O Bilontra

 

 
 
QUADRO II
 
CENA V

 

AS MESMAS, a OCIOSIDADE, depois FAUSTINO, depois as LOTERIAS, os DÉCIMOS e os VIGÉSIMOS, depois os CORTESÃOS

 

OCIOSIDADE – Dás licença?

JOGATINA (Indo abraçá-la e trazendo–a para a cena.) Ó mamãe! pois precisas pedir licença?

OCIOSIDADE – É que não venho só.

JOGATINA – Os teus amigos meus amigos são.

OCIOSIDADE – Sim; mas é que teu pai não quer saber de mim... e então...tenho escrúpulos...

JOGATINA – Escrúpulos? Será a primeira vez. Papai está realmente ficando um mau jogo. Acaba neste momento de me expulsar do reino... Intrigas dos aristocratas...

OCIOSIDADE – Não sei ainda; o tempo passa, e dentro de um quarto de hora devo escolher o lugar de meu exílio.

OCIOSIDADE – Não tens que hesitar: Rio de Janeiro!

JOGATINA – Achas?

OCIOSIDADE – Fixei ali o meu domicílio. Dou-me perfeitamente com o clima... Tenho lá muitas relações e sou muito considerada. A ti não te faltarão elementos para lá exerceres poder absoluto. Não podes escolher melhor.

LOTERIA – Pelo menos, sei que os fluminenses dão o cavaquinho por loterias.

JOGATINA – Deveras?

LOTERIA – Adoram-nas. Não há terras em que eu tenha tantos prosélitos! Todos os dias anda a roda, quando não anda duas vezes no mesmo dia! Eu no Rio de Janeiro sou moda, sou febre, sou delírio! Tudo lá é pretexto para loterias! Emancipação? Loterias! Obras numa igreja? Loterias! Asilos de caridade! Loterias! Montepio? Loterias! Tudo loteria! Todas as províncias jogam! Do Sul ao Norte loterias e mais loterias! Pará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Paraná, Santa Catarina, rio Grande do Sul, cada qual tem sua loteria; mas quem paga o pato é a corte, que dá saída a todas elas!

JOGATINA – Decididamente é um povo que me convém! As loterias, assim repetidas, são infalível sintoma de dissolução social. Em parte alguma, pode a Jogatina estar melhor que numa sociedade que se esfacela. Vou para o Rio de Janeiro!

OCIOSIDADE – E lá desempenharás, nas horas vagas, já se sabe, uma comissão que muito me interessa.

JOGATINA – E é?...(Ociosidade faz um gesto para fora: entra Faustino que ela toma pela mão.)

OCIOSIDADE – Proteger este mancebo!

FAUSTINO (Deslumbrado.) – Como isto aqui é lindo!

JOGATINA – A tua mão!

FAUSTINO – Ei-la! (À parte.) Falem-me disto!

JOGATINA – Somos aliados?

FAUSTINO – Dar-me-ás fortuna?

JOGATINA – Veremos.

FAUSTINO – Como obtê-la?

JOGATINA – Por muitos meios. (Mostrando a Loteria.) A Loteria, por exemplo.

FAUSTINO – Um... as loterias da minha terra nunca me atentaram.

LOTERIA – Que dizes? Oh! naturalmente não as conheces! Não posso consentir que julgues mal de minhas filhas! – Apareçam, meninas! (Música. Aparecem as Loterias Brasileiras, acompanhadas por Décimos e Vigésimos.) Gaba-se aquele mortal de que vocês nunca seduziram.

LOTERIAS – Oh!

LOTERIA – Quebrem-lhe a castanha na boca!

 

Bailado e coros

 

(Música de Tristão dos Santos)

 

(As Loterias cercam Faustino, tomando as mais graciosas posições.)

 

LOTERIAS –              Belo mancebo pálido,

Tu vais reconhecer

Neste momento mágico

Nosso imortal poder!

FAUSTINO –                       Lindas são

Sem questão!

Nunca vi

Tanta huri!

LOTERIAS –              Belo mancebo pálido, etc.

 

(Entram os cortesãos com um movimento de dança.)

 

(Coro de cortesãos.)

 

Oh! que dia de júbilo!

El-rei Nosso Senhor

A Jogatina exótica

Bem longe manda pôr!

 

(Continua um trêmulo na orquestra até o galope final.)

 

UM CORTESÃO – Princesa Jogatina, o rei, teu pai, manda-me à tua presença para acompanhar-te até fora do reino com esta luzida escolta de cavalheiros. Manda, outrossim, que em sinal de regozijo pela tua ausência, gire a roda da fortuna, que só gira nas grandes ocasiões! (Sobe o pano do fundo e vê-se a roda da Fortuna girando vertiginosamente.) E agora, a galope!

TODOS – A galope! (Grande galope final. Cai o pano.)

 

 

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