USO DA METODOLOGIA EMERGETICA NA
ANALISE
DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO E CONSUMO
Enrique Ortega1 e Miguel Juan Bacic2.
1 Faculdade de Engenharia de Alimentos, 2 Instituto de Economia
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil
Resumo
Após décadas de estudos sobre o funcionamento dos ecossistemas e da biosfera, H. T. Odum esquematizou uma metodologia para calcular o valor biofísico dos recursos da natureza e, também, dos produtos da atividade humana. A metodologia emergética propõe o uso da emergia (energia solar equivalente) para medir o valor biosférico dos recursos da Biosfera, entre eles: os fluxos externos, os estoques geológicos e biológicos, os materiais dos ciclos biogeoquímicos naturais e daqueles afetados pela intervenção humana. De acordo com Odum, o valor econômico e o valor biofísico geralmente não coincidem, pois o preço no mercado omite e não considera devidamente todos os fatores de produção. O presente trabalho explica, passo a passo, a análise sistêmica dos processos ecológico-econômicos usando a abordagem emergética e discute sua utilidade potencial na formulação de políticas públicas
Palavras chave: Emergia, sustentabilidade, resiliência, colapso.
1. Introdução
Sobre o conceito e a medição do valor na Economia, existem duas linhas de pensamento principais, uma considera que o valor decorre de fatores objetivos (o trabalho humano) e outra que o valor decorre de elementos subjetivos (a utilidade). A proposta teórica de Howard T. Odum (1924-2002) se enquadra dentro da teoria do valor-trabalho de Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx e a amplia, pois considera tanto o trabalho humano quanto o da natureza na formação do valor de um recurso.
O valor-trabalho integral é a emergia do recurso.
A emergia se expressa em Joules de energia solar equivalente (seJ) por unidade de recurso (kg, J, etc.) ou em termos de seu equivalente em dólares por unidade de recurso. Define-se a emergia como a energia potencial (exergia) gasta, direta e indiretamente, na produção de um recurso. Seu cálculo é válido quando se consideram todas as entradas e saídas do conjunto de sistemas envolvidos na produção. Geralmente, além do produto existem outras saídas, assim a segunda condição é que os co-produtos do sistema não devem conter energia potencial capaz de afetar negativamente outros sistemas, em outras palavras, seu impacto ambiental e social (externalidades negativas) deve ser resolvido dentro do sistema.
2. Justificativa
A metodologia sistêmica emergética permite entender como funcionam a biosfera, os ecossistemas naturais, os ecossistemas antrópicos e suas inter-relações com a economia humana ao longo da evolução histórica. Consegue-se assim, compreender claramente os temas que desafiam hoje a análise econômica: as bases da sustentabilidade ecológica, a capacidade de suporte e a resiliência das distintas regiões da Terra, a intensidade energética dos diversos estilos de vida, o saldo energético das fontes de energia (renováveis e não renováveis), a área de absorção de impacto pelo uso de energia não renovável, entre outros.
3. Objetivo
O objetivo do presente artigo é mostrar a análise dos processos físicos, biológicos, econômicos e ecológicos dentro da perspectiva da análise emergética, tornando evidente a relação entre os processos naturais e os econômicos.
4. Análise de processos físicos, biológicos, econômicos e ecológicos
Será feita uma exposição do raciocínio da análise de sistemas, de forma similar a utilizada nos manuais de introdução a Física, a Biologia, a Economia e a Ecologia. Estudaremos, por meio de diagramas, processos físicos, biológicos e econômicos (isolados e depois no marco de um ecossistema e da biosfera). Utilizaremos a linguagem dos sistemas desenvolvida por H. T. Odum na Universidade da Flórida. Como toda linguagem ela tem símbolos e nos diagramas se organizam de maneira a expressar o sentido do fenômeno estudado. Nos diagramas serão mostradas as interações das forças de fontes externas e de estoques que geram novos recursos.
