Em Defesa da Língua Portuguesa: Defendê-la de quem e de quê? |
|
Perante a Câmara de Deputados, O Deputado Federal Aldo Rebelo (PC do Brasil/SP) apresenta neste momento um projeto de lei que "dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa". O distinto parlamentar tem também a intenção de organizar um "Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa". De acordo com os termos do referido projeto, quem utilizar abusivamente ou desnecessariamente palavras ou expressões estrangeiras será punido com multas de até R$ 12.640,00! Deixando de lado questões a respeito da constitucionalidade e, se for aprovada pelas duas Câmaras, da viabilidade de implementação e cumprimento legal da proposta, cabe perguntar o porquê do interesse em proteger o idioma nacional. Quem são os "inimigos" dos quais a língua portuguesa precisa ser defendida? Os próprios usuários? Os estudantes nas escolas? Os meios televisivos e a imprensa? Os dicionários de língua portuguesa? Os inimigos não seriam os próprios usuários, tais como aqueles legisladores que apresentaram um projeto de lei sobre aposentadoria que acusava "lapsos" no uso de vírgulas o que contribuiu para tornar o texto ambíguo?. Outros inimigos do idioma não seriam aqueles estudantes que escrevem nas suas redações, "interviu" ou "esteje"? E ainda outro "inimigo" não seria um dono de casa que deixa um bilhete para o leiteiro nestes termos: "Seu Silva, me deixa amanhã mais um leite e meia dúzia de ovos, tá? " Obviamente ninguém é inimigo nesses casos. A língua nacional não corre perigo. Quanto à falta de vírgulas numa redação, errar é humano. Todo texto deve ser revisto. Alguns escolares precisam ler e escrever mais em português. Cumpre observar que muitos alunos se expressam muito bem oralmente e redigem por escrito com clareza e até com bastante criatividade. Tampouco é inimigo do idioma o dono de casa que escreveu um bilhete em português informal para o leiteiro (apesar das possíveis críticas de alguns gramáticos tradicionais). Tal bilhete seria um sucesso comunicativo se o dono de casa recebesse exatamente o que pediu. Um exame do projeto lei e os comentários a respeito do mesmo por parte do Autor mostram que os inimigos são as palavras e expressões estrangeiras que todos os usuários empregam no dia a dia, que escutam na televisão e no rádio e que lêem nos jornais e revistas. Os inimigos do idioma para o Deputado Rebelo são vocábulos de origem estrangeira por ele considerados "garranchos amargos que turvam a vista e enrolam a língua", tais como kümmel, steepple-chase, steward e groom . O curioso com esses vocábulos "de difícil escrita e penosa prosódia", citando as palavras do parlamentar, é que constam do Aurélio e são devidamente rotulados como "palavras estrangeiras". Steeple-chase foi usada por Euclides da Cunha. O Aurélio registra palavras de origem russa: tzar e tzaréviche consideradas pelo Deputado como "paralelepípedos gráficos e prosódicos ". Mas o Aurélio registra as formas alternativas czar e czaréviche com a grafia algo mais aportuguesada, mas que não satisfazem completamente porque o encontro consoantal cz não caracteriza a língua portuguesa. Nenhuma das duas grafias contribui para "corromper" o português. Deve-se escrever Tchetchênia ou Chechênia? Cabe observar que dois jornais de grande circulação na cidade de São Paulo apresentam diferentes grafias para o referido país asiático. Isso parece indicar que não faz muita diferença para o destino da língua portuguesa como o usuário escreve o nome desse país. Se o projeto-lei for aprovado, cabe perguntar se a referida lei não vai implicar na "cassação" de vocábulos estrangeiros com multas e outras punições aos Dicionários de Língua Portuguesa por registrar para os consulentes itens lexicais de uso corrente no Brasil como: dumping, doping e ranking. O que parece afligir o Deputado é a pletora de vocábulos de língua inglesa no campo de informática que nos últimos anos se infiltraram no português. A presença de termos como site, home page, on line e software refletem a globalização do mundo neste fim de século. Com o decorrer do tempo alguns vão desaparecer e outros vão ser aportuguesados ou "traduzidos". Mas a presença das expressões estrangeiras de nenhuma forma desnacionaliza, corrompe o português ou transmite a idéia de que a língua portuguesa é vaga, feia ou limitada, como o Deputado tem argumentado . O problema é outro. O que desnacionaliza é a venda por preços irrisórios de empresas brasileiras em boa situação financeira aos interesses estrangeiros, o que desfigura a nação é a desonestidade, a impunidade, e a diferença de poder aquisitivo entre as classes sociais, o que coloniza é a submissão às determinações dos fundos e agências internacionais. Muito mais do que o idioma, os professores de português nas escolas do ensino fundamental e médio devem ser defendidos. O que realmente deve ser defendido é o salário, as condições do ensino com a possibilidade de bolsas de estudo para uma formação continuada dos mesmos durante a carreira, enfim, a necessária "desproletarização" do professor.
|