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O ensino do português para estrangeiros na

Unicamp


Por Alessandra de Falco, Edson Estavarengo e Helena Cardoso




            Breve biografia



 

           Na tentativa de recuperar a história do ensino de português como língua estrangeira na Unicamp, entrevistamos três nomes fundamentais para o estabelecimento dessa disciplina na universidade.
           Entrevistamos a professora Ângela Kleiman, pós-doutora pela Universidade de Illinois (EUA), atualmente docente do departamento de Lingüística Aplicada do instituto de Estudos da Linguagem (IEL-Unicamp), que se dedica, principalmente, aos estudos sobre a escrita em diversos contextos de aprendizagem, tais como alfabetização de adultos e formação do professor de língua materna.
           Contamos também com a participação da professora Linda El-Dash, doutora em Lingüística Aplicada pela Unicamp e professora da instituição, especialista na área de aquisição de língua estrangeira e segunda língua.
           Finalmente, entrevistamos a professora Itacira Araújo Ferreira que, atualmente, trabalha como professora de português para estrangeiros no Centro de Ensino de Línguas da Unicamp. Mestre em Lingüística Aplicada, Ferreira é ex Diretora do Instituto de Cultura Uruguaio-Brasileiro de Montevidéu, e tem como área principal de pesquisa a questão da interlíngua. Tem participado como avaliadora da parte oral do exame Celpe-Bras na Unicamp e da correção da parte escrita no Ministério da Educação, em Brasília.
           As informações obtidas nas entrevistas com a professora Ângela e Linda foram usadas na elaboração do artigo que se segue. A entrevista com a professora Itacira é apresentada na íntegra depois do artigo.



O início do ensino de português para estrangeiros na Unicamp [início]

Por Alessandra de Falco, Edson Estavarengo e Helena Cardoso


Chegam os estrangeiros no Brasil...

           Itacira Araújo Ferreira, professora de português, prepara sua aula, arruma seu material e sai ao encontro de seus alunos. Saudosamente, lembra-se do tempo em que ela própria foi aluna e sonhava estar no lugar do professor falando sobre língua, literatura e gramática. No entanto, tem à sua frente uma proposta completamente diferente do que imaginava. Seus alunos não são crianças em fase de alfabetização, nem alunos do ciclo regular de ensino fundamental e médio. Seu objetivo não é esquadrinhar a língua portuguesa em seus mínimos detalhes, aprofundar o conhecimento dos aprendizes sobre a língua e a cultura brasileiras ou apresentar a maneira pela qual nossa cultura e nossa sociedade estão retratadas na literatura.
           Seus alunos são estrangeiros, pessoas que muitas vezes chegam ao Brasil sem ao menos saber pedir informações essenciais, como comida e moradia. Seu objetivo é ensiná-los, na mesma velocidade das suas necessidades, a se expressar em um português bom o suficiente para que eles possam executar aquilo que vieram fazer aqui.
           Eles vêm de todas as partes do mundo à procura, principalmente, de estudos e trabalho. Alianças de cooperação acadêmica entre instituições brasileiras e internacionais impulsionam estudantes a realizar intercâmbios. Empresas interessadas em condições fiscais de instalação de suas filiais em território nacional ou no crescente comércio entre seus países e a América Latina enviam para cá seus funcionários a fim de que eles absorvam o funcionamento do mercado brasileiro ou treinem equipes sobre o seu modo de produção. E dessa maneira desembarcam todos os anos na região de Campinas estrangeiros vindos sobretudo da Coréia, África do Sul, Japão e de países vizinhos como Argentina e Colômbia.
Hoje, quando esses estrangeiros desembarcam no Brasil, eles já encontram recursos e informações que faltaram às professoras Linda El-Dash [link breve biografia], e Ângela Kleiman [link breve biografia]. Ambas chegaram no Brasil na década de 1970 e ajudaram a construir um dos mais importantes programas de português como língua estrangeira desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Essas personagens têm suas histórias pessoais e profissionais entrelaçadas às histórias da Universidade e da área de ensino. É o que revela as entrevistas concedidas por elas nos dias 23 de março e 25 de maio de 2006, respectivamente.