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Caminho Energético: Fluxo de energia, materiais ou informação. |
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Fonte de Energia: Energia existente nos recursos usados pelo ecossistema, como o sol, o vento, a chuva, as marés, as ondas nas praias, as sementes trazidas pelo vento e as aves. Também pode representar um fluxo de energia do sistema físico ou econômico. |
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Depósito ou estoque: É um acúmulo de um recurso. Por exemplo: biomassa, solo, água subterrânea, areia, nutrientes, depósitos de energia fóssil, minerais, produtos industriais, etc. |
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Sumidouro de Calor: Energia dispersa em um processo, a qual não pode mais ser aproveitada, como a água evaporada durante a fotossíntese, o calor do metabolismo animal, o calor da fricção, etc. |
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Interação: Processo que combina diferentes tipos de energias e materiais para produzir um recurso diferente (realizar trabalho). |
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Produtor: Uma unidade biológica (autótrofo) que transforma energia solar e materiais básicos em biomassa. Exemplos: as plantas silvestres e das lavouras, árvores, fazendas, o setor agrícola de um país. |
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Consumidor: Uma unidade biológica (heterótrofo) que aproveita os recursos gerados pelos produtores. Por exemplo: insetos, microorganismos, gado, seres humanos e cidades. |
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Transação: Intercâmbio de energia, materiais, serviços e dinheiro. |
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Interruptor: Dispositivo de controle (movido por várias forças) que dispara um processo que estava inativo, o qual geralmente é de pouca duração como um incêndio ou a polinização das flores. |
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Caixa: Demarcação dos limites de um sistema ou de um subsistema. |
Figura 1. Símbolos da linguagem emergética (H. T. Odum, 1066)
4.1. Análise de um processo físico
Figura 2. Processo físico.
A matéria é modificada por ação da força aplicada e desse trabalho surge um recurso com novos potenciais (capaz de ser utilizado em outros sistemas) e também se dissipa calor. Nesta representação não se diz de onde vêm as energias, nem como são geradas. Como a matéria pode ser expressa em termos de energia teríamos a seguinte equação:
A eficiência do processo pode ser calculada:
4.2. Análise de um processo biológico
Figura 3. Processo biológico em sua configuração mais elementar.
O diagrama do sistema biológico simples mostra que a produção bruta forma um estoque interno e parte dele é aproveitado na retroalimentação reduzindo a quantidade de produto líquido que sai do sistema. O modelo de interação mostrado acima é denominado sistema auto-catalítico, pois possui capacidade para aumentar o consumo de energia disponível em função de suas estruturas internas (o estoque de biomassa). As estruturas físicas e funcionais do sistema biológico (estabelecidas pela genética e outros fatores) estabelecem seu limite de crescimento.
Figura 4. Cadeia trófica simplificada.
Para aproveitar os recursos disponíveis (energia e materiais, externos e internos), as unidades auto-organizadas de produção de biomassa (vegetal e animal) formam redes de produtores e consumidores que desenvolvem laços duplos de energia, materiais e informação (para cima e para baixo da cadeia trófica). A sobrevivência do sistema depende da qualidade dessas interações. Os consumidores não podem destruir a base que os sustenta (os produtores) senão o sistema colapsa. A cadeia trófica (seqüência articulada de produtores e consumidores) mostra a origem dos recursos que sustentam o ciclo de produção e respiração (consumo). Esse ciclo se denomina metabolismo do ecossistema. O metabolismo do ecossistema tem uma dinâmica especial, a produção ocorre lentamente e o consumo se realiza como pulso rápido.
4.3. Análise de um processo econômico simples
Nos livros de Economia inicia-se a análise dos processos econômicos com o exemplo do produtor individual que produz para se manter (auto-subsistência) e que destina parte de sua produção para intercambiar com os produtores individuais que produzem outros produtos (Robinson, Eatwell, 1979, Livro II, cap. 1). Geralmente, não se analisa o modo de produção, não se menciona a origem dos recursos que utiliza nem se fala da sua relação com a natureza.
Figura 5. Processo econômico simples.
