Publicação
original em:
Clássicos da Filosofia:
Cadernos de Tradução nº 2
IFCH/UNICAMP - Agosto de
2002 (ISSN: 1676-7047)
Jean-Jacques Rousseau
Escritos sobre a
Religião e a Moral
Traduções e notas
Adalberto Luis Vicente
(Dep. de Letras Modernas - FCL - UNESP-Araraquara)
Ana Luiza Silva Camarani
(Dep. de Letras Modernas - FCL - UNESP-Araraquara)
José Oscar de Almeida Marques (Org.
e apres.)
(Dep. de Filosofia - IFCH - UNICAMP)
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
CARTA DE J. J. ROUSSEAU AO SENHOR DE VOLTAIRE.....7
FRAGMENTO ..... 23
CARTAS MORAIS .....26
CARTA 1..... 26
CARTA 2..... 31
CARTA 3..... 35
CARTA 4..... 42
CARTA 5..... 47
CARTA 6..... 52
CARTA AO SENHOR DE FRANQUIÈRES......59
FRAGMENTOS SOBRE DEUS E SOBRE A REVELAÇÃO......74
SOBRE DEUS.....74
PRECE ..... 75
PRECE ..... 77
MEMORIAL .....80
FICÇÃO OU PEÇA ALEGÓRICA
SOBRE A REVELAÇÃO ......84
FRAGMENTO SOBRE O PODER INFINITO DE DEUS
......94
APRESENTAÇÃO
José Oscar de Almeida Marques
Departamento de Filosofia - UNICAMP
Os dois mais importantes
textos de Rousseau sobre a religião e que a articulam a suas investigações
sobre a política e a formação moral são, respectivamente,
o capítulo sobre a religião civil do Contrato social
e a “Profissão de fé do Vigário da Sabóia”,
no Livro IV do Emílio. Publicados ambos em 1762, esses trabalhos
foram preparados por uma lenta maturação cujos inícios
remontam à época da reforma moral e intelectual do autor
associada à “iluminação de Vincennes” e à redação
do Discurso sobre as ciências e as artes, de 1750. Desse período
de maturação datam diversos escritos que têm não
apenas um significado histórico para o estudioso da evolução
do pensamento de Rousseau, mas apresentam grande interesse intrínseco
pela profundidade e alcance da reflexão neles desenvolvida. O objetivo
desta coletânea é trazer ao leitor esses escritos, presentemente
não disponíveis em tradução portuguesa, e que
merecem um lugar de destaque ao lado das obras mais canônicas do
autor.
O mais famoso
desses textos é, sem dúvida, a Carta a Voltaire sobre
a Providência,
datada de 18 de agosto de 1756. O grande
terremoto de 1755 em Lisboa, à época uma das maiores e mais
ricas cidades da Europa, causou aproximadamente 15 mil mortes, e,
especialmente por ter ocorrido no dia
da festa de Todos os Santos, com o desmoronamento de igrejas apinhadas
de fiéis, produzira um transtorno nas formas de conceber as relações
entre Deus, a natureza e a providência. A indignação
foi expressa exemplarmente por Voltaire, em seu Poema sobre o desastre
de Lisboa, que pôs em questão a existência de uma Providência
benfazeja. O texto de Rousseau é uma resposta a essa acusação,
e uma defesa de sua fé religiosa, com a mobilização
dos clássicos argumentos que buscam, desde a Antigüidade, conciliar
a onipotência de Deus com sua benevolência. De grande interesse
e originalidade são, principalmente, as considerações
de Rousseau sobre a responsabilidade das próprias instituições
e práticas humanas na magnitude do desastre: “convinde, por exemplo,
que a natureza não reuniu ali vinte mil casas de seis a sete andares,
e que se os habitantes dessa grande cidade tivessem sido distribuídos
mais igualmente, e possuíssem menos coisas, o dano teria sido muito
menor, e talvez nulo”.