No início... desafios

           Em 1966 surgiu a Unicamp, tendo à sua frente o professor Zeferino Vaz, que trazia uma proposta inovadora para a Região Metropolitana de Campinas (RMC). Ele acreditava que a RMC necessitava de recursos humanos qualificados, pois já representava grande parte da produção de bens do Estado de São Paulo. Para cumprir esse objetivo, buscou no exterior docentes experientes que aceitassem o desafio de formar uma instituição de conhecimento e tecnologia na região.
           Porém, havia um grande desafio, os professores estrangeiros não dominavam a língua portuguesa e, dessa maneira, não poderiam dar aulas. Mesmo assim, entusiasmados pelas propostas salariais, muitos deles de diferentes lugares do mundo e de diversas áreas do saber vieram para o Brasil onde teriam a incumbência de formar pessoal qualificado para atuar no mercado nacional. Para isso, passariam por um curso intensivo de português para estrangeiros que teve início dentro da própria Unicamp, que passa a ser considerada pioneira nesta área de ensino no Brasil. "Este fato é muito marcante. O Brasil atraia muito estrangeiro na época e buscava atuar fortemente no exterior", afirma Kleiman.
           Linda El-Dash foi uma das primeiras responsáveis pelo material didático do curso de português como língua estrangeira da Unicamp. Ela conta que quando chegou ao Brasil não sabia nada de português. Logo teve necessidade de aprender a língua, pois precisava encontrar uma casa para morar, comprar comida, conversar com as pessoas, enfim, viver. Essa foi a principal motivação para elaborar o material didático do curso de português. "Na Unicamp me diziam: 'Não precisamos do ensino de inglês, mas temos um problema de português para estrangeiros'. E eu disse: 'Tudo bem' e assim eu era a 'cobaia' de que precisavam. Como não havia professores nessa área, eu era aluna e autora do material ao mesmo tempo, o que era uma seqüência muito estranha", afirma.
           Por conta disso, todas as informações abordadas no curso eram baseadas na realidade vivida pelos professores que vinha para o Brasil. "Tudo foi bolado pensando no problema que nós tínhamos. Tudo que a gente precisava fazer servia de orientação para o curso que era planejado. Eu falava: 'Eu preciso dizer isso' e então incluíamos na aula. É uma experiência bem diferente para quem aprende uma língua", diz El-Dash. Ainda exterior, os professores assinavam um contrato afirmando que dariam aula no primeiro ano em inglês e que, se ficassem para o segundo ano, dariam em português. "Obviamente irreal! Então havia uma pressa para ensinar e aprender português", completa El-Dash.
           Os alunos da primeira turma - aproximadamente doze, entre coreanos, japoneses, ingleses, chilenos etc - eram professores hoje considerados renomados como Ahmed Athia El-Dash, George Gerson Kleiman, Ângela Kleiman, Aryon Dall Igna Rodrigues, Leonor Lombello, Marisa Baleiro, Maria do Amparo B.de Azevedo e Daniele. Rodrigues. Essas duas últimas e El-Dash ficaram responsáveis para compor o material que tinha um enfoque comunicativista, ou seja, focava a comunicação. Mais tarde se juntou a elas a professora Itacira Araújo Ferreira, atual professora de português para estrangeiros no Centro de Ensino de Línguas (CEL).
           Ângela Kleiman conta que quando chegou ao Brasil e ficou sabendo que havia na Unicamp um curso de intensivo de cinco semanas logo se interessou. "Na época ainda não tinha um curso específico para falantes de espanhol. Foi a partir dessa primeira experiência que eles começaram a pensar em separar o curso para falantes de línguas tipologicamente próximas", diz.