4.4. Análise de um processo econômico um pouco mais complexo
Um processo econômico mais complexo considera a existência de vários produtores individuais que trocam mercadorias por meio do escambo.
Figura 6. Processo econômico com dois ou mais produtores.
No intercâmbio de recursos entre dois produtores que levam seus produtos ao mercado existe a possibilidade de uma troca justa, que considera o trabalho humano aplicado na produção, pois há dialogo direto entre os produtores quando se encontram no mercado. Na troca (escambo) mostrada na Figura 6 não há moeda. O produtor atua diretamente da negociação (veja a linha de força que vai para o processo de troca).
4.5. Análise da relação econômica entre campo e cidade usando moeda
Figura 7. Relação campo-cidade com uso de moeda.
Com a urbanização há uma clara separação entre os produtores rurais e os consumidores urbanos. Neste modelo não é mais possível o escambo e é necessário o uso da moeda que facilita as trocas entre produtores e consumidores. O fluxo monetário ocorre em sentido inverso ao fluxo das mercadorias. No espaço regional os processos humanos substituem a flora e a fauna naturais por meio da introdução de plantas agrícolas, a eliminação do consumo da fauna local e o uso dos recursos minerais da região.
Figura 8a. Agricultura individual. |
Figura 8b. Agricultores associados. |
O produtor rural ecológico aproveita a biodiversidade para obter recursos do meio usados na produção de biomassa, materiais para a família e serviços ambientais para a região.
Figura 8c. Sistema agrícola sem biodiversidade e sem entradas naturais.
A produção rural muda com o tempo em função das inovações e das pressões externas que recebe. Em alguns casos, o produtor individual pode subsistir. Os produtores rurais podem se auto-organizar ou podem ser organizados por terceiros; nesse caso, as vantagens se distribuem entre eles e o novo elemento. Se a gestão humana destrói os estoques naturais, o sistema deixa de captar recursos, perde-se a fertilidade do solo e a produtividade e pode entrar em colapso.
Quando o sistema econômico cresce, as relações de troca podem tornar-se injustas, pois a força de pressão dos grupos humanos varia com a capacidade de organização, nela se aplica conhecimento e poder. Surgem atravessadores que concentram o poder de compra do agrupamento urbano e pressionam para obter menores preços por parte dos produtores rurais, assim se transfere a riqueza do meio rural para a cidade. A menor organização dos agricultores contribui para permitir a transferência de riqueza. Muitas vezes, os produtores procuram soluções parciais que implicam na geração de externalidades negativas.
Figura 9. Relação cidade-cidade e pressão pela renda.
A distribuição da renda dentro da cidade geralmente é desigual e concentra a riqueza no topo da cadeia de transformação de recursos (cadeia trófica).
Figura 10. Relação cidade-cidade influenciada pelos produtos derivados de petróleo e minerais.
Nos três últimos séculos, o sistema econômico mundial passou a usar, de forma cada vez mais intensa, estoques que não repõe: florestas, minerais e hidrocarbonetos (madeira, carvão, petróleo, gás). Para a economia urbana esses recursos (não renováveis) têm custo mínimo, pois somente paga os custos de extração. Com eles a indústria produz insumos agrícolas de baixo preço. Os fertilizantes e os biocidas substituem os trabalhos da natureza e do homem na lavoura e destroem a biodiversidade diminuindo os serviços ambientais vitais. O sistema rural perde sua fertilidade natural, permite o crescimento das cidades e se coloca perante o colapso.
4.6. Análise do funcionamento de um ecossistema
Figura 11. Diagrama que mostra o funcionamento de um ecossistema.
(Fonte: Center for Environmental Policy. University of Florida)
Os ecossistemas evoluíram para aproveitar ao máximo os recursos da biosfera. A intervenção humana diminui a eficiência e a vitalidade dos ecossistemas. O homem não deve ultrapassar a capacidade de suporte crítica, para evitar a perda da capacidade de recuperação (resiliência).
4.7. Análise de um processo econômico dentro de uma região
Figura 12. Relação da uma cidade com sua região de suporte.
