão )trai uma concepção muito pobre da universidade, reprodutora, de antemão ,da inevitável simplificação do modo pelo qual currículos de primeiro e segundo graus recortam os objetos de conhecimento de que se ocupam ao longo de sua grade curricular.

Na outra ponta da dicotomia vem o compromisso, assumido pelos cursos de Letras, com a formação de especialistas. Projeto que também sofreu inúmeros reajustes, mas que parece correr riscos menores de afogamento. Os trabalhadores intelectuais, as altas atividades de ordem desinteressada dispõe agora de espaço próprio. A pós-graduação, por sua natureza e objetivos, alivia (ou pode aliviar) a nível institucional, aquilo que nos singelos anos trinta congestionava o projeto de criação de um curso de Letras que, já naquela época abriu espaço para uma especialização (nota 15) (nota 16).

Mas, mesmo assim, respingam na pós-graduação algumas rebarbas de ambigüidade que presidiu ao projeto de implantação dos cursos de Letras brasileiros. O que exige um novo retorno aos anos trinta.

É tempo agora de recordar que a criação dos cursos brasileiros de Letras foi contemporânea da crise epistemológica por que passavam (e continuam passando) as humanidades, num mundo em acelerada transformação e sacudido pela tecnologia (nota 17).

Mesmo no periférico Brasil, a década de trinta foi marcada por mudanças significativas no modo de produção cultural: a urbanização intensiva criou espaço para o aparecimento de novos segmentos de classe média, cujo fortalecimento articula-se tanto com a multiplicação de ginásios, quanto com o surgimento de um novo público leitor, que alimentava diferentes expectativas de leitura. Para satisfazer a estas, as edições da Editora Globo gaúcha por exemplo, foram a medida justa: somavam-se ao rádio e aos frutos da modernização da imprensa, que começavam a competir com tradição letrada como resposta ás solicitações culturais deste novo público.

Só este quadro já basta para delinear o anacronismo de uma instituição que elenca, entre seus objetivos, o patrocínio de atividades culturais de ordem desinteressada, no momento em que a cultura e seus produtos passa por intensa mercantilização, ou seja: são interessadíssimos. O que a época pedia era a formação de profissionais mais ajustados ao perfil capitalista moderno que ia assumindo, também no setor cultural, a sociedade brasileira.

Ao invés disso, os cursos de Letras comprometiam-se com aquele verniz social que as Letras (e as artes, de modo geral) traziam, tradicionalmente, para seus cultures e estudiosos. E com isso, o exercício das altas atividades de ordem desinteressada e a realização de pesquisas acabou se realizando exclusivamente intra-muros. No começo, para capacitar alguns dos alunos mais dotados a preencherem os claros que os professores que regressavam à Europa iam deixando no corpo docente da faculdade. E muito pouco além disso.

A pesquisa teve que esperar trinta anos para, através da implantação da pós-graduação, tornar-se mais palpável, apesar de continuar, até hoje, a realizar-se em função da exigência de titulação para os professores dos agora numerosíssimos cursos de Letras brasileiros. Pois, ainda hoje, a pesquisa só se faz, quando se faz, no interior de algumas universidades e é acoplada ,de um lado, aos cronogramas e prioridades das agências financiadoras, e do outro, as injuções de uma carreira docente onde o salário, muitas vezes, se atrela à realização periódica de pesquisas nem sempre relevantes (nota 18) (nota 19).

Talvez os anos 80,que viabilizaram e amiudaram eventos como o que nos reúne hoje, aqui, configurem um contexto propício para uma reforma geral no jardim das Letras. Uma reforma que substitua a pauta tradicional de tais discussões-cartorial e corporativista-por uma pauta estrutural e conjuntural, que dê conta da radical alteração do objeto em nome do qual os cursos de Letras se criaram e se mantém até hoje. A questão não é curricular .É estrutural . Nasce e desemboca na forma de inserção do curso de Letras na sociedade brasileira contemporânea.

A inserção possível e a desejável.

Sem este acordo, e sem esta aposta, fica cada vez mais fortalecida a esquizofrenia de uma instituição que, ao desconsiderar o modo como por exemplo, leitura e literatura se incorporam a uma dada sociedade ,e ao alçá-las a posição de coisas em si, pode permitir-se conceber seu ensino como mera técnica, tão secundária que é passível de exílio para outros espaços e para outros especialistas. Como, aliás, é o caso da literatura infantil, da alfabetização, ou de qualquer outra disciplina que fatores de ocasião propiciem incluir no currículo.

Trata-se, em resumo, de saber (com Terry Eagleton) "se podemos falar de Teoria literária sem perpetuarmos a ilusão de que a literatura existe como um objeto específico do conhecimento, ou se não será preferível deduzirmos as conseqüências práticas do ato de que a Teoria Literária tanto pode se ocupar de Bob Dylan como de John Milton. Minha opinião é que seria mais útil ver a literatura como um nome que as pessoas dão, de tempos em tempos e por diferentes razões, a certos tipos de escritos, dentro de todo um campo daquilo que Michel Foucault chamou de práticas discursivas. E que se alguma coisa deve ser objeto deste estudo, este deve ser todo o campo de práticas, e não apenas as práticas rotuladas, de maneira um tanto obscura, de literatura" (nota 20).

 

BIBLIOGRAFIA

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