O processo de elaboração do material didático

           Além do curso de português para estrangeiros, o Centro de Lingüística Aplicada (CLA) tinha cursos de alemão, hebraico, japonês, russo, entre outros. Mas a professora Ângela Kleiman ressalta que "a área de português para estrangeiros era privilegiada em relação às demais, para a qual os professores deveriam dar doze horas/ aula, sem tempo para pesquisa. Já na área de português os professores tinham contrato de vinte e quatro horas para dar oito horas / aula, ou seja, havia mais tempo para pesquisa aplicada, por isso eles conseguiam produzir materiais didáticos".
           A apostila criada por Linda El-Dash teve duas versões. A primeira foi rodada em mimeógrafo pelos próprios professores (ver imagem). Nela podemos ver diálogos de personagens que eram os próprios alunos, como afirma El-Dash: "Um era o marido da Daniele Rodrigues, outro de Maria do Amparo. Essa apostila continha um monte de coisas da nossa vida, com fotos e personagens que éramos nós mesmos", conta a professora entre risos. Sobre as apostilas, diz Kleiman, apesar de conter diversos diálogos, havia pouco texto para leitura. "A apostila retratava situações com uma linguagem cotidiana. Eu podia usar imediatamente para falar com o sindico do meu prédio, por exemplo", diz.
           A parte gramatical da apostila era de responsabilidade de Daniele Rodrigues e Maria do Amparo. "Eu não sabia nada de gramática. Lembro que em uma reunião eu usei o tratamento 'Você' e era para usar 'Vossa Senhoria'. Todo mundo me olhou com aquela cara. Eu dizia: 'Eu não sei outra forma, eu sei que existe, mas não sei qual é'. Disseram que não havia problema, que estava tudo bem, mas não estava, porque ninguém aceitava. Foi tão traumático", conta El-Dash.
           No decorrer dos anos, a apostila foi aprimorada. Chegaram novos professores especializados na área e, conforme conta El-Dash, "o segundo material foi desenvolvido por uma equipe diferente, com base em metodologia muito mais parecida com a que é aplicada hoje, porém ainda focado da conversação, era falar e se virar. A gramática estava por trás de exemplos 'maravilhosos': 'Os ladrões deixaram as impressões digitais nos...' alguma coisa com ões". Além dos materiais didáticos, El-Dash publicou diversos livros na área de ensino de língua estrangeira, como, por exemplo, Brazilian and Portuguese: questions answered, volume desenvolvido em co-autoria com Leonor Lombello. A Unicamp já se destaca pelas publicações na área na década de 1980 em relação às outras universidades do país. "A área de Lingüística Aplicada era emergente, estava crescendo", ressalta Kleiman.



O primeiro seminário de português para estrangeiros no Brasil [início]


           Entre 1979 e 1981, a professora Ângela Kleiman - coordenadora do Centro de Lingüística Aplicada (CLA) na época, atualmente extinto - ajudou a implantar o Departamento de Lingüística Aplicada (DLA) - responsável na época pelo ensino de línguas, atualmente sob responsabilidade do CEL. Kleiman e Daniele Rodrigues, coordenadora do grupo de Português para Estrangeiros na época, foram responsáveis pela organização do primeiro seminário de português para estrangeiros no país, em 1979.


Primeiro Seminário Brasileiro de Lingüística Aplicada
(íntegra da apresentação)


O ensino de português para estrangeiros no Brasil

Coordenadoras: Ângela B. Kleiman e Daniele M. G. Rodrigues
Condições:
Data:10 a 14 de dezembro de 1979
Duração: 5 dias
Local: Centro de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos de Linguagem da Universidade Estadual de Campinas - Cidade Universitária - Barão Geraldo - Campinas
Taxa de Inscrição .... R$ 2.000,00
A inscrição poderá ser feita pessoalmente ou enviando cheque nominal à Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia.
Informações:
Maiores informações poderão ser obtidas nos seguintes locais:
- Secretaria do Centro de Lingüística Aplicada - I.E. L., UNICAMP - 13100 - Campinas - SP - Tel.: (019) 3239 1301 - ramal 370
- Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia - Rua Latino Coelho, 1301 - Caixa Postal 1889 - 13100 - Campinas - SP - Tel.: (019) 3241 2079

POR QUE ESTE SEMINÁRIO?
           A problemática do ensino de português para estrangeiros no Brasil (EPEB) encerrou soluções não convencionais no CLA, que surgiram após longa experiência de ensino a estrangeiros das mais variadas procedências. O material didático elaborado pelo setor de português do CLA resulta de reflexões tanto metodológicas quanto psico-sociolingüísticas.
           Qualquer divulgação e adoção desse material deverão se apoiar em treinamento específico que garanta a efetividade do material e eventual adaptação que possam se tornar aconselháveis em face de circunstâncias em que será utilizado.