(Adaptação de um diagrama do Center for Environmental Policy, University of Florida)
Uma cidade precisa de duas áreas de suporte, uma para gerar os serviços ambientais que demanda e outra para absorver os impactos ambientais que a atividade humana gera. As florestas infiltram água e também regulam o clima, os brejos absorvem a carga biológica dos efluentes. O planejamento regional deve considerar essas demandas de espaço geográfico.
4.8. Análise de um processo econômico dentro da biosfera
Figura 13. Relação processo econômico e biosfera.
Se observarmos o processo econômico dentro da biosfera podemos verificar sua relação com um conjunto de elementos que tendem a ser ignorados na análise econômica convencional. A Figura 13 mostra um modelo sistêmico que considera aquecimento global, esgotamento do petróleo, perda da biodiversidade, desconcentração da população, fixação biológica do dióxido de carbono. O processo econômico intensificou-se de forma extrema a partir de momento no qual a humanidade desenvolveu a capacidade de extrair e usar primeiro carvão e depois petróleo e gás. Esses recursos têm uma densidade energética muito grande, pois o trabalho realizado pela natureza na sua formação foi enorme, demorou milhões de anos. A agricultura deixou de ser limitada pela reciclagem dos nutrientes. O trabalho humano e da natureza foi substituído pelo trabalho realizado por produtos químicos e máquinas movidas à energia fóssil, porém com custos ambientais e sociais significativamente elevados.
O impacto sócio-ambiental decorre da introdução no sistema de recursos com alta capacidade de trabalho, que não tem seus custos verdadeiros captados pelos sistemas de contabilidade.
Figura 14a. Um sistema com co-produtos impactantes
Figura 14b. Um sistema que recicla e absorve se impacto.
Esses recursos de caráter não renovável propiciam a geração de externalidades negativas para todo o sistema, tais como: a perda de biodiversidade, a poluição com substâncias tóxicas, a diminuição da água doce potável disponível, a concentração do poder econômico e político, e impactos sociais negativos (êxodo rural, marginalização).
A solução para o problema das externalidades negativas é a mudança do modo de produção social (insumos sustentáveis, menos emissões, trabalho humano de melhor qualidade) e o tratamento e reciclagem de efluentes e resíduos. Esse tratamento gera custos, mas os benefícios superam os custos. Quando os resíduos são tratados e reciclados, há menos gasto com insumos, além disso, preserva-se o meio ambiente por reduzir os impactos ambientais.
O modelo sistêmico da biosfera pode ser colocado numa perspectiva histórica para evidenciar as contribuições da natureza e dos seres humanos para os processos produtivos.
Figura 15. Relação do processo econômico com os processos geológicos, biológicos e culturais da biosfera
As atividades do presente estão vinculadas ao trabalho da natureza realizado em outros tempos: trabalho geológico das primeiras Eras, trabalho biológico dos ecossistemas para gerar a biodiversidade e os processos funcionais da biosfera e trabalho social (história mais recente) que levou a formação dos modelos de organização da produção e consumo das distintas culturas humanas. Os estoques geológicos, biológicos e culturais geram fluxos cujo valor emergético pode ser calculado. Esses fluxos ajudam a viabilizar as atividades humanas no planeta e também pode limitar-las no futuro, a manutenção desse estoques exige retornos.
Figura 16. O fluxo de materiais, serviços e informação produzidos no passado na biosfera· exige retribuições adequadas por parte da sociedade humana.
Figura 17. Modelo de simulação da economia baseada no petróleo (Odum e Odum, 2001).
A diminuição do petróleo pode trazer, conforme Odum e Odum (2001), forte queda da população, dada a dependência deste recurso para alimentar os processos econômicos.
Figura 18. Modelo de simulação da biosfera (elaboração própria).
A reprodução da força de trabalho coloca um limite aos capitalistas. A existência de estoques imensos de recursos da natureza (porem finitos num prazo relativamente curto, dado o ritmo frenético do consumo econômico), leva a valorações que desconsideram seu custo de reposição e se concentram nos custos de extração e exploração correntes. Isto, aliado aos longos ciclos de reposição dos recursos naturais, leva a sobre-exploração, ao esgotamento e finalmente ao colapso de processos econômicos e atmosféricos.
