Folk-Lore – Folclore
Carta publicada em The Atheneum, Londres, em 22 de agosto de 1846 por William John Thoms (Ambrose Merton)
“As suas páginas mostraram amiúde o interesse que toma por tudo quanto chamamos, na Inglaterra, “Antiguidades Populares”, “Literatura Popular” (embora seja mais precisamente um saber popular do que uma literatura e poderia ser com mais propriedade designado com uma boa palavra Anglo-Saxônica, Folk-Lore, o saber tradicional do povo), que não perdi a esperança de conseguir a sua colaboração na tarefa de recolher as poucas espigar que ainda restem espalhadas no campo no qual os nossos antepassados poderiam ter obtido uma boa colheita.
Quem quer que tenha estudado os usos, costumes, cerimônias, crenças, romances, refrãos, superstições, etc., dos tempos antigos deve ter chegado a duas conclusões: a primeira, quanto existe de curioso e de interessante nesses assuntos, agora inteiramente perdidos; a segunda, quanto se poderia ainda salvar, com esforços oportunos a que Hone procurou fazer com o seu “Every-Day Book”, etc. E Atheneum, com sua larga circulação pode conseguir com eficácia dez vezes maior reunir um número infinito de fatos minuciosos, que ilustram a matéria mencionada, que vivem esparsos na memória dos seus milhares de leitores, e conservá-los em suas páginas até que seja um James Grimm e preste à mitologia das Ilhas britânicas o bom serviço que o profundo tradicionalista e filólogo prestou à Mitologia da Alemanha. Este século dificilmente terá produzido livro mais notável, imperfeito como seu próprio autor confessa na segunda edição de “Deutsche Mythologie”: o que é isso? – Uma soma de pequenos fatos, muitos dos quais, tomados separadamente, parecem triviais e insignificantes – mas, quando considerados em conjunto com o sistema no qual os entrelaçou sua grande mentalidade, adquirem então um valor, que jamais sonhou atribuir-lhes o que primeiro os recolheu.
Quantos fatos semelhantes uma só palavra sua evocaria, do Norte e do Sul, de John O´Grot à Ponta da Terra! Quantos leitores ficariam contentes em manifestar-lhes seu reconhecimento pelas notícias que lhes transmite todas as semanas, enviando algumas recordações dos tempos antigos, uma lembrança de qualquer uso atualmente esquecido, de alguma lenda em desaparecimento, de alguma tradição regional, de algum fragmento de balada.
Tal serviço não seria apenas para o tradicionalista inglês. A conexão entre o Folk-Lore da Inglaterra (lembre-se de que reclamo a honra de haver introduzido a denominação Folk-Lore, como Disraeli introduziu Father-Land, na literatura deste país) e o da Alemanha é tão íntima que essas comunicações servirão provavelmente para enriquecer uma futura edição da Mitologia de Grimm. Deixe-me dar-lhe um exemplo dessas relações: Num dos capítulos de Grimm, que trata largamente do papel do Cuco na Mitologia Popular – do caráter profético que lhe deu a voz do povo – e cita muitos casos de derivar predições do número de vezes que seu conto é ouvido. E menciona também uma versão popular “Que o Cuco nunca canta antes de se ter fartado, três vezes, de cereja”. Agora, fui recentemente informado de um costume que existia outrora em Yorkshire, que ilustra o fato da conexão entre o Cuco e a cereja. – E isso, também, em seus atributos proféticos. Um amigo me comunicou que crianças em Yorkshire estavam acostumadas antigamente (e talvez ainda estejam) a cantar uma roda em torno da cerejeira com a seguinte invocação:
Cuco, Cerejeira
Venham cá e nos digam
Quantos anos nós teremos de vida.
Cada menino sacudia a árvore – e o número de cerejas derrubadas indicava o número de anos de vida futura.
Eu sei que o verso infantil que citei se conhece bem; a maneira, porém, de aplicá-lo não foi anotada por Hone, Brande ou Ellis: - é um desses fatos que, insignificantes em si mesmos, têm grande importância quando formam elos de uma grande cadeia – um desses fatos que uma palavra do Atheneum recolheria em abundância para o uso de futuros investigadores no interessante ramo das antiguidades literárias – nosso Folk-Lore.
(a) Ambrose Merton.”