PROGRAMA:
MANHÃS:
10/12
9h. Abertura do Seminário pelo Prof. Dr. Carlos Franchi, Diretor do IEL.
10h. Problemas metodológicos no ensino da segunda língua a adultos, Profª. Dra. Ângela B. Kleiman, Coordenadora do VLA, IEL.
11/12
9h. Considerações sociolingüísticas no ensino de segunda língua , Prof. Aryon Dall Igna Rodrigues, do Departamento de Lingüística do IEL.
11h. Utilização de critérios sociolingüísticos em materiais para EPEB, Profª. Leonor C. Lombello, supervisora do Setor de Português do CLA, IEL.
12/12
9h. Graduação em EPEB: considerações metodologias - Prof. Geraldo Cintra , do Setor de Inglês do CLA, IEL.
11h. Gradação em textos para EPEB, Profª. Daniele M.G.Rodrigues, do Setor de Português do CLA, IEL.
13/12
9h. Critérios psico-sociolingüísticos para a construção de exercício no EPEB, Prof. Dr.Francisco Gomes de Mattos, Diretor Acadêmico do Instituto Yázigi.
11h. Demonstração de utilização de critérios psico-sociolingüísticos em materiais para EPEB, Profª. Sonia Biazioli, coordenadora do programa de português para estrangeiros do Instituto Yázigi.
14/12
9h. Técnicas de ensino, Profª. Maria do Amparo B.de Azevedo, do Departamento de Inglês da USP.
11h. Demonstração do uso de algumas técnicas em sala de aula.
TARDES:
10/12 a 13/12
13:30h. Apresentações dos diversos aspectos do Método Português Falado e Escrito para Estrangeiros no Brasil, seguidas de demonstrações do uso desse material em sala de aula.
15:00h. Grupos de Trabalho: Programação e estruturação de cursos para EPEB. Elaboração de material didático para EPEB: adequações lingüísticas, sociolingüísticas e psicolingüísticas. Técnicas da lingüística aplicada ao ensino: análise contrastiva lingüística e cultural.
Essas atividades serão coordenadas pelas professoras: Leonor C.Lombello, Linda Gentry ElDash e Daniele M.G.Rodrigues, do setor de português do CLA - IEL.
14/12
14h. Mesa redonda sobre Utilização do Laboratório Gentry El Dash, do Setor de Português do CLA - IEL.
16h. Encerramento com entrega de certificados.


Legado para a atualidade [início]

           Atualmente Linda El-Dash ainda trabalha com aquisição de língua estrangeira e ensino de segunda língua, mas voltou para a área de inglês, seu campo original. Já Ângela Kleiman trabalha com leitura, também dentro da área de Lingüística Aplicada. Ambas colaboraram de forma fundamental para a construção de parte da história do ensino de português para estrangeiros na Unicamp. Atualmente, as aulas de Português para Estrangeiros são oferecidas no Centro de Ensino de Línguas.


Breve biografia


Ângela Del Carmen Bustos Romero de Kleiman [início]

           Ângela Kleiman trabalha com leitura na área de Lingüística Aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A professora nasceu no Chile. Cursou mestrado e doutorado em Lingüística nos Estados Unidos e foi Diretora de Programas bilíngües nas escolas públicas de Detroit. No Brasil, atuou na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e em 1977 foi convidada para coordenar o Centro de Lingüística Aplicada (CLA) da Unicamp.

[Imagem: Ângela Kleiman]




Linda Gentry El-Dash [início]

           Linda Gentry El-Dash é professora do IEL na área de aquisição de língua estrangeira e segunda língua. Nascida nos Estados Unidos, graduou-se no ano de 1969 no curso de alemão pela Kansas State University, fez mestrado em educação na mesma universidade e especialização em TESOL (Teacher of Language to Speaker of Other Languages) na American University no Cairo (Egito) e doutorado em lingüística aplicada na Unicamp.
           Trabalhou em diversas instituições de ensino e pesquisa no Brasil e no exterior com aquisição de língua estrangeira e segunda língua, linguagem, cultura e interação em contextos institucionais e teoria e ensino da tradução. Chegou ao Brasil em 1975 e foi a primeira responsável pelo material didático do curso de português para estrangeiros da Unicamp, participando ativamente da sua constituição.


[Imagem: Linda El-Dash]