5. Análise emergética e políticas públicas.
A análise emergética pode colaborar na informação dos preços reais dos recursos, induzindo uma maior racionalidade em sua utilização, o que pode ser realizado por meio da formulação de políticas públicas que intervenham na estrutura de preços relativos do sistema econômico.
No caso do trabalho da natureza se apresentam dois casos extremos: o da abundância e o da escassez. Quando os recursos são abundantes esse trabalho é considerado gratuito! Nesse caso, o valor dos recursos naturais é inversamente proporcional ao preço. Pode-se concluir que o dinheiro pago não representa o valor do trabalho incorporado pela natureza. E quando os recursos naturais se esgotam (e a demanda se mantém), o preço aumenta e acelera a extração dos recursos remanescentes colocando em risco sua preservação.
A tendência da economia é mobilizar tão rapidamente quanto possível os estoques de alta qualidade. Como a disponibilidade dos recursos varia com o tempo, as políticas devem mudar a cada etapa dos ciclos de evolução. Para garantir o aporte de recursos da natureza deve-se reconhecer seu trabalho e investir para que a natureza possa seguir oferecendo os serviços ambientais: absorção dos resíduos, infiltração da água da chuva, fixação biológica de nitrogênio, mobilização de nutrientes do solo agrícola e manutenção da qualidade do clima.
A análise emérgetica converte os fluxos de massa e energia numa mesma unidade (Joules de energia solar equivalente, seJ), separa os recursos da natureza e os da economia humana e mede os fluxos que entram e saem de um sistema dentro da ótica da renovabilidade. Ao analisar um processo, calcula o fluxo emergético de cada recurso e do processo como um todo, informa sobre a relação entre o preço e a emergia, apontando as distorções do preço de mercado. Esta informação pode ser de muita utilidade na formulação de políticas públicas que visem aproximar os preços de mercado aos valores emergéticos. Adicionalmente, a análise emergética gera indicadores que podem ser utilizados na analise de alternativas produtivas.
6. Analise de sistemas produtivos alternativos pela ótica emergética
O modelo atual (“Urbanização Econômica”) degrada o meio e reduz os serviços ambientais. Ele é planejado para atender interesses externos, causa erosão social, concentra o poder e a propriedade, transfere recursos e benefícios para fora da região, gera emprego rural de péssima qualidade, depende de recursos do petróleo (70%), tem saldo prejudicial de gases de efeito estufa.
Figura 19. Sistema de produção de alimentos, energia e serviços ambientais (SIPAES)
O modelo alternativo (“Ruralização Ecológica”), mostrado nas Figuras 17 e 18, têm como base os sistemas integrados de produção de alimentos, energia e serviços ambientais (SIPAES) para permitir a descentralização humana e a recuperação do meio ambiente. Esse modelo propõe readquirir a capacidade de oferecer serviços ambientais e sustentar cidades menores. Os SIPAES podem ser projetados para contribuir a absorção dos impactos decorrentes das mudanças climáticas: capturar dióxido de carbono, regular a temperatura e os fluxos hídricos, preservar a biodiversidade, incorporar pessoas desempregadas.
Figura 20. Interação entre campo e cidade (Odum, 2007).
7. Exemplo
Aplicação de fatores de intensidade emergética (transformidades) para obter os valores das entradas do sistema de produção de etanol de cana-de-açúcar em São Paulo considerando 21300 ha de cana, sem reserva florestal (Pereira, 2007)
Figura 21. Destilaria de álcool.
