AS MESMAS, a OCIOSIDADE, depois FAUSTINO, depois as LOTERIAS, os DÉCIMOS e os VIGÉSIMOS, depois os CORTESÃOS
OCIOSIDADE – Dás licença?
JOGATINA (Indo abraçá-la e trazendo–a para a cena.) Ó mamãe! pois precisas pedir licença?
OCIOSIDADE – É que não venho só.
JOGATINA – Os teus amigos meus amigos são.
OCIOSIDADE – Sim; mas é que teu pai não quer saber de mim... e então...tenho escrúpulos...
JOGATINA – Escrúpulos? Será a primeira vez. Papai está realmente ficando um mau jogo. Acaba neste momento de me expulsar do reino... Intrigas dos aristocratas...
OCIOSIDADE – Não sei ainda; o tempo passa, e dentro de um quarto de hora devo escolher o lugar de meu exílio.
OCIOSIDADE – Não tens que hesitar: Rio de Janeiro!
JOGATINA – Achas?
OCIOSIDADE – Fixei ali o meu domicílio. Dou-me perfeitamente com o clima... Tenho lá muitas relações e sou muito considerada. A ti não te faltarão elementos para lá exerceres poder absoluto. Não podes escolher melhor.
LOTERIA – Pelo menos, sei que os fluminenses dão o cavaquinho por loterias.
JOGATINA – Deveras?
LOTERIA – Adoram-nas. Não há terras em que eu tenha tantos prosélitos! Todos os dias anda a roda, quando não anda duas vezes no mesmo dia! Eu no Rio de Janeiro sou moda, sou febre, sou delírio! Tudo lá é pretexto para loterias! Emancipação? Loterias! Obras numa igreja? Loterias! Asilos de caridade! Loterias! Montepio? Loterias! Tudo loteria! Todas as províncias jogam! Do Sul ao Norte loterias e mais loterias! Pará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Paraná, Santa Catarina, rio Grande do Sul, cada qual tem sua loteria; mas quem paga o pato é a corte, que dá saída a todas elas!
JOGATINA – Decididamente é um povo que me convém! As loterias, assim repetidas, são infalível sintoma de dissolução social. Em parte alguma, pode a Jogatina estar melhor que numa sociedade que se esfacela. Vou para o Rio de Janeiro!
OCIOSIDADE – E lá desempenharás, nas horas vagas, já se sabe, uma comissão que muito me interessa.
JOGATINA – E é?...(Ociosidade faz um gesto para fora: entra Faustino que ela toma pela mão.)
OCIOSIDADE – Proteger este mancebo!
FAUSTINO (Deslumbrado.) – Como isto aqui é lindo!
JOGATINA – A tua mão!
FAUSTINO – Ei-la! (À parte.) Falem-me disto!
JOGATINA – Somos aliados?
FAUSTINO – Dar-me-ás fortuna?
JOGATINA – Veremos.
FAUSTINO – Como obtê-la?
JOGATINA – Por muitos meios. (Mostrando a Loteria.) A Loteria, por exemplo.
FAUSTINO – Um... as loterias da minha terra nunca me atentaram.
LOTERIA – Que dizes? Oh! naturalmente não as conheces! Não posso consentir que julgues mal de minhas filhas! – Apareçam, meninas! (Música. Aparecem as Loterias Brasileiras, acompanhadas por Décimos e Vigésimos.) Gaba-se aquele mortal de que vocês nunca seduziram.
LOTERIAS – Oh!
LOTERIA – Quebrem-lhe a castanha na boca!
(Música de Tristão
dos Santos)
(As Loterias cercam
Faustino, tomando as mais graciosas posições.)
LOTERIAS – Belo mancebo pálido,
Tu vais reconhecer
Neste momento mágico
Nosso imortal poder!
FAUSTINO – Lindas são
Sem questão!
Nunca vi
Tanta huri!
LOTERIAS – Belo mancebo pálido, etc.
(Entram os cortesãos com um movimento de dança.)
(Coro de cortesãos.)
Oh! que dia de júbilo!
El-rei Nosso Senhor
A Jogatina exótica
Bem longe manda pôr!
(Continua um trêmulo na orquestra até o galope final.)
UM CORTESÃO – Princesa Jogatina, o rei, teu pai, manda-me à tua presença para acompanhar-te até fora do reino com esta luzida escolta de cavalheiros. Manda, outrossim, que em sinal de regozijo pela tua ausência, gire a roda da fortuna, que só gira nas grandes ocasiões! (Sobe o pano do fundo e vê-se a roda da Fortuna girando vertiginosamente.) E agora, a galope!
TODOS – A galope! (Grande galope final. Cai o pano.)