As Cartas
morais, ou Cartas a Sophie, constituem um trabalho de maior
fôlego, escrito sob a forma de um “catecismo moral”, cujo modelo
subjacente é o Discurso do método, de Descartes. Dirigidas
nominalmente à Condessa Élisabeth-Sophie-Françoise
d’Houdetot, por quem Rousseau experimentara uma intensa paixão (que
alegou ter sido a única de sua vida), elas foram escritas no início
de 1758, após o conturbado fim desse relacionamento, e nunca enviadas
à destinatária. Partes dessas cartas foram posteriormente
incorporadas ao texto da “Profissão de fé”, mas seria errôneo
ver nelas apenas um esboço preliminar e dispensável daquele
trabalho; de fato, elas adquirem uma importância própria pela
originalidade da organização, exposição e desenvolvimento
do material, e pelo cuidado e polimento que Rousseau – tendo desde o início
uma publicação em vista – dedicou a seu preparo.
Nada se sabe
sobre o Sr. de Franquières, destinatário da carta que Rousseau
escreveu no início de 1769, aparentemente em resposta a uma série
de considerações em defesa do agnosticismo religioso. O estilo
não é mais tão assertivo como nos escritos anteriores:
é como se Rousseau, tendo já deixado atrás de si suas
grandes obras filosóficas e ocupando-se então apenas com
a conclusão de suas Confissões, não tivesse
mais a disposição de embrenhar-se em extensos argumentos
em defesa de sua fé. E nem lhe é preciso: à suposição
de que um apelo à certeza proporcionada pelo “sentimento interno”
constituiria uma base pouco filosófica, o Rousseau tardio pode calmamente
objetar que esse sentimento é o único guia que nos permite
escapar aos infindáveis sofismas da razão, e que a própria
filosofia, em toda sua pompa, não está ela própria
em condições de dispensá-lo.
Reúnem-se
ao final da coletânea alguns fragmentos e textos diversos ligados
ao tema da religião. O fragmento Sobre Deus é o mais
antigo e remonta provavelmente a 1735, sendo uma das primeiras reflexões
do autor sobre a questão da liberdade e a justificação
da possibilidade de se escolher o mal. As duas Preces são
também escritos de juventude, datando da época da residência
nas Charmettes, em 1738 ou 1739. Sem pretensão filosófica,
elas são reveladoras do tipo da sensibilidade associada à
experiência religiosa de Rousseau, e, particularmente na segunda,
introduzem informalmente certos temas que terão grande importância
em suas reflexões posteriores, como a ubiqüidade do olhar de
Deus e seu desígnio benfazejo, embora inescrutável por nós.
Uma curiosidade
é o Memorial dirigido a Monsenhor Boudet, que descreve a
conversão da Sra. de Warens pelo Padre Bernex e conclui com o relato
do suposto milagre operado por intercessão desse prelado quando
do incêndio que ameaçou em 1729 a casa da Sra. de Warens,
em que Rousseau vivia. Quando, muitos anos mais tarde, Rousseau negou,
nas Cartas escritas da montanha (1764), a possibilidade de milagres1,
este testemunho foi localizado e publicado na íntegra por seus adversários
para causar-lhe constrangimento. Nas Confissões Rousseau
afirma ter escrito esse memorial apenas dois anos após o incêndio,
alegando em sua defesa sua ingenuidade à época, mas, de fato,
o relato data de 1742, ou seja, mais de 12 anos após o acontecimento.
O texto mais
místico e enigmático da coletânea é a Ficção
ou peça alegórica sobre a
revelação. De datação
incerta, já foi dado como extremamente tardio, talvez mesmo o
último escrito a sair da pena de
Rousseau. Aceita-se hoje mais a hipótese de que tenha sido composto
logo após a instalação de Rousseau no Ermitage, em
abril de 1756; neste caso ele faz propriamente parte da série de
escritos que prepararam a redação da “Profissão de
fé”. O texto recebeu um atento comentário de Starobinski
no 4º capítulo de A transparência e o obstáculo,
e se divide em duas partes, escritas respectivamente na forma literária
do devaneio e do sonho: a primeira sendo uma revelação filosófica
em que “o santuário da natureza” abre-se ao entendimento do protagonista;
a segunda, uma aterradora visão do destino reservado ao sábio
que pretende curar a cegueira dos homens. As figuras de Sócrates
e Jesus são contrastadas nessa tarefa, e o texto parece incompleto
porque o sacrifício de Cristo não se consuma; por outro lado
o contraste entre a morte do filósofo e a permanência da palavra
de Cristo pode ter sido intencionalmente criado.
As traduções
foram feitas a partir dos textos estabelecidos por Henri Gouhier e
publicados no volume IV das Oeuvres
complètes de Jean-Jacques Rousseau, Bibliothèque de la
Pléiade, 1969.
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