Tabela de cálculo dos fluxos de emergia de um sistema de produção de álcool a partir de cana-de-açúcar, usando fatores de intensidade emergética (transformidades). Dados de uma usina em São Paulo, com 21300 ha de cana, sem reserva florestal (Pereira, 2007)
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Contribuições |
Fluxo de entrada (nas unidades comuns) |
Valor padronizado |
Unidades |
Intensidade energética |
Fluxo de emergia |
Dólares equivalentes |
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sej/unidade |
sej/ha/ano |
USD/ha.ano |
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Contribuições renováveis da natureza |
|
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|
Subtotal |
592,01 |
|
1 |
Radiação solar |
1727 |
kWh/m2.ano |
5,22E+13 |
J/ha.ano |
1 |
5,22E+13 |
14,11 |
2 |
Chuva (potencial químico) |
1660 |
mmca/m2.ano |
6,77E+10 |
J/ha.ano |
3,06E+04 |
2,07E+15 |
559,90 |
3 |
Água (uso industrial) |
1,5 |
m3/TC |
3,60E+08 |
J/ha.ano |
1,85E+05 |
6,66E+13 |
18,00 |
|
Contribuições não renováveis da natureza |
|
|
|
|
|
Subtotal |
20,95 |
4 |
Perda do estoque de solo arável |
11,9 |
t/ha.ano |
3,23E+09 |
J/ha.ano |
2,40E+04 |
7,75E+13 |
20,95 |
|
Materiais serviços |
|
|
|
|
|
Subtotal |
1348,23 |
5 |
Infra-estrutura industrial |
0,23 |
USD/ha.ano |
2,30E-01 |
USD/ha.ano |
3,70E+12 |
8,51E+11 |
0,23 |
6 |
Equipamento agrícola (aço) |
4,33 |
kg /ha.ano |
4,33E+00 |
kg/ha.ano |
1,13E+13 |
4,89E+13 |
13,22 |
7 |
Equipamentos industriais (aço) |
4,05 |
kg /ha.ano |
4,05E+00 |
kg/ha.ano |
1,13E+13 |
4,58E+13 |
12,37 |
8 |
Veículos (aço) |
7,58 |
kg/ha.ano |
7,58E+00 |
kg/ha.ano |
1,13E+13 |
8,57E+13 |
23,15 |
9 |
Insumos industriais |
93,2 |
kg /ha.ano |
9,32E+01 |
kg/ha.ano |
3,80E+12 |
3,54E+14 |
95,72 |
10 |
Mudas |
2,8 |
t /ha.ano |
2,80E+03 |
kg/ha.ano |
7,50E+10 |
2,10E+14 |
56,76 |
11 |
Corretivos |
80 |
kg /ha.ano |
2,44E+08 |
J/ha.ano |
2,72E+06 |
6,64E+14 |
179,37 |
12 |
Nitrogênio |
16,0 |
kg/ha.ano |
1,60E+01 |
kg/ha.ano |
6,38E+12 |
1,02E+14 |
27,59 |
13 |
Fosfato |
98 |
kg /ha.ano |
9,80E+01 |
kg/ha.ano |
6,55E+12 |
6,42E+14 |
173,49 |
14 |
Potássio |
21 |
kg /ha.ano |
2,10E+01 |
kg/ha.ano |
2,92E+12 |
6,13E+13 |
16,57 |
15 |
Herbicidas |
45 |
kg /ha.ano |
4,50E+01 |
kg/ha.ano |
2,48E+10 |
1,12E+12 |
0,30 |
16 |
Diesel |
186,12 |
l/ha.ano |
6,55E+09 |
J/ha.ano |
5,50E+04 |
3,60E+14 |
97,36 |
17 |
Pneus |
3,94 |
kg/ha.ano |
3,94E+00 |
kg/ha.ano |
1,79E+13 |
7,05E+13 |
19,06 |
18 |
Mão-de-obra agrícola e transporte |
43,65 |
pessoa/ha.ano |
2,13E+08 |
J/ha.ano |
2,80E+06 |
5,96E+14 |
161,19 |
19 |
Mão-de-obra industrial e distribuição |
204,6 |
pessoa/ha.ano |
2,77E+07 |
J/ha.ano |
2,80E+06 |
7,76E+13 |
20,96 |
20 |
Despesas administrativas |
195 |
USD/ha.ano |
1,95E+02 |
USD/ha.ano |
3,70E+12 |
7,22E+14 |
195,00 |
21 |
Impostos e Taxas |
255,88 |
USD/ha.ano |
2,56E+02 |
USD/ha.ano |
3,70E+12 |
9,47E+14 |
255,88 |
|
|
|
|
|
|
Total |
1,07E+16 |
2895,39 |
|
Produção |
|
|
|
Índices emergéticos |
|
|
|
Volume de etanol |
6560 |
litros/ha.ano |
|
Emergia utilizada: Y = |
1,07E+16 |
seJ/ha.ano |
|
Valor calórico |
7000 |
kcal/kg |
|
