Colóquio “A questão da medida na filosofia britânica”, Curitiba de 28 a 30 de maio de 2007.

 

Hobbes e a medida da desigualdade entre os homens

José Oscar de Almeida Marques
Departamento de Filosofia - UNICAMP
jmarques@unicamp.br

RESUMO:

 

A famosa afirmação de Hobbes, no início do capítulo XIII do Leviatã, de que a natureza fez os seres humanos iguais em suas faculdades de corpo e espírito, repercute hoje nas constituições de todas as nações ditas civilizadas, levando um analista como Leo Strauss a identificar aí a diferença crucial entre o pensamento político moderno e o pensamento político da Antigüidade clássica, para o qual as diferenças naturais entre os homens constituíam matéria de imensa relevância política e, de fato, formavam a base inelutável sobre a qual se organizava a administração da pólis. São múltiplas as notas envolvidas nessa passagem, entre elas o abandono dos ideais de vida heróicos e elevados e a valorização da vida ordinária, a supremacia dos valores produtivos sobre os teórico-especulativos, a descrença em um padrão imutável de excelência a ser alcançado pelos seres humanos, e a recusa de que a natureza possa servir de guia para os homens na condução de suas vidas, e ser algo mais que um obstáculo a ser vencido pelo engenho e artifício humanos.

 

Aos olhos modernos, então, Hobbes pode facilmente surgir como o paladino dos ideais igualitários, que calou a arrogância dos filósofos e aristocratas do passado; mas um exame mais detido de suas afirmações pode revelar algumas contracorrentes atuando em um nível mais profundo. De fato ele já deixara de lado, em sua defesa da igualdade das capacidades mentais dos homens, “aquelas artes fundadas nas palavras, e especialmente [...] aquela denominada Ciência, que poucos têm e apenas em poucas coisas”. E ao formular sua 9ª lei de natureza, contra o orgulho, ele deixa escapar a enigmática afirmação de que, se a natureza não tiver realmente feito os homens iguais, essa igualdade deve ser admitida, em vista da obtenção da paz.

 

Se as pequenas diferenças de agilidade mental (a quicker mind) encontradas entre os homens no estado de natureza não são suficientes, nessa situação tosca e insegura, para assegurar-lhes vantagens competitivas, tudo isso pode mudar drasticamente tão logo a instituição da sociedade politicamente regulada crie um ambiente em que tais diferenças possam ser postas a funcionar. Nesse sentido, um dos objetivos da política pode vir a ser a contenção das diferenças intelectuais naturais pela imposição de uma igualdade política e jurídica artificial. Nesse caso, a afirmação categórica da tese da igualdade entre os homens no início do capítulo XIII pode revelar-se como um dos muitos passos retóricos do Leviatã, destinado a expressar-se cientificamente apenas no capítulo XV, pela dedução racional da 9ª Lei.