Energia do produto: E= |
1,92E+11 |
J/ha.ano |
|
Preço |
0,55 |
USD/litro |
|
Transformidade: Tr= |
5,57E+04 |
sej/J |
|
|
|
|
|
Taxa de troca: EER = |
0,80 |
|
|
|
|
|
|
Renovabilidade: Ren= |
30% |
|
|
|
|
|
|
Saldo emergético: EYR= |
1,45 |
|
|
|
|
|
|
Taxa de investimento: EIR |
2,28 |
|
Despesas econômicas |
1348,23 |
|
Contribuição da Natureza |
592,01 |
|
Perda de solo |
20,95 |
|
Externalidades negativas |
350,00 |
|
Perdas ambientais |
1000,00 |
|
Despesas sócio-ambientais |
1350,00 |
|
Vendas |
3608,00 |
|
Saldo anual bruto |
2259,77 |
|
- externalidades negativas |
1909,77 |
|
- perdas serviços ambientais |
909,77 |
|
- contribuição da Natureza |
317,77 |
|
Ingresso bruto do complexo |
76.850.400 |
|
Rentabilidade |
115% |
|
Como pode ser visto nas tabelas anteriores é possível converter todos os fluxos de entrada de um sistema de produção, no caso: de etanol de cana-de-açúcar, em termos de emergia solar equivalente e depois em termos de dólares equivalentes para poder compara com os valores monetários de cada entrada.
8. Conclusão
A energia é o motor que move a natureza, os ecossistemas e o sistema econômico. À visão de um sistema econômico composto basicamente por fluxos e estoques monetários deve ser contraposta outra visão, na qual o sistema econômico seja visto como composto por fluxos e estoques de energia. Nesta concepção a análise emergética permite estudar a natureza dos elementos intervenientes nos sistemas humanos analisados e calcular o valor do trabalho da natureza informando claramente onde o preço de mercado está distorcido. Esta informação é fundamental para o desenho de políticas públicas que tentem assegurar que esse valor seja incluído nos preços (por exemplo: por meio de tributação ou racionamento) de forma a garantir que haja reposição do que foi extraído ou para manter a fertilidade natural e assegurar a sustentabilidade e governança futura.
A metodologia de valoração emergética ajuda a compreender o funcionamento e as interações do sistema econômico, os ecossistemas e a biosfera. Esta visão permite efetuar estudos comparativos de desempenho de sistemas de produção atuais com os sistemas ecológicos projetados para máximo desempenho emergético (SIPAES) incorporando os valores dos serviços ambientais devidos e as externalidades negativas. Isto possibilita imaginar programas de governo cujo objetivo fosse o emprego de qualidade aliado a produção dos alimentos, da energia e os serviços ambientais necessários para as distintas regiões do país e para atender mercados locais, regionais e externos.
Agradecimentos
A Mileine Zanghetin pelos desenhos, tabelas e revisão do texto.
9. Referências bibliográficas
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Odum H. T., 2007, Environment, Power and Society for the Twenty-First Century: The Hierarchy of Energy, Columbia University Press, USA: 432 pp.
Ortega, E.; Cavalett, O.; Bonifacio, R.; Watanabe, M., 2005. Brazilian soybean production: Emergy analysis with an expanded scope. Bulletin of Science, Technology and Society., Toronto, v. 25, n. 4, p. 323-334.
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